Capítulo XXVI

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- Orvalho?!
Acenei que sim, entusiasticamente.
Eles olharam uns para os outros.
- O orvalho não são aquelas gotas que se formam na relva, de manhã? - Perguntou o meu irmão, confuso.
- Sim!! São!!
- Mas, Lyra, como pretendes recolhê-la? - Inquiriu o Kay, coçando a cabeça.
- Foi o meu pai que me ensinou!! Lembras-te, Alex, naquela excursão à neve?! - Eu estava a falar aos tropeções, mas estava demasiado entusiasmada para desacelarar. Eu tivera a resposta à minha frente este tempo todo.
- Lyra, é melhor acalmares-te um pouco... - Começou a Summer.
- Não, não me quero acalmar!! Devido à diferença de temperatura, de manhã a água evaporada fica líquida e fica nas plantas e na relva! Todas as manhãs, tínhamos litros de água potável aos nossos pés e não nos apercebemos!!
O Kay, o Alfie, o Alex, a Mel, o Michael e a Summer arregalaram os olhos.
- Bem... sim, pode funcionar...
- Mas, como é que a apanhamos?? Bebemos diretamente da terra?
- Claro que não. Apanhávamos uma doença qualquer. O meu pai ensinou-me uma maneira bem eficaz - rapidamente, abri a minha mala e agarrei em duas t-shirt, depois abri a mala do meu irmão e peguei no seu hoodie.
- Wow, mana!! Que vais fazer com a minha sweatshirt dos Indiana Pacers?!
Não lhe respondi. Peguei nas três peças de roupa e atei-as, num nó apertado, aos meus tornozelos.
- O tecido da roupa absorve a água. Amanhã de manhã, é só correr pelo meio do prado, e com sorte, no fim da corrida, a roupa vai estar encharcada. Depois é só espremer para dentro de um copo e beber.
Todos me fitaram em silêncio.
De repente a ideia já não se me afigurou tão boa.
E se houvesse uma falha qualquer?E se não funcionasse? E se eles se rissem de mim?
Durante o que pareceram horas, ninguém falou, limitando-se a fitar-me.
E de repente, o Michael avançou para mim.
Foi demasiado rápido, e por uma fração de tempo fiquei na dúvida se ele me ia empurrar, gritar, ou dizer que era a ideia mais estúpida que ele já ouvira.
Em vez disso, abraçou-me.
Com força.
Foi o abraço mais apertado que alguma vez alguém me dera.
Sufoquei momentaneamente.
- Lyra. És um génio - exclamou ele, apertando-me com toda a força.
- Ugh... OK, Michael, mas não me sufoques...!!
- Omd. Lyra, isso pode funcionar!! - Guinchou a Mel. - Como é que não pensámos nisso?!
- Vamos sobreviver!! Vamos sobreviver!! - Ofegou o Alfie, demasiado espantado para dizer outra coisa. Parecia um disco riscado.
O Michael largou-me por fim. Tinha os olhos brilhantes e uma expressão de felicidade que não lhe via há dias.
- Amanhã, acordamos às seis e vamos todos para o meio do prado. - Decretou.
Ia ser difícil aguentar mais uma noite inteira sem água, mas não havia nada a fazer. Desatei a roupa dos tornozelos e pu-la de novo nas malas. Tinha o coração disparado, e uma sensação de adrenalina pelo corpo inteiro.
Parecia bom demais para ser verdade.
E se não resultasse? E se não se formasse orvalho? E se o assassino conseguisse, de alguma maneira, travar-nos?
Não queria criar expectativas, mas era impossível. Pela primeira vez, havia a possibilidade, a mera possibilidade, de não morrermos. E por mais ínfima que fosse, estávamos todos tão felizes, tão esperançosos, que sinceramente, naquele momento, não importava mais nada.

***

Cada um de nós, incluindo os do outro dormitório ("Tinha de ser a Intrometida para se lembrar de algo do género", comentou o Josh) atou aos pés calças, camisas, tudo o que fosse de tecido absorvente. Às pessoas cuja bagagem tinha desaparecido, tipo o Alfie, emprestámos-lhes alguma da nossa roupa da (continuava um mistério para onde é que as malas tinham ido).
A minha cabeça estava basicamente a explodir, e a sede tomara conta do meu corpo. Já não ia à casa de banho há dois dias, sinal que o meu corpo estava totalmente no limite da desidratação. Andar custava-me, falar custava-me, respirar custava-me, era tudo difícil. Eu era uma flor sem ser regada há semanas, uma cidade sem chuva há meses.
Se isto não resultasse, eu sentia que não chegaria ao fim do dia.
- Cuidado com as minas. Sigam o trilho desminado da Daiana. - Avisou o Michael. - Não querem ter o mesmo fim que a Jayden.
A imagem do corpo dela a rebentar fez-me doer ainda mais a cabeça. Recusei-me a olhar para o Josh. Ele fazia-me nojo.
- Acham mesmo que isto vai resultar? - Interrompeu o Tom.
- Tens uma ideia melhor?
- Bem, não me apetece nada molhar o meu casaco todo. É o único que tenho.
- Olha aqui, se te queres armar em Barbie é contigo, mas não achas que a tua vida é um pouco mais importante que um casaco de cabedal?! - Exclamou o Kay.
Acho que o Tom tinha as prioridades um pouco trocadas.
Eu fui primeiro. Acho que era porque a ideia era minha, e era justo. Comecei em jogging, pela relva adentro.
Realmente, estava encharcada. À medida que fui ganhando velocidade, sentia a erva fustigar-me os calcanhares, molhando-os. O meu coração estava a bater mesmo depressa, como se quisesse sair da t-shirt, em parte por causa da corrida e em parte por causa do nervosismo, da esperança, do ânimo, tudo misturado numa bola de emoções que me remoía por dentro.
A roupa fazia peso nos meus pés, e sentia os meus sapatos afundarem-se na terra a cada passada. O cheiro a humidade e ar da manhã enchia-me os pulmões a cada expiração que dava.
Por fim, dei meia volta e corri de volta para eles.
Estava cansada do sprint repentino, e tentei recuperar a respiração enquanto saía do prado que me dava pelos joelhos.
Não houve suspense. Limitei-me a agarrar as roupas atadas aos meus pés e exclamar, num soluço:
- Estão molhadas.
Encharcadas era mais apropriado. Estavam literalmente a pingar água.
Água. Água. Meu Deus, que palavra fantástica.
- OK, vamos por ordem!! - Ordenou o Michael, já prevendo um massacre, mas tinha os olhos a brilhar. Tal como todos os outros. O próprio Josh estava a sorrir. Sim, a sorrir! O Tom olhava para mim com uma expressão incrédula.
- Lyra, salvaste-nos a vida.
O Alfie avançou para mim e abraçou-me. O Alex saltou para cima de nós e berrou:
- É a minha irmã!!
Corei ligeiramente. Dentro de mim, uma sensação estranha corroeu-me. Não era felicidade. Nem alívio. Era algo superior, algo tão fabuloso, algo tão inexplicável, que tinha medo de falar, de me mexer, com medo que o encanto se desfizesse ou que eu acordasse de um sonho.
Depois disso, cada um deles fez o mesmo percurso que eu, e cada um deles voltou com a roupa encharcada em água do orvalho. Bebemos como nunca na vida. Espremi a minha t-shirt para a minha boca, e uma cascata de água cristalina molhou-me a cara, os cabelos, e escorreu-me pela garganta.
Durante cinco minutos, só bebemos. Os golos ávidos, os suspiros refrescantes e as roupas espremidas, eram as únicas coisas que se ouviam. Só no fim de vários litros é que largamos as roupas nos chãos e nos entreolhámos, renovados. Era como se me tivessem trocado de corpo. Era uma revitalização, uma energia, que só me apetecia saltar, dançar e correr.
Naquele momento, sim, sentia-me capaz de ganhar asas e voar como aquele bando de pássaros por cima da vedação.

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