あなたと私

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Sabe o chá de maçã, cravo e canela? Era o meu preferido, e o seu, chá verde com leite. Esses são os sabores das nossas lembranças, lembranças nossas, eu e você, você e eu.

Nossas mães nos obrigavam a sentar com elas na mesinha da varanda da sua casa para tomar chá no fim da tarde de todo domingo. Por mais que eu murmurasse que aqueles minutos ali era tediosos, no fundo, eu adorava a oportunidade de ficar te admirando, mesmo que de soslaio; aqueles traços delicados do seu rosto iluminados pelos raios do poente. Normalmente distraída, descansava as mãos no colo e se perdia em pensamentos e eu brincava com a alça da minha xícara enquanto te apreciava descaradamente, às vezes formando vincos na minha testa. Quando você levantava o rosto e se deparava com isso, tentava disfarçar porém, ficava envergonhada e seu rosto corava da forma mais doce e adorável possível (e eu não muito diferente). Em lados oposto da mesa, a nossa conversa fluía facilmente sem a necessidade de palavras.

Quando o céu começava a escurecer, aproveitávamos a primeira oportunidade para deixar a mesa da forma mais discreta possível, e ao enfim alcançar um distância "segura" de nossas genitoras, corríamos de mãos dadas até chegar no jardim dos fundos da minha casa, espremidas em um ponto cego.

Depois de normalizar as respirações, sentávamos no chão, eu te olhava, você já me encarando e caíamos na gargalhada até se esparramar no chão. Juro que nunca mais ri tão genuinamente quanto naqueles dias. Eram muitas coisas, mas talvez parte dos motivos para a sinfonia de risos era uma "piada interna" que surgiu dos sentimentos nunca confessados em voz alta, mas resguardados naqueles significativos lapsos de tempo. Era bom, era inocente, era a euforia de ter-nos transbordando, ter-nos juntas, ter-nos juntas transbordando. Quem precisa de palavras ao vento quando tínhamos aqueles instantes preciosos para admirar as estrelas refletidas nos olhos alheios? Isso sempre foi suficiente. Bom, pelo menos até um dia que decidimos por explorar o céu da boca uma da outra. Momentos agora que seriam também para trocar beijos roubados, assim como nosso tempo, arrancado de nós. A diferença é que um nos foi tirado contra nossa vontade, rasgando, doendo.

Em algum momento decidíamos entrar e subir pro meu quarto. Você puxava algum livro seu que já tinha tomado morada em minha prateleira e se jogava no meu colchão. Eu ficava aos seus pés brincando com Ari, com algum fio do lençol ou até mesmo com seu calcanhar, divagando sobre eu e você, você e eu.

As tardes bagunçando na cozinha tentando improvisar algo para comer enquanto assistíamos nossos filmes favoritos. As minhas apresentações de dança que você nunca perdia. Os segredos sussurrados em japonês para que apenas nós pudemos compreender. A primeira vez que nos falamos lá no fundamental, no dia da árvore, quando plantamos um cerejeira no terreno da escola.

Esses momentos, contudo, passaram apenas a ser memórias. Em algum ponto, você passou a me evitar, nossos toques e encontros se tornaram raros e eu soube pela boca de sua mãe que vocês iriam voltar para o Japão. O nosso pequeno mundinho estava desmoronando.

Acho que ambas tentaram se manter firme pela outra, mas a distância que se abria era nítida, palpável e ela ainda nem era física; continuávamos até então sendo vizinhas e colegas de classe. É só que talvez, toda que eu olhava para ti meus olhos brilhavam, agora por lágrimas, e minha garganta se fechava; e mesmo te abraçando forte e escondendo meu rosto do teu no teu pescoço delicado, inalando o cheiro de camomila e limão proveniente de teus fios sedosos, de nada adiantava, o vão ainda estava ali. Eu só desejava me fundir a ti.

"Você ainda vai voltar pra mim, entendeu? Eu ainda estarei esperando por ti junto a cerejeira que cultivamos, todos os dias."

Eu era uma garota boba, tão boba. Uma boba apaixonada.

Conforme o outono alcançava seu ápice levando as folhas da cerejeira, os seus pertences se acumulavam em pilhas de caixas.

Na sua última noite na cidade, você pediu pra dormir comigo quando eu já estava indo implorar por isso. Rolamos pelos edredons por no mínimo umas duas horas cochichando palavras soltas até que você saiu debaixo das cobertas e foi sentar no parapeito da janela aberta.

"O que você está esperando? Vamos olhar as estrelas."

O céu naquela noite estava coberto de nuvens, escuro, não havia nenhum astro para ser admirado. As estrelas que brilhavam no seu olhar naquele dia não eram nuvens de gás interestelar ardente. Você soluçou em meus braços por mais tempo do que eu fui capaz de manter a postura. Os seus olhos pesavam, assim como os meus, mas nenhuma de nós adormeceu. O sol já havia nascido e os nossos cacos ainda estavam pelo chão, misturados.

Nem tivemos tempo de nos reorganizar e utilizar de uma cola fajuta nos remendos. Horas depois você já havia partido. As rachaduras se eternizaram.

Dois anos e eu ainda estou aqui te esperando debaixo da cerejeira. Depois das aulas, Sana, todos os dias, eu estou aqui, pensando em você, você e eu, eu e você. Gosto de imaginar que você não descansa sete palmos abaixo da terra, mas que sim habita a essência de sementes que hão de florecer. Você não tinha noção do quanto eu levei a sério aquela promessa. Você não sabe que eu encontro conforto todos os dias depois da aula encostando no tronco da nossa cerejeira. E você nunca vai saber.

[✿]

esse plot incrível é da choerrysheart (batam palmas pra ela!) e eu espero de verdade ter entregado algo bom o suficiente e que faça jus as suas expectativas, key!

foi encantador (me) recriar e escrever essa história e espero que vocês tenham conseguido desfrutar das mesmas sensações que tive ao montar esse pequeno mundinho para as chaekura!

é bom estar de volta! muito obrigada a quem leu!

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⏰ Last updated: Aug 10, 2021 ⏰

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私たちの桜の木 | saidaWhere stories live. Discover now