Parte 1

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As vezes eu imagino como seria o mundo se ela estivesse aqui. Com toda certeza não seria igual a esse que vivemos hoje...
Uma menina está correndo em um bosque. Avisto uma silhueta de uma mulher, muito bela aliás. Cabelos castanhos, olhos azuis como o oceano, corpo esbelta. A menina pula em seu colo, e o amor entre as duas é lindo. "Sempre estarei aqui" fala a mulher em sussurros no ouvido da criança. E assim a mulher cai, a fraqueza tomando conta de sua face, e a menina desesperada em seu colo é levada, e um som terrível ecoa naquele cenário.
- Princesa acorde!
Abro os olhos e vejo o rosto redondo de Lizzy em cima da minha cara. Seus olhos castanhos cheios de medo. Ainda é noite.
- Seu pai ordena sua presença na sala do trono imediatamente.
Lizzy é a única que ainda me chama de princesa. As vezes é até estranho. Mesmo sendo a filha do rei, todos me chamam de General. General Gargild.
Troco de roupa rapidamente e desço, apreensiva, até a sala do trono.
Meu pai, como sempre, sentado em seu trono de cobre, coberto por uma escuridão, sua escuridão.
- General, preciso de seus homens na fronteira oeste, ataques rebeldes.
- Sim, senhor.
E assim eu deixo a sala do trono e volto a respirar.

                                      ~~~
Como metade do reino, a fronteira leste está mergulhada em cinzas e fumaça. As vezes é difícil respirar. Já havia homens do rei lutando e massacrando os rebeldes quando chegamos.
- 235 mortos, 128 escravisados e 7 crianças para o campo de treinamento. 
- Ótimo. Respondo
Cada passo é coberto por gemidos dos novos escravos, pelas famílias chorando pelas perdas e crianças procurando por suas mães. Até que um som transparece todo o resto, e em minha frente, vejo uma mulher, morta, mas com uma pequena criatura em seus braços, berrando. Um bebê.
Pego a criança em meus braços, para entregá-la a um de meus homens, e mandá-la ao campo de treinamento. Mas quando eu olho para aquele pequeno rosto, e os olhos... azuis como o oceano, os olhos dela.
Quando vejo aquele azul límpido, eu não pude me mexer. Lágrimas, lágrimas de verdade, escorreram sob minhas maçãs.
- Está tudo bem general? Perguntou Gabril, um capitão novo demais, mas com um treinamento extraordinário. E de confiança.
- Esconda essa criança, agora.
Coloco a criança em seus braços, e ele sai discretamente, escondendo a criança entre suas vestes.
As lágrimas não param de escorrer, então eu me sento naquele chão cinzento. "Não é possível" eu pensava repetidas vezes na minha cabeça. Uma criança, com aqueles olhos, os olhos dela, tão distante do castelo.
Ela teria que entender aquilo antes de decidir o que fazer com aquela criança.
Mas uma coisa era certa. O rei não poderia nem ouvir sobre aquela criatura.

A princesa perdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora