Capítulo 8

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MAGGIE BRYER

Senti uma pitada de desconfiança quando me aproximei do prédio e vi a moto de Ethan estacionada na frente. Por um verdadeiro milagre do destino meu carro - carinhosamente apelidado por Eth de lata velha - decidiu funcionar hoje e retornar para casa às duas da manhã pode ser um pouquinho assustador. Eth sempre se oferece para me acompanhar até em casa ou me buscar no trabalho, mas não acho justo usá-lo como um motorista pessoal. Quando o dispensei mais cedo mencionando que a lata velha estava funcionando esperava vê-lo no dia seguinte próximo ao almoço, não a essa hora.

Estaciono meu veículo problemático, pego minha bolsa e praticamente corro pelas escadas. Não é incomum Eth estar no meu apartamento quando volto do trabalho, geralmente ele e Drew vêm para a noite de pizza, mas costuma ser avisado com antecedência e ele estar aqui sem comunicado significa que algo está errado.

Praticamente escancarei a porta para encontrá-lo largado no meu sofá enviando mensagens no celular. Ele parece cansado e há uma atmosfera de seriedade ao redor dele o que me deixa ainda mais alerta, Eth não é assim.

-Eth, o que há de errado?

-Podemos conversar? - Ele guarda o telefone no bolso da jaqueta de couro e se senta corretamente - Ou está cansada demais? Posso deixá-la dormir e voltar outra hora.

-Não! Eu estou bem. - Fecho a porta com cuidado e mesmo desconfiada deposito minha bolsa no sofá antes de me aproximar dele - O bar estava meio vazio hoje. Você não me parece muito bem, quer uma água? Devo ter alguma bebida na geladeira.

-Estive pensando e acho que está na hora de esclarecer algumas coisas, Mag.

Desabo no estofado ao seu lado, seu rosto está tão sério que meu peito começa a angustiar. Sua aparência está a mesma, os mesmos cabelos cumpridos cor de ouro velho, os mesmo olhos esverdeados com toque dourado, lábios cheios e rosados, corpo esguio e atlético, roupas costumeiras de aparência desgastadas... Ele parece o mesmo, mas há algo de estranho que não sei identificar.

-Sabe que pode contar comigo para tudo, Eth, sempre deixei isso muito claro.

-Lembra-se de todas as vezes em que me perguntou sobre o passado?

-E você me respondia que preciso gostar da pessoa que você é, não do seu passado. Sim, não há como esquecer uma resposta dessa. - Brinco e dou-lhe um sorriso leve, mas Ethan nada esboça.

O que há de errado com esse homem?

-Consegui  minha primeira bateria com 13 anos. Passei anos juntando dinheiro para conseguir comprar uma, de vez em quando conseguia alguns trabalhos temporários, mas nada muito promissor. Eu era uma criança bem fodida. Com 13 anos eu finalmente tinha dinheiro para fazer a compra, uma usada, caindo aos pedaços, mas era tudo o que eu podia pagar.

-Minha nossa!

-Perto do natal a mãe do Jake, tia A, me confidenciou que não tinha dinheiro para cobrir as contas e sem pensar entreguei à ela tudo o que eu tinha economizado. Sabia que as chances de ter uma bateria um dia eram mínimas, mas ela precisava e depois de tudo o que havia feito por mim, era o mínimo a ser feito por ela. - Seus olhos encaram os meus e perdi o fôlego com tudo que vi exposto ali. Ethan estava abrindo sua alma diante de mim, a alegria, dor e angústia que vi em seus olhos foi doloroso - Era tudo uma mentira. Ela convidou Drew e eu para passar o natal em sua casa, nessa época Vince já estava com ela, e de manhã quando acordamos havia uma fodida bateria novinha perto da árvore de natal. Ela e o marido haviam comprado uma bateria para mim completando o dinheiro que eu já tinha e haviam dado para Drew um baixo. Foi a porra do dia mais feliz da minha vida.

-Vocês nunca esconderam como admiram a senhora Hutton. Ela é uma mulher fantástica.

-Levamos os instrumentos para a garagem dela. Drew e eu não podíamos levar aquelas preciosidades para o estacionamento de trailers onde vivíamos. Foi um dia de natal bem divertido, passamos o dia comendo, rindo e brincando com os Hutton. A noite, quando voltei para casa, minha mãe estava no sofá com mais um de seus inúmeros namorados, havia garrafas de bebida e droga em toda parte. Tentei passar despercebido por eles, mas minha mãe me cobrou dinheiro de novo. Na cabeça dela eu tinha a obrigação de entregar qualquer dinheiro que conseguisse, seria uma espécie de taxa por viver com ela. Naquela noite ela e o namorado me bateram tanto que perdi a consciência por um tempo. Não sei o que aconteceu depois, mas acordei com Vince e Drew me encontrando do lado de fora do trailer, ela havia me jogado para fora como lixo porque não sustentava seus vícios.

-Meu Deus, Eth! - Seguro sua mão - Nunca imaginei que tivesse passado por tudo isso! Eu sinto muito.

-Cresci com uma vida fodida, Maggie. O mais próximo de família que tenho é Drew e os Hutton. Não sei quem é meu pai, uma mãe era uma prostituta viciada que me tratava como lixo e não tenho estabilidade nenhuma. Tenho uma irmã mais velha, ela tem a mesma vida que a minha mãe e atualmente está me chantageando para conseguir dinheiro. Ela quer que eu sustente seus vícios como minha mãe queria. Os advogados da banda estão entrando com ações contra ela, mas eu sei que essa merda toda logo vai explodir na nossa cara e ela estará na televisão, atraindo mídia e fazendo papel de vítima.

-Eu sinto muito, Eth.

-Quero que entenda que não sou o cara com quem se imagina casando e tendo filhos, eu não sou bom para ninguém. Não posso vir até você, contar uma história triste e dizer que tudo foi superado porque não foi, eu ainda sonho com a minha mãe e às vezes, em momentos aleatórios do dia-a-dia tenho lembranças dela. Não sou um completo desserviço, fiz terapia por um tempo, mas prefiro lidar com isso sozinho. Eu não quero que fique magoada, mas eu não sou bom para você.

-O que quer dizer com isso?

-Quero dizer que você é especial demais para perder seu tempo comigo, com alguém como eu. Eu te amo Maggie e não é apenas como uma amiga. Eu te amo como a mulher do caralho que você é e mesmo que você não considere nossa amizade como algo que te prenda ao país, acho que você precisa fazer o que acha certo. Se realmente quer ir para Londres, conviver melhor com seu pai e tentar realizar seu sonho por lá, faça. Você tem todo o meu apoio.

-Ethan. - Tento chamar sua atenção, mas Eth segura meu rosto em suas mãos, obrigando-me a encarar seus olhos. Ele está tão exposto diante de mim, tão aberto, que pareço sentir sua dor. As lágrimas já escorrem livremente por meu rosto e não tenho como parar meu choro silencioso.

-Eu te amo, eu te amo muito e é por te amar que não posso te prender, Maggie.

Ethan se inclina, beija minha testa e se levanta, saindo rapidamente do apartamento. Eu apenas fico ali, chorando, sofrendo por sua história, tentando entender tudo o que aconteceu aqui. Corro para fora do apartamento, descendo as escadas na maior velocidade que posso e não encontrando em lugar algum. Sua moto também não está mais ali. Ethan simplesmente se foi.

O Baterista - A5 livro 2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora