Capítulo 1 Valentin

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Capítulo 1

 

- Porra Valentin, onde vou encontrar um veterinário hoje a essa hora? – Disse Theodoro do outro lado da linha.

- Não sei Theodoro, mas tenho certeza que dará um jeito.

Eu sabia que era quase impossível ele achar um veterinário disponível em plena véspera de Réveillon ás nove horas da noite, mas minha égua Tormenta estava estranha há dias. O veterinário do meu haras, o Haras Vega, a examinou, mas não encontrou nada, então ficou de fazer alguns exames para ver o que estava acontecendo, mas com a correria e tanto trabalho dos últimos dias, acabamos esquecendo, e justamente hoje ela estava pior.

A reunião que fazia todos os anos para “comemorarmos” o fim de um ano e o começo de outro, já tinha começado. Na verdade eu odiava essas datas comemorativas e só fazia mesmo essa “festa” para recompensar meus funcionários, pois eles trabalhavam demais o ano todo e mereciam essa comemoração. E também porque Theodoro me enchia o saco, me atormentava mesmo, para que fizesse essa festa. Ele era um baladeiro de primeira, e não perdia uma oportunidade de cair na farra.

Para mim não fazia a menor diferença, afinal, era apenas mais um ano terminando e outro começando. Nada na minha vida iria mudar. Um novo ano começaria, mas tudo continuaria a mesma coisa. Muito trabalho, muita chateação, muitos problemas etc. Nada de diferente. A mesma vidinha corrida e cheia de preocupações. Só isso e mais nada. 2014 se iniciaria e com certeza seria como todos os anteriores.

Ai que eu estava enganado. Muito enganado.

Alguns funcionários já estavam aproveitando a festa. Theodoro meu amigo e braço direito estava a caminho, e era o único que eu sabia que poderia me ajudar naquela situação.

Eu estava tomando meu Whisky e pensando nas minhas obrigações do dia seguinte, quando senti uma vontade enorme de montar minha Tormenta.

Tormenta era minha égua amada. O único ser vivo do planeta que eu me importava além da minha mãe, meu irmão e Theodoro.

Eu adorava trotar e galopar com ela pelos campos do haras.

Tormenta é uma égua Quarto de Milha lindíssima. Grande, musculosa, toda caramelo com sua crina e rabo negros. Muito veloz adora correr pelos campos e me encanta com sua doçura, porém é dócil apenas comigo, surpreendendo a todos com sua fúria e agressividade. Normalmente cavalos de sua raça são bem dóceis e fáceis de lidar, porém ela é diferente. Desde quando era um potrinho sempre foi muito brava e quase ninguém conseguia doma-la. Na verdade apenas eu conseguia. Tormenta sempre foi arisca e era um desafio cuidar dela, pois ninguém conseguia chegar perto. Todos os veterinários que passaram pelo haras ficavam muito receosos de se aproximarem, e não era pra menos. Muitas vezes eu mesmo que tinha que vacina-la e cuidar de todo o resto que envolvesse minha Tormenta, pois ela não permitia que ninguém chegasse perto.

Esse nome me veio à cabeça assim que ela nasceu e já saiu brava dando coices adoidado. Agora estava eu ali desesperado, pois nem a minha presença a animou.

Fazia dias que ela estava desanimada. Não comia direito, tinha emagrecido e até seu olhar estava triste e desanimado. Até febre ela teve, e isso aconteceu justamente na semana que o veterinário estava de férias. Já tinha que ter contratado outro para ficar no seu lugar, mas confesso que fui irresponsável e acabei me esquecendo devido outras preocupações.

Ela me amava, assim como eu a ela, mas nem minhas caricias e minhas palavras de carinho a fizeram se animar e me olhar nos olhos como fazia todos os dias. Nós tínhamos uma cumplicidade que não era decifrável, que jamais pensei que poderia existir entre uma pessoa e um animal, mas ela me entendia mais do que qualquer ser humano e eu a entendia também, e via que naquele momento ela não estava nada bem.

Meu lugar no paraísoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora