Parte 11

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Estamos quase chegando ao sul.  Depois de viajar por semanas, desviando das rotas para evitar contratempos. A fogueira queima baixa, assim não chamamos muito a atenção. Julie saiu para andar com a criança, eles criaram um verdadeiro laço. E ela sabe cuidar de si mesma.

- Sabe, a muito tempo eu não me sentia assim, livre. Diz Gales olhando para a fogueira - Desde que somos pequenos, sempre estive trancado no castelo, tanto quanto você, treinando,  estudando. Mas desde que deixamos os muros do castelo, para mim, um peso enorme saiu das minhas costas. Enorme.
- Para mim também foi assim. Me faço dizer. - Muitas vezes pensei, olhando para você, para a criança, e até para Julie nessas últimas semanas, e pensei que nunca me senti tão feliz. Na minha vida. Sabe, acho que temos bem mais em comum do que achávamos.
- É porque antes eu tinha medo de você, então a gente não conhecia muito um do outro.
Gales me olha com um olhar engraçado, e eu não consigo evitar de rir. Mas, ele tinha medo de mim. Medo.
-Faz um bom tempo que eu não escuto isso.
- O que? Pergunto
- Você, rindo.
- Faz um bom tempo que eu não escuto também...
E no momento da troca de olhares, daqueles olhos verdes, lindos, um barulho. Carruagens. Do rei. E antes que eu pense em qualquer coisa, Gales me puxa pelo cotovelo e começa a correr.
Eu olho para trás, e vejo.
Uma família. Escrava.
Acorrentada.
As crianças chorando, pelo sofrimento. E a mãe, carregando muito mais grilhões, os consola.
Antes de qualquer pensamento de razão, eu corro. Na direção oposta. E só ouço gales gritar ao embainhar minha espada.

                                    ~~~

Gil quase botou fogo em uma árvore hoje. Gil é o nome que dei a criança, e ele parece responder. Preciso contar a princesa isso. Mas antes de chegar a fogueira, eu ouço.
Barulhos de espadas, e carne sendo dilacerada. Mas antes que eu corra com a criança nas mãos para a direção oposta, eu a vejo.
A princesa, matando seus próprios guardas, e libertando uma família de escravos. Isso com toda certeza não se vê todo dia.

E meus Deus. Ela é uma máquina, ou melhor, um monstro. Derrubou 5 guardas reais sozinha. Eu não sei se devo ter medo ou dó. Poucos sabem a história da princesa. A maioria acha que ela é só uma garota mimada do palácio. Mas eu sei o que aconteceu com ela. Estive lá.
Minha mãe trabalhava na cozinha do castelo. E as vezes eu via a princesa brincando com a mãe no jardim. Elas eram felizes, muito felizes. E eu a invejava. Minha mãe nunca foi uma pessoa muito amorosa.
Mas eu não percebi o quanto eu precisava dela até a não ter mais. Eu saí do castelo logo depois de sua morte. Mas eu lembro, vagamente, da princesa treinando após a morte da rainha.
Eles não tinham dó. Ela era apenas uma criança. Um pouco mais velha que eu. E já era uma máquina, mortal.

E depois de anos, vejo o que ela se tornou. E tenho dó. Vejo Gales no começo do bosque, boquiaberto. Quando Merida acaba, ela tenta soltar os grilhões dos escravos, falhando miseravelmente.
- Deixa que eu ajudo. Falo. E quando ela me olha, eu dou um passo para trás. A morte estampa seus olhos, o desespero da morte. Mas ela só abaixa a cabeça e se afasta. E eu faço meu trabalho soltando a família, um por um.
- Não podem abrir a boca sobre o que aconteceu aqui. Procurem abrigo.
Vejo as moedas de ouro que carregam. Provavelmente estava nos bolsos dos guardas e a princesa os dera. Antes que eu diga qualquer coisa, eles saem, correndo.
E eu também. Quando vejo que a criança sumiu.

A princesa perdidaWhere stories live. Discover now