Lucas e Isabella

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Não aguentamos esperar uma semana pra confirmar à assistente social o nosso interesse pela adoção dos três irmãos. Ela explicou que ainda precisava acompanhar alguns encontros entre nós e as crianças, principalmente os mais velhos, antes de os levarmos para casa, mas que isso seria feito dali em diante e enquanto isso tínhamos tempo pra ajeitar tudo lá em casa. E aí soubemos de mais uma novidade.

A Isabella, nossa mais velha, teve uma lesão na medula e usava cadeira de rodas. Fomos tranquilizadas de que isso fora uma questão de nascença e a menina estava super reabilitada, sendo apenas uma condição física mesmo, mas que precisávamos estar cientes.

- O que foi? Cê ficou quieta, de repente. - Lica fez um carinho na minha mão.

- Não sei, Lica. - Soltei o ar... - E se a gente não conseguir?

- Você não tá falando isso porque a Isa... - Nem deixei que ela terminasse.

- Não, pelo amor de Deus. - Rebati. - Já tem tempo que eu não sou mais aquela adolescente esnobe que acha que qualquer um fora do padrão não é normal, cê sabe disso. - Fui bem clara. - Mas o que a gente tem pra ser suporte pra eles, Lica? - Fui enumerando nos dedos - Duas mulheres brancas, ricas, cheias de privilégios, será que a gente vai conseguir ser referência pra essas crianças?

- A gente vai dar amor, carinho, presença... - Lica respondeu naquela voz mansa - suprir toda necessidade financeira e além disso vamos nós duas pra terapia.

Achei graça mas concordei. As crianças já estavam em atendimento com psicóloga para ajudá-los a entender o que aconteceu, antes do nosso primeiro contato. A Lica queria já comprar mundos e fundos pra dar de presente pra eles, mas fomos orientadas a não fazer isso. Optamos por levar sorvete e confeitos para a nossa primeira tarde com eles.

Nós já tínhamos visto fotos deles, que ainda estavam sob a tutela da moça que consideravam tia e a bebê ainda no hospital, mas preferimos que o contato direto fosse logo pessoalmente. Os três eram negros, gordinhos, cabelo cacheado e sorrisos lindos. Enquanto esperávamos do outro lado da porta, Lica tremia igual um pinscher.

- Samantha e Heloísa? - Uma mulher de meia idade disse quando nos atendeu. Só fizemos que sim com a cabeça.

- E você é a Márcia? - Arrisquei, estendendo a mão pra ela. - Eu sou a Samantha. Essa é a Lica. - Expliquei, trocamos sorrisos e apertos de mão. - Trouxemos sorvete! - Levantamos as sacolas, as duas com um sorriso besta na cara.

- Entrem, vamos! - Ela abriu espaço. - Não precisavam se incomodar, eu assei um bolo. - Apontou para a mesa de jantar posta com um bolo no meio e alguns pratos e talheres.

- Ah, mas bolo com sorvete fica melhor ainda. - Lica finalmente abriu a boca.

Nosso diálogo foi interrompido pelo ruído de rodinhas se aproximando da gente. A menina tinha os cabelos penteados em Maria Chiquinha e a roupa toda rosa. Meu coração saltou pra fora do peito no instante em que olhei pra ela.

- Ei... - Lica quem teve reação de chamá-la. - Vem cá, vem. - Minha esposa se ajoelhou de frente pra menininha, com algum espaço entre elas, de braços abertos.

- Essa é a Heloísa, Bellinha. - Márcia interferiu. - Lembra que te falei dela?

- Pode me chamar de Lica. - Ela respondeu com a voz mansa, sem tirar os olhos da criança, ainda a esperando de braços abertos.

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