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Naquela noite Marcela não conseguiu dormir. Nos primeiros raios da manhã, já estava montada em Zargus. Lembrou das recomendações de seu pai ao ganhar o cavalo:

Jamais entre na Floresta Escura.

Agora Marcela sabia porque. Era além da floresta que ficava a muralha. Cavalgou por meia hora, até que se viu perdida em uma encruzilhada. Uma árvore gigantesca era a divisória de duas trilhas de caminhos opostos. Por qual delas seguir?

Foi quando uma gaivota pousou no ombro de Marcela. Com uma leve virada de pescoço, ela olhou para o pássaro e imediatamente a reconheceu. Era a mesma gaivota que ela havia libertado de uma gaiola no primeiro dia em que chegou na ilha. A gaivota levantou voo e no mesmo instante Marcela compreendeu. A ave estava lhe ensinando o caminho. Tudo que ela precisava fazer para chegar na muralha era seguir o pássaro.

E cavalgou o dia inteiro, fazendo apenas pequenas pausas para comer uma fruta ou beber água de algum riacho. Sempre que paravam, a gaivota pousava no seu ombro demonstrando lealdade absoluta.

Já era noite quando chegaram na muralha. A lua cheia iluminava um paredão de 25 metros de altura, e a largura era tão extensa que seu final se perdia de vista.

Em algum lugar deve haver um portal? Mas onde? – pensou Marcela enquanto margeava a muralha em busca de uma entrada. De qualquer forma, não se sentia perdida. Confiava na direção que a gaivota lhe apontava.

Até que começou a perceber que enquanto cavalgava, aos poucos uma forte neblina ia se formando ao longo do caminho. E foi se tornando tão intensa que já não conseguia ver nada além de um metro a sua frente.

Foi então que a gaivota pousou sobre a cabeça de Zargus, olhando nos olhos de Marcela e curvando levemente o pescoço. A menina imediatamente entendeu. O pássaro estava se despedindo pois haviam chegado ao seu destino. Marcela agradeceu com o mesmo gesto e o pássaro então seguiu seu rumo.

E ficou por alguns instantes ali parada, até que a neblina se dissipasse, revelando o que estava logo a sua frente: a imagem da cabeça de Nascár reproduzida na forma de uma estátua colossal de 25 metros de altura. Marcela sabia que a gaivota não havia lhe levado até ali por acaso. Estava diante do portal de entrada para o sul da ilha. Sem hesitar, desceu do cavalo e se aproximou da estátua.

Mas que espécie de portal é este onde simplesmente não há passagem? – pensou enquanto buscava uma forma de atravessar a muralha.

Foi quando percebeu que ao olhar diretamente nos olhos da estátua, a boca da cobra se abria muito lentamente. Fixou então o olhar naqueles olhos vermelhos mas aos poucos começou a sentir sua visão embaçando e imediatamente lembrou das palavras da irmã.

Não se pode pisar no terreno sagrado sem algum tipo de sacrifício.

Em seguida, desviou o olhar e no mesmo instante a boca da cobra voltou a se fechar. Com isto, entendeu que não havia outra alternativa. Se insistisse em encarar a cobra nos olhos, a passagem se abriria mas ela ficaria cega.

Sem ter mais o que fazer, sentou-se no chão ao lado de Zargus e deixou que as lágrimas escorressem livremente pelo seu rosto. Eram lágrimas de inconformismo, de quem se recusava a aceitar que não havia outra saída. Mas não estava disposta a pagar o preço necessário para atravessar aquele portal. Precisava aceitar o seu destino.

-Vamos voltar, Zargus! Nunca sairemos dessa ilha! –disse enxugando as lágrimas ao se levantar.

Mas Zargus não se mexeu. E logo Marcela percebeu que a boca da cobra voltou a se abrir. Quando viu que o cavalo nem piscava ao encarar a estátua, o pavor tomou conta de Marcela. Seu leal amigo estava disposto a sacrificar os próprios olhos para que ela pudesse fugir da ilha.

-Não Zargus! Não faça isso! – gritou a menina se colocando a sua frente para tentar impedir que ele continuasse encarando a estátua, mas o cavalo empinou no mesmo instante e relinchando alto, se manteve com as patas dianteiras levantadas até que a boca da cobra abrisse totalmente.

No instante em que o cavalo baixou a cabeça, a mandíbula inferior da cobra voltou a subir e imediatamente Marcela percebeu que a passagem não ficaria aberta por muito tempo. Precisava correr.

Zargus agonizava de dor. Vendo seu sofrimento, Marcela hesitou em fugir. Queria ficar ali para cuidar do amigo. Mas sabia também que se não corresse, seu cavalo teria ficado cego em vão. E então correu.

Precisou ainda dar um salto para alcançar a passagem, já que a mandíbula da cobra continuava levantando.

Assim que alcançou a passagem, a boca se fechou com mais rapidez, fazendo com que Marcela escorregasse no seu interior.

Quando atingiu o chão, olhou para trás e misteriosamente a estátua desapareceu. Em seu lugar havia apenas a muralha.

Finalmente tinha chegado ao outro lado, mas agora estava sozinha. Seu leal cavalo havia ficado para trás.

 Seu leal cavalo havia ficado para trás

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Os Sentinelas do LeãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora