O burro empacado

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— Bisa!
— Sim!
— Lembra-se de ontem? — eu perguntava.
— Não me lembro de nada — ela se fazia de esquecida, escovando seus cabelos brancos.
— A senhora ia me contar do Pedro depois que ele deixou o urubu.
— Sei lá. Nem sei se me lembro direito — fingia ter esquecido, mas ajeitava-se melhor em sua cadeira e dizia que, no caminho, Pedro Malasartes encontrou um homem surrando seu burro magro. Julgando que o coitado do animal já não possuía forças para carregar peso de tanta fome, Pedro compadeceu-se dele e propôs a seu dono trocá-lo por sua porta. O homem recusou a oferta, alegando que a porta estava muito velha e já não tinha serventia. Assim, os dois puseram-se a negociar. Um pechinchava de cá, o outro de lá. A coisa do outro sempre possui defeito. Ao final, Pedro ficou com o burro em troca da porta e ainda auferiu boa quantia em dinheiro.
Durante quinze dias, ele cuidou do animal, dando-lhe pasto, milho, alfafa e água fresca. O burro ficou gordo e bonito. Mesmo assim, quando era colocado a menor peso em seu lombo, não dava um passo. Mantinha-se empacado.
Indignado com esse procedimento, Pedro Malasartes começou a matutar: "Esse burro é metido a esperto e quer me tapear. Assim ele me paga os bons tratos que lhe dou? Só quer comer e dormir. Não quer saber de trabalhar. Se pensa que sou besta, não vai precisar esperar. Isso é abuso. Ele tem que saber que só anda comigo quem é meu amigo. Não caminho com adversário. Melhor andar sozinho do que mal acompanhado. Devo dar a ele o mesmo que lhe davam os outros. Do lombo dele ainda vou ganhar dinheiro. "
Ruminando tais pensamentos, Pedro foi à loja, comprou duas latas de tinta, uma de cada cor, e pintou listras pretas e brancas no burro, que ficou parecido com uma zebra.
Quando a tinta secou, puxou o animal pela estrada afora. Numa curva de margem do rio, ao encontrar um mascate trapaceiro vendendo roupas e quinquilharias sob a sombra de uma grande árvore, presumiu:
— Eis aí outro metido a espertalhão para fazer par com este meu burro! Os dois se merecem.
Ao avistar o burro pintado, o mascate logo se encantou. Quis saber que bicho era aquele que ele nunca vira mais bonito.
— É uma zebra — o Pedro respondeu.
— Zebra?!
— Animal vindo da África.
— Da África?! — Nos olhos do mascate brilharam cifrões e ele, de imediato, quis fazer negócio.
Estrategicamente, o Pedro esquivou-se, afirmando não querer vender o animal. O mascate insistiu. Então, o Pedro admitiu que, conforme fosse a oferta, poderia mudar de ideia.
O mascate ofereceu-lhe uma bagatela. De pronto, ele recusou. Disse ser pouco dinheiro para tamanha preciosidade. Precisava, ao menos, receber o suficiente para voltar à África e comprar outra zebra igual àquela.
O homem consultou os bolsos e dispôs-se a pagar quatro vezes mais.
Pedro coçou a barba, fazendo pose de dúvida. Olhou o que o outro carregava nas malas e nos lombos dos burros e relutou:
— Vejo o seu interesse em ficar com a zebra, mas, para ir até a África, preciso de roupa, chapéu e sapatos novos. Não posso embarcar num navio esfarrapado como estou.
O mascate teimou, argumentou, pechinchou várias vezes, mas, como o Pedro Malasartes não cedeu, acabou fechando negócio.
Pedro nem vestiu a roupa nova. Colocou-a embaixo do braço e foi embora rapidamente, porque um corisco, acompanhado do ecoar de forte trovrão, riscou o céu, prenunciando grande chuva.
Quando a chuva caiu e lavou o burro, tirando-lhe as tintas de zebra, Pedro Malasartes já ia longe...

Aventuras de Pedro MalasartesWhere stories live. Discover now