Parte 2 - Guerreiros de Tinta

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Confesso que nunca entendi como a Kin conseguia sorrir tanto mesmo quando ameaçava passar mal. Além disso, o ano letivo mal tinha começado e ela já estava se destacando com seus conhecimentos extracurriculares. Sua irmã, chamada Kyara, também era elogiada por todos os professores ao longo do dia quando viam a Kin. Sabia que ela não queria viver à sombra de sua irmã e era chato ver em três aulas seguidas com professores diferentes a mesma frase: "Espero que seja tão boa quanto sua irmã". Acho que se fosse comigo, responderia com algum palavrão ou só daria as costas, mas minha amiga apenas sorria e agradecia os comentários.

Enquanto com ela era só elogios, eu já recebia minhas primeiras broncas: por dormir em parte da terceira aula, por pedir para o professor escrever mais devagar e não apagar o quadro e por ter pintado errado as cores de um cacho de feijão. Apesar da demonstração de criação da primeira aula, todas as demais foram feitas com tintas e pigmentos sem a magia da Seiva Escarlate.

Contudo, coisas começaram a desandar ao longo da semana.

Eu e Kin quase nos atrasamos procurando a sala da aula de Pigmentos, a penúltima aula do dia. Era uma aula que eu esperava desde o ano passado, pois poderíamos ter mais liberdade no preparo das cores e poderíamos começar a personalizar nossos estojos.

Perdida em meus devaneios, não vi o instante que Kin quase caiu. Foi um colega ao lado que a segurou a tempo e corri para ampará-la:

— Céus! Kin, sua testa está quente! É melhor te levar para a enfermaria!

— Não, de jeito nenhum – respondeu, tentando ficar em pé sem minha ajuda. — Não quero perder a aula!

— Deixa de ser teimosa! Você não está bem!

Quando Kin me deu língua e fez os colegas rirem, acabei bufando e cruzando os braços.

— E depois eu que levo esporro!

— Eu tô vendo uma covinha... — disse, se aproximando e cutucando minha bochecha, embora com menos ânimo do que nos dias anteriores de provocação.

— Ah, não começa, não!

— Olha a coviiinhaaa!

— Covinha é a...

O surgimento da professora na porta da sala de braços cruzados me fez conter a língua. No fim, eu era a única preocupada porque Kin já estava sorrindo e caminhando normalmente. Ou fingindo que estava bem.

Ao passar das horas, percebi que os movimentos de Kin estavam mais lentos. Sua atenção também estava ruim, a ponto de ela não ouvir a pergunta feita da professora diretamente a ela. Apesar disso, ela aguentou até o final e nos treinos, sua aquarela era (de novo) a mais bonita da turma. Nota máxima era pouco, até quem estava com inveja não podia negar que, quando a Kin pintava, sua aquarela parecia ganhar vida mesmo sobre o papel comum.

Porém, quando ela começou a guardar seu material no final da aula, ela cambaleou e caiu. Foi rápido demais para que eu a segurasse e ela bateu a testa na cadeira antes de ir ao chão. Dois colegas gritaram e eu corri até ela, vendo o sangue começar a escorrer enquanto ela tossia, quase perdendo a consciência.

— Chama a professora, rápido! – gritei para um colega por perto. Ela tinha saído para lavar os pincéis e uma outra colega trouxe água, mas Kin não parava de tossir e tremer.

Aproveitei o material no chão, peguei um dos pincéis e um pedaço da tela dela que havia rasgado quando caiu. Deslizei as cerdas sobre a Seiva Escarlate que caiu da mochila da Kin, esparramando-se entre os ladrilhos e, quase atropelando as palavras necessárias para a magia funcionar, criei um lírio-do-sol. O brilho mágico foi breve, pois antes mesmo dele terminar de nascer entre as tramas do papel, arranquei as pétalas do miolo e coloquei sobre a boca dela.

O Pintor de EstrelasWhere stories live. Discover now