quero que a gente recomece

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kim hongjoong.

— Daí todo mundo, sem brincadeira, cara, todo mundo ficou me encarando como se eu fosse um infiltrado do FBI ou coisa assim, sendo que eu só me matriculei nesse negócio pra estudar, sabe… ter algo bom pra pôr no meu currículo — Seonghwa tagarela do outro lado da linha. Ligou para mim assim que a aula de robótica acabou.

— Amigo, nem você acredita nisso — digo. — "Todo mundo" deve ter percebido que você só tá lá pra passar mais tempo com o Yeosang. Finalmente se apaixonou, foi?

— Credo, vira essa boca pra lá — consigo enxergar sua expressão de nojo mesmo que não estejamos cara a cara. — E como vão as coisas com aquele cosplay de avatar? Vocês vão fazer o trabalho hoje, né?

— Cosplay de avat… Ah, o Yunho?! — Rio. Ele tem uma criatividade surpreendente. — É, vamos fazer hoje.

— Na casa dele ou na sua?

— Na minha… por quê?

— Ih… vão foder, certeza.

— Garoto! — Meu celular vibra com uma notificação e vejo que é uma mensagem. Falando no diabo… — Ele chegou, tchau. Tome banho com água benta pra lavar essa mente poluída.

Desligo enquanto o Park gargalha do outro lado. Abro o aplicativo de mensagens e aqui está ele.

yunho: tô na sua porta, abra aí

eu: hm… e se eu quiser te deixar do lado de fora?

yunho: aí você não ganha o 10 que tanto quer

eu: e você acha que eu quero só isso?

yunho: abre logo, hongjoong

Visto que odeio receber ordens, pego a chave e fico parado atrás da porta por uns quinze segundos para deixá-lo de castigo do lado de fora por ter sido arrogante, porque comigo as coisas funcionam assim. Quando finalmente abro, sua imagem levemente cansada se revela à minha frente e é a primeira vez que ele me olha nos olhos desde o ocorrido. Se ele sorrisse para mim agora, juro que me derreteria e pediria desculpas por "ter sido um babaca" no mesmo instante, mas ele não o faz, apenas diz "oi" e me acompanha até o meu quarto, onde faremos o bendito trabalho. Não há ninguém aqui em casa além de nós, então o silêncio que nos encobre como uma nuvem negra é meio (bastante) constrangedor.

Sentamo-nos sobre o tapete, onde colocamos os livros e cadernos de filosofia. A professora não deu um tema específico, só falou para pegarmos determinado conteúdo já estudado como inspiração e formar uma interpretação detalhada, com exemplos, sobre. Vejo no rosto de Yunho que ele já planejou algo ou até veio com uma ideia pronta. Ele domina filosofia na palma das mãos, sempre tira a nota máxima. Queria ser inteligente assim.

— Eu estava pensando em usarmos uma metáfora que faz relação à Alegoria da Caverna de Platão — afirma ele. — Sabe, a minha avó cria o Soneca, uma calopsita (espécie de pássaro que serve de bichinho de estimação caso cuide desde filhote) que nunca havia saído da gaiola antes, pois os donos anteriores não faziam questão de tirar e ele permaneceu assim por dois anos. Quando a minha avó abriu as portas da gaiola para o bicho sair, ele nem sequer se mexeu.

— Sério? Achei que os pássaros saíssem voando assim que alguém desse a chance — pergunto, surpreso.

— Eu também, mas a minha avó me explicou quando eu era pequeno: a gaiola era como o universo dele, e o lado de fora soava perigoso por ser território desconhecido. Tudo o que o pássaro viu, por dois anos inteiros, foram pessoas indo e vindo, alimentando-o, cobrindo a gaiola para ele dormir. Ele era grato, sim, pois graças a elas conseguiu sobreviver. Mas então de repente ter o próprio universo expandido, dando lugar a criaturas cujas verdadeiras intenções ele não fazia ideia… é assustador, não acha? Ele não tinha noção alguma de liberdade, então a enxergava como sinônimo de medo.

As Belas Pernas de Kim HongjoongWhere stories live. Discover now