Término

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Tudo é considerado impossível, até acontecer.

Nelson Mandela


A primeira reação de Valentina foi travar o foco nas marcas e cicatrizes horrendas. A segunda, ao escutar aquilo, apreciou a ficha cair.

— V-você o quê?

Ele voltou a vestir a blusa, visivelmente incomodado.

Você começou isso, você termina.

Eu sei. Eu sei.

Para amenizar o clima fúnebre, pediu um lanche duplo para seu assistente virtual, voltando a ficar ao lado da esposa, claro, não muito perto para não afastá-la.

— Aconteceu quando eu tinha...sete anos.

— S-sete? Meu Deus!

Impossível ele mentir sobre um assunto tão delicado e que nem todos confessavam, pensou ela horrorizada.

— Eu...nem sei como te dizer isso.— Suspirou ele.— O porquê de eu ter me tornado assim.

Cada ser humano lida diferentemente com a situação vivida. O ponto de colisão desenfreia completamente os bons ensinamentos aprendidos na infância ou descobertos na fase de criança.

— Sou toda ouvida.— Respondeu ela, cruzando as pernas em cima do sofá, de repente, esquecendo da falta de energia na casa. Conhecer um pouco o lado de outra pessoa com quem partilhava a vida de forma nada convencional, lhe importava.

— Eu...fui uma concepção indesejada. Claro, por parte do meu pai. Ele foi muito influente na época e em uma das viagens dele acabou conhecendo minha mãe.

— Quem era ele?

— Heitor Maldonaro.

— Ah...já ouvi falar dele. Li um dos artigos na faculdade: "A Neurociência comportamental."

— Ele era brilhante isso...só isso.— Denotou rancor e amargura no tom de voz, instalando apreensão e receio na moça.— Desculpe-me por assustá-la, mas tive motivos para matá-lo.— Explicou-se, percebendo o medo estampado no olhar dela.— Sabe, na infância só experimentei uma vez a felicidade. Talvez, você não acredite no que vou dizer, mas eu nunca desabafei com alguém antes. Eu...não lido bem quando o assunto são lembranças. Sinto-me revivendo aquele inferno todo.

— Nem com seus amigos?

— Eles são tão quebrados quanto eu, Valentina...e nunca foi necessário dialogar a fundo sobre isso para conhecer o passado.

Valentina esvaiu o ar nos pulmões. O calor do sentimento compaixão envolveu-a. Por mais magoada que estivesse, não era capaz de odiar.

— Eu tinha cinco anos quando minha mãe me colocou numa escolinha. Lá, comecei a aprender o alfabeto e brincadeiras de criança. Futebol nunca foi muito a minha praia; sempre gostei de jogos de guerra. Depois das cinco horas, minha mãe me buscava. Heitor era ausente todos os dias e só retornava para a casa às dez da noite. 

— Theo não percebeu o olhar da moça compenetrada nele, enquanto o mesmo encarava o vazio á sua frente.— Uma vez ele até me levou ao parque aonde ocorria o festival de balões, ironicamente tinha uma igreja por lá. Eu gostei muito, mas ele nunca mais me levou. Disse que tinha algo melhor preparado para mim. Bom...o tempo passou e as brigas pioraram. Minha mãe nunca alterou a voz pra ele, ela era...um anjo.— Theo sentiu o nó se formar na garganta.— No dia que ela tentou sair de casa e me levar junto, aquele miserável bateu nela...e esse foi o início do inferno.

Rendido ao amor ✓ (VERSÃO NOVA)Where stories live. Discover now