[15] A teoria de uma manhã em família

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Para mim, o sábado era de longe o melhor dia da semana

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Para mim, o sábado era de longe o melhor dia da semana. Em parte porque eu podia ficar um pouco mais na cama, o que era fantástico. Mesmo com os raios de sol que adentraram as quatro paredes do meu quarto, funcionando como um despertador natural, eu apenas virei para o outro lado e cobri minha cabeça com o edredom. O que não adiantou muito, porque em questão de segundos depois, alguém bateu na minha porta.

"Ashe, papai e eu vamos a feira de artesanato!" Mia gritou do corredor. "Ele está perguntando se você quer vir com a gente!"

"Um minuto!" Pulei da cama, como se tivessem acabado de anunciar que minha marca favorita estava na ponta de estoque. O que não era tão incrível quanto poder passar o dia ao lado do meu pai, é claro. Corri para o banheiro, tomei uma ducha histórica de apenas 1 minuto e me vesti da maneira mais confortável possível. Disfarcei meu olhar sonolento, botando um óculos de sol e sai do meu quarto totalmente desorganizado com um sorriso  no rosto.

Meu pai estava usando sua icônica camiseta do AC/DC e me olhou com animação quando desci as escadas.

"Bom dia, raio de sol!" Ele colocou um braço envolta dos meus ombros. "Pronta para uma incrível manhã em família?"

"Com certeza! Mas cadê a Mia?"

"Aqui!" Ela desceu os degraus com pressa e jogou o cabelo para trás. "Já podemos ir!"

A feira de artesanato era um tipo de evento que acontecia na nossa cidade toda semana, aos sábados no Castle Park, uma enorme área de lazer que muita gente frequentava aos finais de semana. Artistas amadores vendiam suas obras a um preço bem acessível. De vez em quando, havia leilões promovidos pela prefeitura e o pico de movimento era em feriados, como o Dia das Mães e Natal. Era quase impossível andar por lá aos feriados.

Chegamos ao Castle Park em poucos minutos e eu sai do carro, já encantada pela arte local. Tendas quilométricas estavam armadas para proteger quadros, vasos e bijuterias do sol e da erosão causada pelo vento. Caminhamos devagar para observar com atenção todos os objetos vendidos e  fiquei vidrada em uma moça que fazia um cover de Hey There Delilah com um Ukulele cor de caramelo. Ela usava um vestido branco que realçava a sua pele negra e ela cantava com tanto carisma que foi inevitável não ficar ali e apreciar. Quando ela terminou a música, fui a única a bater palmas, já que naquele lugar era muito difícil um consumidor ficar parado em um lugar só. Olhei para os lados, a procura do meu pai e Mia. Eles estavam em uma barraca de quadros e um vendedor de boina vermelha e bigode parecia animado com a presença deles.

"Oi!" Eu disse a moça. "Nossa, eu adorei a música! Você canta muito bem. Como você se chama? Eu sou Ashlyn."

"Muito obrigada!" Ela abriu um sorriso genuíno, tão branco como uma nuvem em um dia de sol. "Me chamo Cornelia, muito prazer! Fico feliz que tenha gostado. Tem alguma sugestão?"

"Sugestão?"

"Sim. Você tem alguma sugestão para a próxima canção? Eu toco o que a audiência pede."

"Hmm. Você toca Let It Be dos Beatles? É uma das minhas favoritas."

Cornelia balançou a cabeça em positivo e começou a tocar e cantar com a maior naturalidade. A voz dela era tão doce que fechei os olhos para pegar cada nota que ela entoava. Era simplesmente mágico o poder que uma voz e a melodia de um instrumento podiam fazer. Eu acredito que a música é uma das poucas coisas que podem unir as pessoas. É como se ela criasse tribos que mesmo não tendo muita coisa em comum, tem a música como algo transversal. Ela consegue cruzar dois caminhos, duas vidas que andam em caminhos opostos. Ela tem o poder de atingir a todos. É universal.

"Uau!" Bati palmas mais uma vez, quando ela terminou. "Você tem uma voz maravilhosa! Parece ser perfeita para várias músicas. Você gosta de cantar que tipo de música?"

"Eu costumo cantar o que o público pede. Não sou do tipo que fica presa em gêneros e essas coisas. Não curto muito as limitações." Ela apontou para a barraca atrás dela.  "Meu irmão também toca, mas ele gosta de gêneros específicos. Ele é maluco por blues e funk rock."

O irmão dela acenou de trás da barraca e eu retribuí.

"O que vocês estão vendendo?"

"Instrumentos que nós mesmos fazemos, ou melhor, que meu irmão faz. Eu só apareço para ajudar, quando as coisas praticamente estão finalizadas. Temos flautas de pan, tambores, xilofones. Esse ukulele mesmo, foi ele quem fez. Ele tem mão boa pra essas coisas."

Me aproximei da barraca para ver os instrumentos e me encantei por cada um deles. Meu pai era gerente de uma loja de instrumentos musicais, mas acho que eu nunca tinha visto coisas tão bem acabadas como aqueles instrumentos. Realmente, trabalhos artesanais são cercados de detalhes e cuidados que um instrumento vendido em uma loja comum não tem. Não pensei duas vezes antes antes de pegar a flauta de pan, mesmo que não soubesse muita coisa sobre ela. Na verdade eu queria mesmo era apoiar a arte daquelas pessoas que pareciam respirar música.

"Você sabe tocar?" Cornelia abriu um sorriso quando eu peguei a flauta após pagar seu irmão. "Se quiser, posso te ensinar. Não é difícil."

"Eu não sei tocar nada! É meio estranho porque meu pai sempre está tocando músicas e tal, mas acho que nunca tive interesse. Eu ficaria muito agradecida se você pudesse me ajudar."

"Então tá combinado Ashlyn! Pega o meu cartão. Podemos combinar um dia em específico para que você comece a tocar seu primeiro instrumento. Pode não parecer, mas existem muitas músicas que podem ser tocadas na flauta."

"Você parece ser uma pessoa que gosta muito de música. Quais são os seus álbuns favoritos de todos os tempos?" Perguntei cheia de expectativa. Apesar de odiar as faixas três, eu amava ouvir álbuns. Óbvio que eu sempre tinha que ter cuidado para não tropeçar no buraco, mas eu realmente apreciava os LPs.

"Ah, eu não gosto de álbuns." Seu sorriso murchou. "Eu costumo ouvir músicas soltas, como singles. Assim não preciso me submeter a algumas decepções."

"Decepções?"

"Sim. É uma coisa que você não entenderia. Basicamente eu não ouço álbuns, porque eu posso... eles são..." Ela balançou a cabeça e fez uma careta. "Bom, é uma coisa completamente confusa, só faz sentido para mim. Bobeira interna. Você não entenderia."

"Por que eu não entenderia? Sou uma pessoa que vive coisas muito loucas. Se você me contar uma loucura é bem provável que eu ache ela bem normal para os meus padrões."

"Não, não. Na verdade esqueça isso, okay? Alguns álbuns me deixam sentimental, tá? É isso." Ela pegou o ukulele e começou a dedilhar as cordas. "Vou tocar Stranger In Moscow do Michael Jackson. Adoro músicas tristes!"

Ela começou a tocar e eu pisquei, um pouco confusa por toda aquela conversa. Cornelia parecia ter algo suspeito. Tão suspeito quanto a minha complexidade com as faixas três. E isso era mais sombrio que qualquer música que ela pudesse tocar.

A teoria de uma manhã em família não precisa necessariamente ser planejada. Na verdade, encontros muito planejados tendem a soar ensaiados e monótonos, então opte por planejar as coisas meio que artificialmente. Assim, as surpresas e diversão estarão garantidas. Ah e confira o tempo antes de sair. Nunca se sabe quando uma tempestade daquelas irá cair.

**Texto pensado e redigido por: Ashlyn (Ashe) Reed.

Nenhuma parte deste material poderá ser copiada sem autorização da mesma, correndo o risco de sofrer terríveis consequências.

Atenção: algumas pessoas, lugares e eventos mencionados no decorrer dos capítulos, poderão ter seus nomes modificados a fim de preservar respectivas privacidades.

Ps: isso não é um diário. Te mato se eu souber que você acha que meus registros e experiências altamente profissionais não passam de puro clichê adolescente.

A Teoria da Faixa TrêsWhere stories live. Discover now