Sobre escuridão e luz

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Escuto com atenção enquanto ela desenrola sua história, segurando o choro  o quanto posso, se me permitir chorar, não vou parar mais.

Ela me conta tudo, desde o começo, quando encontrou o Stantford sozinho na Torre Norte, o quão assustador foi vê-lo de pé no parapeito e como seu coração congelou ante a certeza de que ele saltaria.

Ele parecia desnorteado, destruído.

Mesmo tendo visto a morte de perto antes, ela sentiu que não poderia lidar com aquilo, que sua alma se desintegraria caso ele saltasse. Contra todas as possibilidades, conseguiu convencê-lo a desistir daquilo. Aquela foi a primeira vez que de fato conversaram, depois daquela, muitas outras conversas se seguiram e, conforme conversavam, mais próximos se tornavam.

Ela precisava salvá-lo, e nem todo desapreço que tinha por ele a impediria de fazê-lo.

É difícil imaginar que o todo poderoso Maxmilian Stantford já foi um garoto frágil e deprimido, que teria dado fim a própria vida se a minha mãe não o tivesse impedido. Um minuto a mais e o Liam não existiria, o Oli não existiria, Maximilian Stantford seria apenas uma lembrança.

Tentar salvar outra vida deu um novo significado à sua existência, a mamãe me disse.

Isso não é exatamente o que eu esperava ouvir, o relato de que quanto mais  conhecia o Maximilian mais inconsistentes as histórias do papai pareciam. O jovem Max seria incapaz de fazer mal a um ser vivo, exceto a si mesmo. Era uma alma sensível e gentil, um bom amigo. Logo descobriram que compartilhavam inúmeras paixões, entre elas a Arte e a Literatura. Ela queria ser atriz de teatro ou escritora, enquanto ele almejava ser um artista, fugir para longe do pai e viver da sua arte. Obviamente, o pai nunca concordaria com isso, ainda assim, ele se inscrevera em curso de verão na cidade vizinha, torcendo para que o velho Stantford não descobrisse.

Em suas tardes de folga na livraria, a mamãe o acompanhava às aulas, o assistia pintar por horas a fio sem jamais se cansar. Ele parecia mais vivo do que nunca, e vê-lo feliz fazia sua alma vibrar.

No entanto, não demorou até que o velho Stantford descobrisse sobre as aulas, ele bateu tanto no filho que o garoto precisou de atendimento médico. A mamãe só tomou conhecimento do ocorrido quando as aulas no Madison's retornaram. Embora para o resto do mundo os hematomas fossem resultantes de mais um embate entre Max e Cadence, ela sabia a verdade, soube antes mesmo que ele lhe contasse, a tristeza em seus olhos não deixava margem para dúvidas.

Era uma noite fria como o quê, os dois se sentaram no parapeito, no alto da Torre Norte, como haviam feito incontáveis vezes antes. Em silêncio, ela segurou a mão dele e esperou que falasse.

Maximilian estava em pedaços, o exterior, apenas um pálido reflexo das feridas internas. Aquela não havia sido a primeira vez que o respeitado Adolf Stantford havia surrado o filho, certamente não seria a última. Ele havia feito o mesmo com a esposa. As agressões constantes a levaram ao limite. Em uma abafada manhã de Outubro, alguns anos antes, Eve Stantford tirara a própria vida. Maximilian estava certo de que acabaria fazendo o mesmo, era apenas uma questão de tempo.

Há um ponto do qual é impossível retornar. A alma humana é programada para suportar um certo nível de dor, quando ultrapassado esse nível, todo o resto automaticamente se deteriora, ele disse, convicto de que a sua alma fora irremediavelmente deteriorada na manhã em que a mãe partira.

— Ele amava pintar. — Mamãe suspira. — E era bom, muito bom. — Nunca pensei que fosse dizer isso, mas sinto pena do sr. Stantford. Levo as mãos aos olhos para enxugá-los, tomada pela tristeza, uma sensação que se intensifica a cada segundo, transformando-se em raiva quando a mamãe ressalta que para o velho Stantford, pintar quadros era coisa de maricas. — Ele disse ao Max que preferiria ter um filho morto a ter um filho bicha, exatamente nestes termos.

Viola e Rigel - Opostos 1Where stories live. Discover now