#23# ANY

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Nos próximos dias que se seguiram desde que eu o vira com uma prostituta na masmorra, mal vi o Josh, mas o Wallace estava sempre de olho em mim. Parecia uma babá, e eu, uma criança de cinco anos que iria aprontar a qualquer momento. Felizmente, ele não se impôs contra eu ficar próxima a Elga. Por mais que elas fossem fisicamente diferentes, a cozinheira fazia com que eu me lembrasse da minha mãe e me deixava muito feliz. Gostava muito de ouvi-la e estar perto dela. Durante aqueles dias, aprendi várias receitas escocesas.



Estava sentada no degrau da cozinha com saída para o pátio interno, enquanto Elga, de um banco, fazia uma trança no meu cabelo. Riamos dos casos do filho dela que ela contava, um homem que agora estava servindo o exército da rainha. Enquanto criança, ele era muito espoleta, deixava-a doidinha.

— Any? — Ouvi a voz do Wallace e Elga soltou meu cabelo para que eu pudesse me levantar. — Vai trabalhar, mulher! — ele repreendeu a cozinheira.


— Já acabei o almoço, logo começo a preparar o jantar.

— Mas eu estou com fome.

— Seu prato está ali.— Apontou para o balcão. — Não sabia onde encontrá-lo para servi-lo.

— Okay! Mantenha aquecido, irei comer em breve.

Elga assentiu.

— Venha comigo, por favor, Any. — Fez um gesto para ser seguido.


Olhei para a Elga, que assentiu com um movimento de cabeça, antes que eu seguisse o homem de volta ao quarto que eu estava cada vez mais apegada. Já fazia quase um mês morando naquele castelo e começava a sentir que ele, de alguma forma, era o meu lar.


— Seus documentos. — Wallace me entregou uma pasta. — Aí tem um passaporte com um visto de turista e seu documento de identificação brasileiro, para que possa transitar pelo seu país quando voltar.


— Obrigada. — Abri um sorriso amarelo. Estava contente por ele ter me devolvido quem eu era, mas, ao mesmo tempo, me sentia estranha.


— Posso levá-la para o aeroporto agora mesmo. Só junte as suas coisas.

— Agora? — Arregalei os olhos.

Ele fez que sim.


— Eu posso ir amanhã? Quero me despedir da Elga... e do Josh. Ele não está aqui. Além disso, preciso pensar para onde ir.


— Não tem família? — Ele me analisava com o olhar. Torcia para que não notasse o óbvio, eu não queria ir embora.



— Minha mãe morreu e foi o meu padrasto quem me vendeu para o tráfico humano.



— Eu sinto muito, menina.


— Obrigada. — Eu o abracei e ele estranhou a minha atitude, mas, alguns segundos depois, retribuiu o afeto. — Muito obrigado por tudo o que fizeram por mim.


— Por nada, garota. — Afastou-se do abraço e percebi que ele estava sem jeito. — Amanhã cedo, levarei você para o aeroporto.

— Okay!


Ele acenou e me deixou sozinha no quarto.



Caminhei até a cama espaçosa e confortável, abri a pasta e contemplei os meus documentos. Todos tinham a mesma foto com cara de sono da identidade que eu havia tirado no início do ano. Não sabia como ele tinha conseguido, mas o dinheiro certamente movia montanhas. Abri o passaporte com um carimbo da Escócia, dizendo que eu podia ficar no país legalmente por seis meses, a contar da data do dia anterior.



Não queria voltar para o Brasil no dia seguinte, procurar a minha avó, que deveria acreditar que eu tinha morrido, contar para ela que tinha sido estuprada, entregue ao tráfico e vendida. Isso, na melhor das hipóteses, porque meu padrasto poderia fazer tudo de novo, se descobrisse que voltei, ou me matar com medo de que eu o denunciasse para a polícia. Poderia ser nova, mas era esperta o suficiente para saber que nunca mais teria de volta a vida que tive antes da minha mãe me deixar sozinha com o meu padrasto.



Precisava recomeçar e, de certa forma, sentia que já havia recomeçado. Tinha a Elga, que me dava um amor e um carinho semelhante ao de uma mãe; tinha o Wallace, me dando todo o suporte que eu precisava; só precisava ter o Josh, para isso, teria que jogar nas regras dele.

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Aproveitei um momento em que o Wallace tirou os olhos de mim no período da tarde, imaginando que ele tivesse ido resolver alguma coisa para o Josh e voltei a até a masmorra. Pisar naquele lugar pela segunda vez me provocou menos calafrios, imaginei que tivesse conseguido desassociar o que eu havia vivido com o que Josh fazia com as mulheres ali. Abri as gavetas da cômoda preta e me deparei com inúmeras coisas que não sabia para que serviam. Uma gaveta com alguns pênis de borracha me fez fechá-la imediatamente com o susto. As pessoas realmente usavam aquilo? Os abusos que sofri certamente não haviam me apresentado o sexo daquela forma.



Encontrei algemas em outra gaveta e peguei uma, saindo apressadamente de lá antes que o Wallace viesse procurar por mim e descobrisse que eu havia descumprido a única regra explícita que eles haviam me dado.


Subi as escadas praticamente correndo, por pouco não atropelei Beth, uma das duas mulheres que cuidavam da limpeza dos cômodos daquele lugar enorme.

— Cuidado, menina! — balbuciou.


— Desculpa! — Eu não parei, segui correndo até chegar ao meu quarto. Não fazia ideia de como iria explicar o fato de estar escondendo algemas com pelos pretos debaixo da minha camiseta.



Coloquei-a debaixo da cama e segui para o banheiro. Abri a torneira da enorme e linda banheira branca e escolhi alguns sais de banho, para deixar a minha pele perfumada. Por mais que o Wallace tivesse comprado muitos produtos para mim, como hidratantes e shampoo, não tinha nenhum perfume além daqueles sais de rosas. Também não tinha nenhuma maquiagem, nem um batom que fosse, confesso não ter pedido, mas depois de tudo. havia me esquecido o que era ser vaidosa, até aquele momento. Nas mãos dos traficantes, não queria ser notada, quanto menos olhassem para mim, melhor, mas a situação era diferente naquela noite. Queria toda a atenção do Josh em mim.



Saí do banho, sequei meus cabelos com uma toalha felpuda e macia e os penteei, delineando as ondas com os dedos, para que ele ficasse o mais bonito possível sem um secador ou uma prancha. Mordisquei os meus lábios, esfregando os dentes até que eles ficassem mais vermelhos do que o comum. Escolhi um vestido azul simples e pouco decotado. Ele era discreto, mas pareceu melhor do que jeans e camiseta.



Olhei pela janela e percebi que o céu já estava escuro, sem nuvens e cheio de estrelas. Uma vantagem de estarmos afastados, no meio do nada, era que, com menos poluição, poderíamos observar melhor as estrelas.


Olhei-me no espelho do banheiro e sorri. Não sabia se estava bonita o suficiente para chamar a atenção dele, mas foi o melhor que consegui com os recursos que tinha. Poderia parecer uma grande loucura, mas me atirar naquele abismo era o mais perto que eu tinha de encontrar uma luz no fim do túnel.

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Maratona 10/3

Comprada por JOSH ( ADAPTAÇÃO )Место, где живут истории. Откройте их для себя