c a p í t u l o 4 6

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Estou na terceira volta com o carrinho de compras praticamente vazio no supermercado quando percebo que começou a chover. Xingo internamente todos os palavrões que eu conheço quando me dou conta de que deixei o celular em casa e não posso pedir um carro de aplicativo ou carona para Iris, então me preparo para mais uma etapa da maratona de empurrar meu carrinho pelos corredores do supermercado até a chuva diminuir.

Forço um sorriso para a funcionária que me atende e pego minhas duas bolsas repletas de sorvete, chocolate, biscoitos sem nenhum valor nutricional e refrigerantes. Saio do supermercado agradecendo pela chuva ter diminuído consideravelmente e caminho rapidamente debaixo de um chuvisco gelado e vento que parece esbofetear meu rosto por todo caminho até minha casa.

Já passa das duas da tarde e estou no meu terceiro pacote de batatinha frita acompanhada de sorvete de morango quando começo a me sentir estranha. Talvez seja pela raiva guardada de uma discussão desnecessária, pelo choro que prendi ou pela chuva que peguei após sair de um banho escaldante, meus olhos começam a arder e meu nariz parece ter uma mangueira de jardim furada conectada nele. Limpo toda a bagunça que eu fiz e subo para o meu quarto com a cabeça dando leves fisgadas.

Escovo os dentes e mando mensagem para Nicolli perguntando como as coisas estão no restaurante e se precisa de ajuda pelo menos para a limpeza no final da tarde ou noite. Ela nega sutilmente e como se soubesse que não estou bem, diz que preciso descansar. Como faço sempre que nos falamos, agradeço por tudo e decido deitar quando as leves pontadas da minha cabeça se tornam marteladas. Bloqueio a tela do celular e enfio as mãos debaixo do travesseiro para não sucumbir à vontade de ligar para Harry ou abrir nossa conversa de dois em dois segundos para ver se ele está online e me ignorando.

— Não é nada demais, vovó. Estou apenas cansada por acordar cedo e dormir tarde, não pensei que fosse ficar tão enrolada com o restaurante desse jeito. — Falo pela milionésima vez desde que atendi sua chamada e oculto meu desentendimento com Harry para não deixar meus avós ainda mais preocupados sem necessidade.

— E tem apenas uma semana que reinaugurou. — Meu avô fala preocupado aparecendo atrás da minha avó na chamada de vídeo. — Tem mesmo certeza que você vai conseguir lidar com isso tudo?

— Tenho. — Me esforço para aumentar meu tom de voz tentando parecer convicta e minha cabeça dá uma pontada quase vertiginosa. — Fiquei desse jeito porque tomei um banho muito quente e saí na friagem, além de ter tomado quase meia tonelada de sorvete. — Falo me sentindo febril e fraca.

— Não quer mesmo que eu vá passar a noite com você? — Minha avó pergunta e balanço a cabeça negativamente ignorando a dor que isso me causa com um sorriso de lábios fechados. — Onde está Harry?

— Voltando de Londres, ele fez alguns testes por lá e já está a caminho direto pra cá. — Minto me sentindo ainda mais enjoada e agradeço quando vejo que Gleene e Tio John chegaram na casa dos meus avós para a tradicional pizza de domingo. Me despeço mentindo mais uma vez sobre meu estado de saúde e me enrolo no edredom abraçada com o travesseiro de Harry esperando que me dê o conforto e calor que tanto preciso agora.

Me sinto quente e incomodada demais porém sem um pingo de força para levantar em busca de algo que diminua essa sensação. Empurro meus edredrons com os pés e luto para tirar a blusa do meu pijama em busca de alivio do calor que está me deixando quase zonza.  Oscilo entre o sono e a consciência completamente desconfortável, começo a achar que não ter aceitado a companhia dos meus avós não foi uma boa ideia.

Meus olhos ardem quando encontro meu celular e a tela se torna um foco de luz muito forte para a dor de cabeça que está me atormentando desde cedo. Sem responder, vejo pela aba de notificação algumas mensagens de Iris me ameaçando e querendo me coagir a decidir o que vou fazer no próximo sábado que é meu aniversário, Liam dizendo que quer pedir Iris em namoro e Nicolli reclamando que foi oferecer comida para um cara que para ela, parecia estar passando por necessidade, e recebeu um balde de xingamentos em troca.

Se não fosse tão tarde e eu não estivesse tão cansada, responderia cada um deles mas já passa de duas da madrugada e sinto que vou desmaiar a qualquer instante. Tremulamente digito uma breve mensagem para Harry dizendo que não estou me sentindo bem e talvez pela febre que está me deixando a beira do delírio, peço desculpas e assumo total responsabilidade pela briga que tivemos mais cedo. Deixo o celular de qualquer jeito sem me preocupar em ver se ele respondeu e levanto da cama para ir ao banheiro.

Tentar induzir vômito não ajudou, só me senti ainda mais fraca do que eu já estava. Já que a primeira tentativa de melhorar rapidamente não deu certo, escovo os dentes e entro no box. Não me preocupo em tirar a calça do pijama ou lingerie, apenas ligo a água no mais quente possível para afastar os calafrios que estão me fazendo bater os dentes uns nos outros. Sento no chão com medo de cair pela onda de tontura que me atinge e fecho os olhos encostando a testa no box embaçado pelo vapor da água. Tenho a sensação de ouvir um sussurro mas não consigo abrir os olhos. Está tudo quente e silencioso, a dor no corpo foi embora e tudo parece quieto e tranquilo.

Grito assustada quando a água fica gelada e me vejo presa sem conseguir sair do lugar. Abro os olhos com dificuldade e continuo me debatendo ainda que seja em vão já que me sinto completamente sem forças e tudo parece pesado demais. Um par de braços estão ao redor da minha cintura me impedindo de levantar para fugir da água gelada que cai sobre mim incessantemente.

— Você perdeu o juízo? Caralho, Melanie. — Harry grita e tudo fica embaçado antes de escurecer de vez.

The Only Reason - HSWhere stories live. Discover now