05_ Padrãozinho.

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Cantar.

Esse pequeno ato significava o mundo para mim. Literalmente. Eu me sentia em outro lugar, de outra forma, uma sensação totalmente nova a cada nota, a cada som. Toda vez que eu cantava, eu conseguia sentir e transmitir a sensação da música. Eu me sentia independente, sentia que poderia fazer qualquer coisa, sentia milhares de sensações diferentes enquanto cantava uma única música.

Cada música tem a sua intenção, sua vibe, seus objetivos, seu tom, seu poder. A letra de uma música precisa cobinar com sua melodia e passar sua mensagem. Quando eu canto uma música empoderada, a melodia completa e eu me sinto empoderada. Quando canto uma música alegre, a melodia completa e eu não evito sorrir. Quando a música é romântica, a melodia toca e eu... Não sinto nada.

Eu, literalmente, nunca me envolvi com homem algum. Sim, eu tenho vinte anos e nunca me envolvi com nenhum homem. Nunca senti ou vi a necessidade.

Fui criada por mãe solteira. O meu pai nunca deu as caras e eu espero que nem dê. Eu cresci vendo a minha irmã mais velha se apaixonar e se iludir por caras que só brincaram e atrasaram com a vida dela. Eu não vou cometer o mesmo erro, nunca.

Eu não estou dizendo que pretendo ser uma solteirona para sempre, só digo que não quero que homem nenhum tire o meu foco dos meus sonhos. O meu objetivo agora é me tornar mundialmente conhecida, cantar para milhares e milhares de fãs, crescer por mim mesma e jamais depender ou colocar algum cara nos meus planos.

Eu sempre sinto a sensação de cada música que eu canto, menos quando canto romances. Cantar Love Story ali era uma encenação. Eu sorria entre alguns versos, eu gesticulava, eu transmitia paixão, mas eu não sentia nada daquilo.

A única coisa sincera que fiz enquanto cantava aquela música foi sorrir de forma convencida para o invasor de apartamentos que não tirava os olhos de mim durante a música inteira. Ele riu quando fiz isso.

Quando a música terminou, logo tive que embarcar na próxima. Ela também era conhecida por mim, então a cantei tranquilamente enquanto a minha encenação fazia algumas senhoras de idade sorrirem para mim com a mão sobre o peito.

Também não pude deixar de procurar por rostos conhecidos. Em minha mente eu estava torcendo para que esses noivos fossem best friends de algum produtor musical.

Quando a segunda música acabou, os noivos já estavam ali. O que me deu a liberdade de sair de onde estava e poder me sentar para observar a cerimônia. Infelizmente, devo dizer, o lugar que Maddy havia separado para mim era bem na primeira fileira, entre a mãe da noiva e... ele. Eu deveria perguntar seu nome, já que nos encontramos tantas vezes num dia.

Sente-me ao seu lado apoiando minha bolsa sobre o meu colo e encarei a cerimônia já acontecendo.

ㅡ Então você canta... ㅡ Ele começou a falar.

ㅡ Descobriu isso sozinho? ㅡ Dei um sorriso de canto sem deixar de encarar a cerimônia.

ㅡ Há quanto tempo? ㅡ Perguntou.

ㅡ Há quanto tempo o que? ㅡ Olhei para ele. Ele estava olhando para a cerimônia, o que me permitia analisar o seu rosto. Não havíamos estado tão perto antes. Ele ainda assim era bonito. Seu cabelo bem cortado, seu maxilar bem desenhado, o olhar que deveria parecer cruel, mas que acompanhado de seu sorriso travesso se torna sarcástico. Me perguntava se ele era algum modelo. Para ter fãs, como disse antes.

Também não pude deixar que notar que ele tinha tatuagens em suas mãos e em parte de seu pescoço. Provavelmente também tinha em seus braços, mas, obviamente, o smoking cobria.

ㅡ Há quanto tempo canta. ㅡ Ele completou a pergunta. ㅡ Você tem um tom bom de quem pratica isso à anos. ㅡ O mesmo deixou de encarar a cerimônia e olhou para mim. Me senti constrangida e olhei de imediato para a frente.

ㅡ Eu canto desde... desde os cinco anos. ㅡ Gaguejei. ㅡ Sempre foi minha paixão.

ㅡ Executa isso muito bem. ㅡ Ele não pareceu sarcástico. Acabei o olhando de novo. ㅡ Mas tem potencial para coisas maiores que um casamento de um homem dono de estádio de Hóquei. ㅡ Completou encarando os noivos que agora faziam seus votos.

ㅡ Eu sei disso. ㅡ Respondi certa. Todos se colocaram de pé, então o fizemos também, mesmo não estando prestando nem um pouco de atenção no que acontecia. ㅡ E eu vou conseguir coisas maiores. Pode acreditar. ㅡ Lhe dei um sorriso curto. Ele sorriu também assentindo e encarou os pés enquanto suas mãos estavam seus bolsos.

ㅡ Eu faço algo parecido. ㅡ Ele comentou.

ㅡ Também trabalha com música? ㅡ Ele assentiu. ㅡ Pensei que você fosse modelo. ㅡ Pensei alto. A careta veio logo depois.

ㅡ Mesmo? ㅡ Ele passou a mão no cabelo. ㅡ Me acha tão bonito assim? ㅡ Ele balançou o cabelo como o Príncipe Encantado do Shrek e eu tive que segurar a risada com as mãos sobre a boca. Palmas começaram a soar e nós só acompanhamos enquanto eu tentava não rir.

ㅡ Eu não falei isso. Você só é... ㅡ O encarei. ㅡ O tipo da mídia. ㅡ Dei com os ombros.

ㅡ O tipo da mídia? ㅡ Ele colocou as mãos na cintura. ㅡ Está me chamando de artificial e padrãozinho de lixo? ㅡ Deixei uma risada alta escapar e atraí a atenção de algumas pessoas. Acabei lhe dando um tapa no braço e tampando minha boca.

ㅡ Fica quieto, Sr Hawking. ㅡ Encarei os noivos.

ㅡ É Zack. ㅡ Ele respondeu. ㅡ Pare de me chamar de senhor. ㅡ Olhei para ele ainda com vontade de rir lembrando-me de seus últimos comentários quando vi Maddy acenando por mim. Os noivos já iam sair, era minha hora de cantar a música que eu mal sabia.

Assenti para ela e peguei a minha bolsa. Eu devia ter pego uma bolsa de alça, carrega-la por todos os lados me atrapalhava.

ㅡ Deixa comigo. ㅡ Ouvi a voz de Zack e fiz uma careta para ele. ㅡ Que foi? Eu sou tão padrãozinho de lixo que não posso segurar sua bolsa?

ㅡ Meu celular está aí, meus documentos... Eu nem te conheço.

ㅡ Eu moro do seu lado, Lindy. Se eu sumir daqui é só bater ao lado. ㅡ Ele sorriu estendendo a palma da mão. Eu resisti muito, não deveria nem ter dado tanto papo para ele, mas ver Maddy me acenar num desespero só me fez entregar-lhe minha bolsa e correr até o pedestal.

ㅡ Você ensaiou a música, certo? ㅡ Maddy perguntou.

ㅡ Claro. ㅡ Assenti com um sorriso nervoso no rosto. Maddy se afastou, os noivos começaram a andar para sair dali com seus padrinhos atrás, a banda começou a tocar e eu respirei fundo. Eu já devia ter me acostumado com situações como aquelas.

Tudo isso vai mudar no dia em que eu só precisar cantar músicas minhas e se eu esquecer a letra, meus fãs continuam.

Você consegue, Lindy.

Comecei a cantar pela música. Sua melodia melancólica não combinava muito com a saída dos noivos que deveria ser algo mais para cima, mas, pelo que entendi, essa música era especial para eles.

Estive com meus olhos fechados até chegar o refrão onde eu já tinha certa confiança. O som das cadeiras me fez crer que as pessoas também já estavam se levantando para irem até o local da festa. Porém, as caixas de som espalhadas pelo caminho até lá permitiriam que eles percebessem se eu errasse, mesmo não estando mais olhando para mim.

A parte que eu mais temia havia chegado, a primeira parte pós refrão. O nervosismo me dominou e eu me senti amadora. Abri os meus olhos para tentar me acalmar e quem eu vi foi Zack. Ele era o único ainda ali no meio das cadeiras. Seus olhos focavam em mim, seus lábios cantavam junto comigo não permitindo que eu me perdesse.

•••
Continua...

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Lindy e o Rapper de Nova IorqueOnde as histórias ganham vida. Descobre agora