Entretanto ouvi Priscila chamando o nome do marido distante.

- Me dê um minuto, filho, ela quebrou a perna e não consegue se virar sozinha. Eu já volto para resolvermos o que fazer quanto ao seu problema.

Ele levantou, saiu e eu suspirei resignado na cadeira. Olhei em volta, entediado pela falta de quadros ou artigos de decoração que eu pudesse observar, e acabei encarando o bebê brincando, entretido. Como se sentisse meu olhar, Murilo levantou os grandes olhos expressivos e os cravou em mim, sem parecer ter vontade de desviá-los tão cedo.

Estremeci, sentindo meu espaço sendo invadido. Ele esticou os bracinhos como se pedisse colo e eu fiquei ainda mais atônito.

Nunca tinha lidado com uma criança antes. Não daquela forma tão... Direta.

Mas seus olhos eram tão sinceros que eu fiquei tentado a fazer o que ele silenciosamente pedia. Levantei e fui em sua direção, o puxando pelas axilas para o meu abraço. Com um braço enlaçando suas perninhas grossas, ele agarrou o tecido da minha camisa e olhou em volta, como se admirasse a altura adquirida.

Dei risada de sua face curiosa, e isso chamou sua atenção para cravar os olhos novamente em mim. Xinguei-me por isso. Resolvi voltar a sentar, e ver se algo na mesa de Papá o distraía. Ele brincou com a caixa de clips e eu me certifiquei que não ia colocar nenhum na boca antes de também puxar os papéis ali em cima para passar o tempo.

Tratavam-se de extrato bancários e algumas planilhas de clientela. Eu quase teria perdido o interesse imediatamente, se os números vermelhos não fossem tão mais constantes que os azuis e se a planilha não tivesse cada vez menos dígitos.

Sentei o menininho nas minhas pernas e tratei de observar melhor o que estava acontecendo ali. O bordel Randevouz estava indo de mal a pior a julgar pelas suas finanças, tão atrapalhadas que eu mal entendia alguma coisa. Os impostos que Papá pagava eram irreais, e havia uma despesa fixa chamada "molho" que não fazia qualquer sentido, já que eles não serviam comida.

Eu estava tão imerso, identificando absurdo atrás de absurdo que só soube que Murilo estava querendo descer do meu colo quando ele quase se jogou ao chão.

Depositei o pequeno de volta à terra firme e assisti ele andar engraçado devido ao cumprimento breve das pernas até seu avião novamente. Satisfeito que ele estava imerso em seu mundinho de novo, puxei o celular e abri o aplicativo de calculadora financeira, começando a corrigir os números e as porcentagens loucas daquele extrato, quando Papá retornou.

- Quem fez esses cálculos, Papá, o Murilo? – perguntei, direto ao ponto, encontrando seu olhar confuso. – Isso aqui tá tudo errado!

- Não fiz faculdade como você, filho, eu me viro como posso. – ele riu, jogando-se contra o encosto da cadeira. – Se te incomoda tanto, devia vir me ajudar.

- Claro, e trabalhar em um puteiro... – resmunguei. Eu podia estar falido, mas ainda não estava desesperado. Certo?

O telefone tocou e ele atendeu prontamente. Abriu uma agenda cheia de papéis soltos e murmurou para a outra pessoa que aguardasse. Vasculhou sua bagunça atrás da informação que queria e eu só o observei cético. Eu não era nenhum viciado em arrumação, mas eu não entendia como ele podia se achar no meio daquela loucura.

- Aqui! – comemorou, quando encontrou o que procurava. – Essa noite a Mayra e a Selena ainda não trabalham, seu Olavo. Sinto muito. – ele desligou não muito depois de escutar algumas lamúrias do senhor, eu acreditava, e abriu os olhos para mim. – Essas meninas me deixam com os cabelos brancos antes do tempo. O cliente louco por elas, e elas resolvem tirar férias adiantadas. – riu de uma piada que só ele achava graça.

[Degustação] BordelWhere stories live. Discover now