Nina Lambertini Gutierrez

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Alguns dias depois o Conselho Tutelar entrou em contato conosco de novo, dessa vez por telefone. A bebezinha poderia ter alta do hospital em breve e fomos comunicadas da possibilidade de levá-la direto pra nossa casa, mesmo que em caráter provisório, mas pra isso fomos orientadas a ter um advogado de confiança.

Expliquei a situação pra Lica já sabendo que tínhamos o mesmo nome de confiança em mente: Doutor Francisco de Assis. Como a gente ainda o chamava, o Fio agora tinha doutorado justamente especializado em direito de família, focado no interesse de crianças negras órfãs.

Por questões naturais da vida, Fio não tinha sido mais tão próximo de nós logo depois do fim do Ensino Médio, mas uma feliz coincidência o fez conhecer o Miguel, amigo da Keyla, por aplicativo de namoro e os dois engataram um romance, sendo assim reinserido em nosso círculo social. Lica e Ellen quase publicaram um artigo sobre a eficácia desses aplicativos.

Só o chamamos quando confirmamos que iríamos até o fim por aquelas crianças, e tínhamos certeza que era a pessoa certa pra cuidar do nosso caso juridicamente. Fio nos atendeu prontamente, além de ficar muito feliz com a notícia, e o advogado conseguiu que nossa visita ao hospital fosse autorizada no dia seguinte.

A genitora das nossas crianças havia falecido por complicações de um parto prematuro. Naquele dia, a bebê já estava há mais de 15 dias no hospital e assim que chegamos na maternidade, descobrimos que ela era a xodó do lugar.

- Vocês vão adotá-la? - A enfermeira que nos acompanhava expôs sua curiosidade.

- Esse é o plano. - Respondi, sorridente.

- Ai, graças a Deus! - A moça, que aparentava ser da nossa idade, não escondeu a alegria. - A gente já estava com o coração partido de ver essa bebezinha sozinha aqui todos os dias.

- Ela tem mais dois irmãos maiorzinhos, vamos adotar os 3 juntos. - Lica respondeu como a mãe babona que era.

- Quem está cuidando deles é uma moça muito amiga da mãe biológica deles, mas que também tem os filhos dela... - Eu completei. - Provavelmente ela não teve como vir aqui visitar a bebê.

- Que história triste, meu pai... mas Deus escreve certo por linhas tortas e colocou vocês na vida dessas crianças! - Ela levantou as mãos para o céu e nós duas rimos baixinho.

Eu e Lica não tivemos tempo de responder, porque logo nos deparamos com aquela cena de filme: separadas por um vidro, vimos vários bercinhos e incubadoras um ao lado do outro e nos arrepiamos sem nem saber qual daqueles bebês era a nossa filha.

- Esperem aqui, só um minutinho. - A enfermeira falou, nós assentimos e ela sumiu do nosso campo de visão.

Reconhecemos a mesma enfermeira lá de dentro algum tempinho depois. Ela localizou um dos bercinhos e o empurrou em nossa direção, o mais próximo possível do vidro que nos separava. Meus olhos marejaram no mesmo instante em que senti a mão de Heloísa apertar o meu ombro.

Nossa bebê era pequenininha, bochechuda e a coisa mais linda que já habitou a face da Terra. Só me mexi para tirar uma foto através do vidro. Ela estava dormindo tranquilamente e não sei dizer quanto tempo ficamos ali perdidas admirando-a, até a enfermeira indicar que iria voltar com o bercinho dela pro lugar.

- A gente não pode deixar nossa bebezinha sozinha nesse hospital, amor! - Lica expôs seus pensamentos com os olhos cheios d'água.

- Vocês já tem um nome pra ela? - A enfermeira nos surpreendeu, aparecendo atrás de nós.

A pergunta chegou pra mim como uma martelada. Eu e Lica não tínhamos conversado sobre isso e confesso que, em meio a tantas informações pra pensar, eu tinha praticamente esquecido. Lica me olhou com o mesmo pânico no olhar.

- É... nós ainda não decidimos... - Sei que falhei em não vacilar no tom de voz daquela resposta, então achei melhor mudar para um assunto que nos interessava. - Quando poderemos pegá-la?

- Bom, se vocês quiserem aguardar, quando ela acordar eu posso ver se...

- A gente espera, sim! - Lica atropelou as palavras da mulher. - A minha vontade era não sair do lado dela nunca mais. - Achei graça, mas fiz que sim com a cabeça, indicando que concordava com ela.

- Bom, pode ser que demore um pouquinho. Podem fazer um lanche ou algo assim, eu peço pra ligar pra vocês na recepção. - A enfermeira garantiu.

Nós sorrimos em agradecimento e saímos de mãos dadas. Do outro lado da rua do hospital tinha uma lanchonete, achamos melhor esperar lá. O local estava vazio e tranquilo.

- Não tem nada que combine com Lucas e Isabella, né? - Quebrei o silêncio, certa de que era esse assunto que permeava a mente de Heloísa também.

- Acho que a gente tem que pensar em um nome que combine com Lambertini Gutierrez. - Ela deu um sorrisinho.

- Por que o meu vem primeiro? - Juntei as sobrancelhas.

- Sei lá, Sammy. - Ela deu de ombros. - Sempre imaginei assim.

- Sempre, é? - Sorri grande e roubei um beijinho rápido, achando fofo aquela expressão.

- Amor, não é de agora que eu penso em ter filhos com você. - Ela disse o óbvio.

- Eu sei, mas agora que é real eu tô amando ainda mais. - Ela me deu mais um selinho.

- Que tal Sabrina? - Lica perguntou.

- Acho muito parecido com o meu... - fiz uma careta. - Marina?

- Nina! Tipo, só Nina mesmo. - Lica sorriu. Aposto que ela mudaria o próprio nome para o apelido, se pudesse.

- Gosto. - Considerei por alguns segundos. - Só promete pra mim que isso não é uma referência ao Nino do Castelo Rá Tim Bum!

- E se for, qual é o problema? - Ela rebateu, se fazendo de ofendida. - Tá, ninguém precisa saber dessa parte.

- Ah, pronto. Já não basta ter Celeste e Godofredo... - Impliquei, embora amasse os nomes dos nossos gatos.

- Temos que completar a família! - Lica argumentou.

- Não vem com essa, não. Três filhos já tá mais do que suficiente. - Levantei um dedo dramaticamente, como se tivesse dando bronca, fazendo-a rir e rindo junto.

- Quem diria, Sammy... Nós duas, mães de família... - Lica mudou o tom de voz e o da conversa, quando nossas risadas cessaram.

- Você mesma é que não diria, né? "E eu lá quero me relacionar com a Samantha?" - Imitei-a forçando uma voz exagerada e fazendo aspas com os dedos.

- Porra, um soco doeria menos! - Ela fechou a cara enquanto eu caía na gargalhada.

- Desculpa, meu amor, eu tô só enchendo seu saco. - Fiz um carinho no rosto dela. - A gente fala umas merdas mesmo quando é adolescente.

- Ô! - Ela suspirou. - Ei, tu tirou foto da Nina, não foi? - Lica mudou de assunto.

- Ah, foi mesmo! - Peguei meu celular e automaticamente meus lábios formaram um biquinho com a foto. - Vou já mandar pra todo mundo de uma vez.

Lica encarava o celular com o mesmo sorriso bobo que o meu. Depois de mandar pra ela, encaminhei a foto nos grupos da nossa família e de amigos próximos, com a legenda:

Conheçam Nina Lambertini Gutierrez! 💝

Tudo que eu puder viver Where stories live. Discover now