Capítulo 12

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⚠️⚠️ GATILHO ⚠️⚠️

Nos próximos dias eu só saía do quarto de madrugada para comer e voltava o mais rápido possível, não querendo correr o risco de encontrar Azriel. Ele batia na porta todos os dias, por horas pedindo para que eu saísse ou o deixasse entrar, eu o ignorava todas as vezes, esperando que ele desistisse. O que não aconteceu. Em dois dias eu já havia acabado de ler todos os livros da estante, em cinco dias eu mesma havia arrancado os pontos do meu ferimento, em sete dias eu passava mais tempo dormindo do que acordada, em dez dias eu tinha certeza de que estava louca.

-Aí está você! - O rei gargalhava. - Eu sabia que você tinha herdado alguma coisa do seu pai!
Eu estava tremendo, estava de joelhos em uma poça de sangue, eu olho para o corpo destruído na outra extremidade do calabouço e depois para as minhas mãos, mãos de criança, tentando entender o que foi que eu fiz. O homem afaga meus cabelos.
-Você vai trazer destruição para os meus inimigos. - Sua mão grande e gelada segura minha mandíbula me obrigando a olhá-lo nos olhos. - Você vai ser a minha arma.

Minha visão volta a focar. Há dias eu tinha visões do passado acordada, eu via minhas mãos ensanguentadas, sentia as algemas em meus pulsos e tornozelos, a coleira em meu pescoço, sentia dor nas minhas cicatrizes e as via sangrar. Não tinha ideia se fazia parte de qualquer que fosse o feitiço que fora lançado em mim. As vezes eu sentia que estava morrendo, perdia o controle sobre meu próprio corpo e as batidas do meu coração diminuíam. Eu sabia que havia algo errado, mas estava sem forças para lutar contra. Uma batida na porta atraí minha atenção.

-Lucille...

Eu conheço aquela voz sussurrada, faço força para escutá-la, mas meu ouvido começa a zunir.

-Não é todo dia que se faz 15 anos, bichinho, agradeça a bondade do nosso rei, ele vai lhe dar um presente. - Dominique puxa minhas correntes e eu me esforço para cambalear até ele.

Pisco, confusa, tentando me lembrar onde estou. Minha visão pula de um quarto escuro para um castelo de pedra.

-Me desculpa... Eu não devia ter falado aquelas coisas para você, fui um completo idiota... - A voz continua.

Tento me mexer, mas meu corpo não me obedece, minha cabeça gira.

Sou arrastada até um quarto de hóspedes do castelo, há um homem de sorriso maldoso sentado na cama.

Não, não, não, não... Eu me lembro daquela noite. Eu nunca consegui esquecer. Luto com todas as minhas forças contra aquela lembrança.

-Eu sei que devia ter vindo me desculpar antes...

-Azriel... - Minha voz é apenas um chiado. - Azriel... - Ele não me escuta.

-Você pode nos deixar agora, Dom. - O rei faz um sinal de dispensa com a mão, o olhar fixo em mim.
-Como quiser, meu rei.

Tento me mover, gritar, bloquear aquela noite da minha cabeça, mas é como se eu estivesse presa. Lágrimas escorrem pelo meu rosto.

-Azriel...

-Você está certa, tem coisas que eu não contei e que devia ter contado há muito tempo...

-Azriel...

Assim que a porta se fecha, o rei caminha lentamente até mim. Engulo em seco.
-Você tem sido uma boa menina, não é, Lucille? - Ele acaricia minha bochecha. - Tão boa que merece um presente...

-Algo que você devia saber, mesmo que não aceite, mas você precisa saber...

-Azriel...

Procuro as vozes, procuro qualquer coisa que possa me afastar daquele lugar. Eu encontro a linha presa ao meu estômago e a puxo diversas vezes, desesperada. Do outro lado da porta, o encantador de sombras se cala. Sinto um puxão na linha e o devolvo.

-Lucille? - Há preocupação em sua voz agora.

-Azriel... - Continuo tentando. - Azriel... - As lembranças tentam me puxar de volta e eu seguro a linha com mais força. - Azriel!

Seu nome sai de meus lábios como um grito de desespero. Na mesma hora a porta do quarto abre com um estouro e Azriel corre na minha direção, ele se ajoelha na minha frente e só então eu me dou conta de que estou jogada no chão, suas duas mãos seguram meu rosto, me observando, sua boca se mexe como se ele estivesse falando algo, eu não escuto, estou tentando fugir daquele quarto no castelo. Minha visão escurece e de repente estou de frente para um muro grande e escuro, começo a socar com toda a minha força e ele começa a rachar, forço ainda mais e pulo para dentro quando ele cede. Infelizmente as lembranças vieram comigo.

Eu ainda estou no quarto, minha camisola agora rasgada e manchada. O rei de Hybern está atrás de mim, segurando meu rosto e me obrigando a encarar o espelho a minha frente. Tem hematomas por toda parte, me seguro para não vomitar. Ele ri.
-Você devia me agradecer, garota! Agora você é uma mulher.
Ele sai do quarto rindo, pouco tempo depois Dominique entra com uma gargalhada, puxando minhas correntes de volta para o calabouço.
-Se sente como uma mulher agora? - Ele debocha enquanto me prende à parede. - Agora você tem um novo título, o brinquedinho do rei.
Dominique faz questão de farejar antes de sair, indicando que ele pode sentir meu cheiro, que qualquer um deles podiam. Ouço quando os guardas do lado de fora se juntam a ele em gargalhadas malvadas. Caio de joelhos.

Eu explodo em lágrimas e soluços, aos poucos sentindo o controle sobre meu corpo voltando. Sinto os braços de Azriel me apertarem contra ele e meu corpo ser erguido, assim como eu, ele está tremendo. Ouço seus passos apressados pela casa, a porta batendo atrás dele, um som alto de asas, o vento frio batendo em meu rosto, eu apago segundos depois de me dar conta de que estamos voando.

-Deixe que venham!

Acordo quando ouço gritos. Pisco várias vezes tentando fazer com que meus olhos se acostumem com a claridade.

-Estarão todos mortos antes que encostem em um fio de cabelo dela! - Reconheço a voz de Azriel.

-Oh, você acordou. - Me assusto ouvindo a voz feminina ao meu lado. - Eu avisei que você acordaria se continuassem com a gritaria.

Há uma fêmea em uma poltrona ao meu lado, seus cabelos são castanho-dourados e seus olhos azuis, uma de suas mãos tatuadas repousa sobre a barriga protuberante, ela sorri amigavelmente para mim.

-Se não vierem eu mesmo vou até eles! - Azriel grita de novo.

-Não se preocupe, ele só está... Perturbado com as coisas que viu. - Seu sorriso vacila. - Ele não costuma gritar.

-Eu vi o que fizeram com ela, Rhysand, e eles vão pagar!

A mulher ao meu lado aperta minha mão, que eu não tinha percebido que ela estava segurando, tentando me confortar. Repasso mentalmente tudo o que ouvi Azriel gritar. Aperto de volta a mão da fêmea quando entendo o que foi que ele viu, o que eu o fiz ver. Engulo em seco quando me dou conta de que estive dentro da mente do encantador de sombras e o fiz ver a lembrança que eu, a todo custo, tentava esquecer.

A Corte de Sombras e EscuridãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora