Capítulo 3

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Capítulo três

Eu andava muito inquieta desde a noite em que o desconhecido havia invadido meu quarto. O modo como ele me desdenhou por achar que eu não conhecia o mundo fora do convento, tinha mexido comigo de um jeito que até então era desconhecido para mim, como se eu estivesse deixando de viver algo grandioso, como se com suas palavras tivesse conseguido me afrontar.

Sem falar no beijo... Sempre que relembrava balançava a cabeça para esquecer.

Nunca tive muito contato com homens da minha idade, era sempre os idosos do asilo e os da igreja, talvez um ou outro da mesma idade que eu que conheci fazendo retiros e afins, mas nunca havia conversado livremente e sozinha como aconteceu com o desconhecido no meu quarto, muito menos beijado.

Foi uma sensação indescritível, como se meu corpo todo tivesse se acendido no momento em que colou seus lábios nos meus, como se eu me conectasse e precisasse de mais.

Passei dias e mais dias pensando em como seria ser pega por ele em seus braços, como seria se tivesse me beijado de verdade e qual era a sensação maior, a que viria depois do beijo. Balancei a cabeça mais uma vez tentando parar de pensar.

Dia após dia me envolvia em atividades braçais para que ficasse cansada a ponto de dormir como uma pedra e assim não pensar mais na bendita noite em que meu quarto foi invadido, no entanto, era inevitável. Os pensamentos foram se tornando mais fortes e a curiosidade de ser uma mulher comum e livre das obrigações do convento invadiam meus pensamentos com mais força.

Comecei a me sentir culpada e triste, a ponto até de deixar de falar como a tagarela que sempre fui e isso chamou a atenção da irmã Sandra, que em uma certa noite em que assistíamos ao jornal da noite, me viu reclusa em um dos cantos da sala, se aproximou e com sua voz mansa, me perguntou baixinho para que ninguém mais ouvisse:

— O que está acontecendo com você, Rosabel?

Tirei meu olhar do ponto fixo que olhava enquanto pensava na vida e a encarei, mas sem conseguir criar coragem para contar, apenas dei de ombros e voltei a olhar para o nada.

— Rosabel, fala comigo. Sei que algo não está te fazendo bem e tenho te observado calada demais nos últimos dias.

Respirei fundo e tentando ser direta me abri.

— Tenho pensado muito em como deve ser a vida de uma mulher da minha idade que vive fora do convento.

Irmã Sandra me observou e vi em seus olhos que pareceu refletir sobre o que me dizer. Eu já tinha dito isso a ela uma vez, mas talvez pensasse que eu havia esquecido a ideia.

Após dizer o que estava me afligindo mudei meus olhos dos seus novamente e como sempre sendo um doce de pessoa, irmã Sandra disse para me acalmar:

— Acho completamente normal. Sabe, Rosabel, antes de eu dedicar a minha vida ao senhor, fui casada. — A olhei. — Mas fiquei viúva um mês depois, caí em uma tristeza profunda e foi a religião que me salvou de acabar com a minha própria vida. Comecei a ajudar na comunidade, depois me vi cada vez mais envolta, até que decidi que essa vida que levamos, a dedicação a Deus e a quem necessita de mim, era o que eu precisava e o que me fazia feliz. Já você, viveu aqui desde que nasceu e não teve escolha.

Assenti e não sabia o que dizer. Nunca ouvi sobre o seu passado, não conhecia sua história de vida e concordava com o que ela pensava sobre a minha, então perguntei:

— Mas como sei que quero mesmo outra vida se só conheci essa? Eu amo morar aqui, amo a minha devoção a Deus e tenho plena certeza da minha fé. Acho que a minha vocação é servir a Deus e ao próximo.

Degustação a partir do dia 28/09/2021 Minha RosabelOnde as histórias ganham vida. Descobre agora