Eu te admiro em segredo e ninguém pode saber.

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 Olhando para a minha janela eu acompanhava a despedida do sol, as janelas brilhando e refletindo as nuvens rechonchudas e alaranjadas. Mais um dia pacato, que me forçava a abraçar o tédio com toda força em meus braços, suspirei derrotada e me joguei de costas contra a cama, buscando o celular e destravando a tela com o ódio mais mortal do universo.

Encarei as notificações, me deparando com trezentos e-mails sobre Aliexpress, cursos online e Netflix. Deslizei o dedo sobre uma das abas observando a indicação da série que recebi, um clichê sobre enemies to lovers, a mais pura bobagem e que eu não gastaria meu tempo assistindo.

*Clic*

— Partiu maratonar? — falei sozinha, lembrando de um meme que tinha visto no Twitter, um costume completamente normal e que fazia com frequência.

Males de ser filha única por muito tempo e ter pais ausentes, minha irmã nasceu apenas treze anos depois de mim e mesmo assim parecia que ela não era suficiente para me ouvir tagarelar o dia todo, as portas e paredes necessitavam me ouvir também enquanto eu fingia estar participando de um reality show com uma câmera grudada no meu rosto para focar em todas as minhas expressões.

Não haviam se passado nem duas horas e eu já tinha tido um misto de emoções, migrando entre lágrimas, risadas e vergonha alheia. De verdade, eu não conseguia compreender como clichês prendiam tanto a atenção das pessoas. Era algo tão banal, falso e sei lá mais o quê... Mesmo assim eu sempre permanecia lá, vidrada, assistindo até o último episódio e imaginando como seria namorar o Nicholas Scratch. Não era mentira nenhuma que a alguns anos atrás eu tinha até platinado o cabelo para parecer a Sabrina, mas ao invés de receber um Gavin Leatherwood em minha porta recebi um corte químico. O crente não tem um só dia de paz.

Entre idas e vindas em meus pensamentos imbecis e cultos como a bolsa de valores, me perguntei o motivo de ter vindo fazer intercâmbio em Chicago. Sempre fui a aluna que preferia português e espanhol a inglês, o único momento em que eu ouvia e falava o idioma era quando escutava música, fora isso era apenas "Una loba en el armario, tiene ganas de salir, Deja que se coma el barrio, antes de irte a dormir". Amém Shakira!

Então por que infernos eu vim estudar aqui?

Lembro que fiz curso com a maior má vontade do mundo e mesmo assim consegui concluir com a melhor pronúncia da turma, isso tudo ouvindo Lady Gaga todo santo dia. Obviamente que o mesmo não aconteceu quando pisei em terras estranhas, o "The book is on the table" falou mais alto e me vi conversando igual ao Joel Santana no comercial da Head & Shoulders. Mas tudo bem, eu relevo essa questão por motivos de: melhorei bastante até agora.

A faculdade também não era lá essas coisas, as cadeiras eram completas e tinham professores competentes sim, mas o ambiente... Definitivamente eu não tinha nascido para viver fora do Brasil ou outros países latinos, é isso. Sentia falta dos abraços, dos bregas ou funks tocando a cada esquina. Cara, eu sentia falta até de um parabéns mais animado. Todo aniversário que eu comparecia me passava a impressão de que eu estava indo para a missa do sétimo dia, era tão mórbido e triste que eu voltava para casa igual ao Pica Pau antes de tomar o tônico de suco de peroba disfarçado.

Talvez a minha maior ambição em estudar fora foi saber que profissional de moda no Brasil passa por muita dificuldade, existem sim as vagas e oportunidades, entretanto minha ganância falou mais alto e quis mais do que eu poderia conseguir no meu país natal. Em partes adquiri conhecimentos e bons contatos, e por outro lado a solidão me aprisionava no quarto. Me tornei o que mais temia, A Menina do Planner, com tudo muito bem planejado e grifado com um belíssimo marca texto verde neon, anotando todos os dias de trabalho e folgas escassas.

Gimme! Gimme! Gimme! A man after saturday (Johnny - NCT)Kde žijí příběhy. Začni objevovat