Parte 1 - Aprendendo a criar

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Eu estava atrasada. De novo.

Corri com o pão do café-da-manhã ainda na boca em direção ao ponto da carruagem dos alunos do Castelo das Cores. Ao descer a colina, vi meu tão almejado transporte partindo sem mim e acabei tropeçando, deixando cair alguns pincéis da minha bolsa. O pão também caiu, alimentando a grama com a geleia de goiaba enquanto eu praguejava tentando salvar meu material. O desastre começou logo cedo: a grama que o pincel ainda úmido tocou transformou-se em pedaços de rocha.

O vento soprou contra minhas costas curvadas e fez sumir meu suspiro morno. Abaixei-me, sacudi o material, abri meu pesado estojo de madeira e limpei a tinta que escapou das pastilhas. Sempre me esqueço de que preciso deixá-las secar antes de guarda-las... Em seguida, procurei entre as pastilhas a cor mais próxima ao verde da grama úmida pela última garoa. Com preguiça, umedeci as cerdas do pincel menor com a Seiva Escarlate e recuperei aquele gramado antes que se tornasse rocha para sempre. Ao menos, o pote da seiva estava intacto e as pastilhas de tinta em meu estojo só estavam um pouco bagunçadas.

— Senhorita Elsa Sândalo, você está atrasada!

Virei para trás e vi Kin, minha melhor amiga, sobre um cavalo jovem e de cor castanha. Ela exibia um sorriso de quem já viu aquela cena milhares de vezes, o que me fez rir.

— E você também estará se continuar parada aí!

— Anda, sobe logo antes que a diretora nos mate por nos atrasarmos na primeira semana de aula!

— Calma aí! Estou ajeitando o estrago da minha pressa.

Kin desceu do cavalo, amarrou seu cabelo escuro e liso em um coque, preso por um lápis. Vestia o uniforme da nossa Ordem, uma túnica azul clara e as calças de cor branca, além das sapatilhas douradas. Vi-a tirar de sua mochila seu estojo de pintura e seu próprio pote da Seiva.

— Deixe-me ajudar! Suas cores estão meio mortas!

Girei os olhos para ela e recuei, sentando-me na grama. Kin, com uma delicadeza quase surreal, deslizou o pincel sobre a Seiva Escarlate e suas cerdas brilharam em um dourado mais reluzente do que ouro. Kin então o lançou sobre uma pastilha de pigmento verde amarelado, próximo ao ocre. Antes que eu a questionasse, seu pincel tocou a grama que eu tinha acabado de restaurar, deslizando em curvas gentis sobre cada ramo, e assim o amarelo se sobrepôs ao meu excesso de pigmento azul, devolvendo o verde original. O brilho mágico desapareceu das cerdas enquanto a grama se agitava como se estivesse se espreguiçando. Um trabalho lindo e delicado como só Kin sabia fazer.

— Kin, você já pensou em ser um Pintor de Estrelas?

A pergunta pegou Kin de surpresa, o que era raro, já que ela parecia ter sempre respostas na ponta da língua. Ri de sua expressão.

— Bom, não sei se seria capaz.

— Como assim? Você foi eleita a melhor aquarelista do ano passado! Consegue dar brilho e vida até em natureza morta! No dia que te derem na mão o Papiro-Deus, vai causar inveja até nos deuses!

— Não sei se quero tanta responsabilidade. Se eu conseguir me graduar para estudar e criar criaturas marinhas, já ficaria realizada!

— Mas seus pais vão permitir?

— Eu fujo de casa se não deixarem! – disse com um sorriso travesso, e eu o retribuí:

— Sei onde poderia te esconder na floresta! – rimos enquanto Kin guardava seu material. Ser um Pintor de Estrelas era o sonho de qualquer um neste mundo, pois era uma escolha divina. Os quatro deuses do Véu Cintilante escolhem uma vez a cada cem anos um pintor que será responsável por criar estrelas, planetas e muito mais. Era uma tarefa imensamente maior do que restaurar grama ferida ou criar pequenas plantas e flores.

O Pintor de EstrelasМесто, где живут истории. Откройте их для себя