○36. - Esconde-Esconde

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Sentada na cadeira de balanço quebrada da varanda, Naomi acende um cigarro que roubara de Levi. Com um dos pés apoiado na cadeira e o outro a empurrando pra frente e para trás, observa lá embaixo as crianças que brincam e se banham no lago.

Sente-se observada.

Do batente da porta, Cauã se aproxima. Puxa a cadeira ao lado da irmã mais velha.

Ele sorri de modo travesso vendo o cigarro em seus mãos.

— Sem chance. - Ela diz, batendo as cinzas do lado de fora da varanda.

— Qual é? Não é o meu primeiro cigarro. - Ele o rouba das mãos de Naomi, dando uma demorada tragada.

A garota o olha boquiaberta, procurando o que dizer. Se lembra de si mesma quando tinha a idade dele, cinco anos atrás. Era avessa a qualquer tipo de uso de cigarro ou álcool, mesmo que os amigos já utilizassem clandestinamente no abrigo. Mas com o passar do tempo, a morte começara a se naturalizar em sua vida, o que fez um simples tabaco parecer inofensivo em meio ao mundo em que estavam vivendo.

Não tem moral para repreender Cauã, que o devolve em suas mãos.

— O que está pensando? - O irmão pergunta.

— Nada demais.

— Eu te conheço, Na.

Ela ri, olhando para as pessoas lá embaixo.

— Queria poder só ficar aqui pra sempre. Sabe? Um território seguro, as crianças mergulhando naquele lago sujo, eu com meus amigos, você, todos... em segurança, construindo uma familiazinha agradável. Não pode me culpar por sonhar.

Cauã concorda, visualizando o cenário que ela propõe.

— Estamos há poucos passos de realizar isso, você sabe.

— É, falta só o último passo. O mais suicida.

— Acha que não conseguimos botar eles pra baixo?

— Tenho esperança, mas medo dos custos.

— Custos?

— Perdas.

Ele não responde.

Naomi parece abalada. Pensa em Gabe, em Murilo. Pensa nos conhecidos que não saíram do abrigo a tempo. E o pior, pensa nas pessoas da sala ao lado que pode perder. Pensa no irmão sentado ao lado dela.

— Posso te pedir uma coisa? - Ela pergunta, mas Cauã já entendeu onde ela quer chegar com a conversa.

— Nem vem, Na. Eu vou com vocês.

Ela respira fundo.

— Eu não posso correr o risco de te perder de novo, Cauã.

— E você acha que eu estou feliz deixando você ir também? Não me viu te proibindo em nenhum momento, viu?

— Não estou te proibindo.

— Só porque é mais velha que eu não significa que tenha que me proteger pra sempre, Na, pelo amor de Deus.

— É que... - Ela segura a emoção, esfregando os olhos com uma das mãos.

— Eu não sou mais uma criança. - A voz dele é baixa e firme. Finalmente faz com que a irmã o olhe nos olhos.

— Sei que não. Eu só não vou suportar te perder de novo.

— Não vai me perder, eu prometo. Vou estar por perto se precisar. A gente se ajuda.

Ele pega a mão dela, que encosta a cabeça na cadeira, ainda se balançando, e dá mais uma demorada tragada no cigarro, antes de ouvir os amigos a chamando para conversar.

Depois da RuínaWhere stories live. Discover now