02. Sentimentos que nem eu entendo

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Como esperado acordei com alguém a bater à porta e logo ouvi a voz de Penélope tentando me acordar para ir almoçar:

– Juro se tu continuas a dar-me livros da biblioteca da tua família ficarás com as estantes vazias num rapidinho.

– Sim, eu sei. Esse é o objetivo Garcia. – Eu adorava literatura e ainda mais o enorme quarto que ficava no último andar da residência. Sempre que eu entrava no local só podia agradecer a quem, sabiamente, arquitetou cada cantinho da minha biblioteca, com o teto em abobada e a escurecida madeira dos moveis já gastos e cansados do peso de toda aquela sabedoria sustentar era mesmo uma obra de arte medieval.

– Sabes que odeio que me chames pelo sobrenome Eve – Com um tom de censura a nossa empregada saiu do meu quarto.

***

Já à noite, pouco tempo depois de ter jantado na presença da 'vó e de Penélope, fui para a minha cama com todas exceto a luz do candeeiro da mesinha cabeceira desligadas, e continuei a minha leitura desde onde tinha parado, o livro tinha as páginas amarelas e quase a desfazer-se, era uma distopia antiga que eu havia pedido emprestado ao meu colega Kevin, ele também adorava leitura no geral, eramos definitivamente os únicos dois alunos na escola inteira ou quase isso, nem mesmo Nicole por mais que eu tentasse influencia-la.

Estava concentrada na escrita detalhada daquela escritora, as descrições pormenorizadas e os diálogos organizados, mas por mais que estivesse totalmente imersa nas páginas daquele livro, não me impediu de ouvir o leve barulho da notificação do meu telemóvel. Quando estiquei o braço e senti a textura da macia capa de proteção do meu aparelho eletrónico portátil, puxei-o e liguei a tela, sem grande surpresa vi o nome do Kevin, salvo como Kevin Lopes nos meus contactos, e imediatamente em baixo a mensagem dele: "Eve! Nem vais acreditar. AAAAAH!". Nem um segundo depois outras duas caixas de texto surgiram: "Estou quase a explodir de alegria" e "Lembras-te quando te disse que tinha participado naquele concurso de escrita criativa?". Sem pressa alguma respondi-lhe com um simples sim, já era do conhecimento de todo o mundo o quão bom era o engenho que o meu melhor amigo tinha para literatura e as inúmeras ideias que despertavam o seu cérebro. Eu nem havia acabado de digitar as três letras que ele já tinha enviado um montão de pontos de interrogação seguidos de: "Então... Eu ganhei!" "AAAAAH! Um máximo não?" Decidi que a melhor forma de o acalmar e tentar que ele não me encha a tela de mensagens em maiúsculas era fazer uma vídeo chamada, assim já podia gritar transmitindo-me o seu constante bom-humor, totalmente contrário de mim no momento.

Quando fui tocar com a ponta do dedo no botãozinho da chamada ele, provavelmente, pensou o mesmo que eu – dizem que mentes geniais trabalham igual – e ligou-me primeiro, fazendo com que eu recebesse o pedido de chamada e tivesse de atender.

Logo que vi o quadrado onde a sua imagem se encaixava, um pequeno e tímido sorriso fez-se presente, contrastando com os dentes brilhantes e alinhados de Kevin que se destacavam em comparação aos finos lábios. Lembrei-me, repentinamente, de quando o vi a chorar, a primeira e até aquele momento a única. Em momento algum as minhas amizades tinham chegado ao ponto de ter tanta intimidade para mostrar fraqueza tal, portanto também nunca ninguém havia se revelado para mim, nunca tivera em nenhuma situação de desconforto. As memórias desse dia ainda me deixam nauseada, assombravam-me e faziam com que eu pensasse o pior.

– EVE! – Voltei à realidade ainda com a mente a mil – Já percebi. – Kevin deu-me uns segundos para conseguir recompor-me e continuou – Algo aconteceu, tu normalmente não estás assim. Sei lá... pareces um pouco alienada e aborrecida. Tens os olhos bastante desfocados.

Voltando ao seu típico humor alegre e felicidade desmedida ofereceu à miúda tristemente cansada da vida – eu – um sorriso que fez o meu dia melhorar deveras. Kevin era mesmo o melhor.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jul 19, 2021 ⏰

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