Capítulo XXI

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A tarde passou numa ansiedade extrema.
Não tinha havido atividade assassina até ali. A qualquer momento, algo podia acontecer. Toda a gente andou vigilante, e só às sete da noite é que nos convencemos que, de facto, naquele dia, não ia acontecer nada.
- Isto é muito estranho - murmurou o Alfie, apreensivo. - Tivemos um ataque todos os dias. Então porque é que hoje não aconteceu nada?
- Talvez ele vá matar alguém durante a noite - gaguejou a Maya.
Era uma possibilidade. Continuávamos sem perceber por onde o assassino entrava. Ele podia sem qualquer esforço entrar e matar alguém, como fizera à Olivia e à Maisie.
- Por isso mesmo é que proponho que adotemos uma nova medida de segurança - disse o Michael.
- Outra? - Suspirei.
Em quantas é que já íamos? E alguma delas tinha dado resultado? Não me parecia.
- Durante a noite, vamos fazer turnos e vai sempre alguém ficar de vigia.
- Isso é mesmo à filme.
- É a única solução. Dormimos em média nove horas. Um a um fica uma hora, uma hora e meia, e no fim do turno troca com outra pessoa.
Ninguém gosta de acordar a meio da noite, mas de facto não parecia haver outra hipótese.
- Só uma coisa - contestei. - E se o assassino atacar essa pessoa? Ela está lá fora sozinha, não há garantias que a ouçamos se for esfaqueada ou assim.
- Bem lembrado. Por isso mesmo é que vão em duplas.
Isso já era melhor. Assim, não só ficávamos mais protegidos, como também teríamos alguém para conversar. E seria mais difícil adormecermos.
No fim do jantar (a carne era cada vez mais escassa), dedicámo-nos a fazer a "tabela de horários", nas palavras da Summer. A Mel pediu para vir para o nosso dormitório (suspeitava que o Alex era o motivo...) por isso agora éramos 10.
- OK - organizou o meu irmão. - Das nove às onze, vai a primeira dupla. Das onze à uma, a segunda. Da uma às três, a terceira dupla. Das três às cinco, a quarta dupla, e das cinco às sete, quando o sol já vai ter nascido, vão as últimas duas pessoas.
- Quem vão ser os grupos de dois? - Perguntou a Jayden. Estava a olhar fixamente para o Kay.
- Tira-se à sorte, que assim não há discussão.
Escrevemos os 10 nomes em 10 pedaços de papel. Depois, a Summer misturou-os e tirou-os dois a dois.
Depois daquele pequeno acidente no Verdade ou Consequência, havia uma certa pessoa com a qual eu não queria de certeza ficar duas horas no escuro lá fora. Por sorte, havia poucas probabilidades de eu calhar logo com el...
- Michael e Lyra.
Pois.
Cerrei os punhos e respirei fundo. Decididamente, havia algo no destino que estava extremamente contra mim. As probabilidades, ultimamente, não andavam do meu lado.
- Olá, Lyra. Parece que estamos juntos. - Cantarolou ele, aparecendo ao meu lado de repente.
- Morre.
- Ainda bem que a ideia te agrada.
- Michael, desaparece. Estou farta de ti.
- Achas que estou feliz por calhar contigo?
- Não sei nem me interessa.
- Que agressiva.
- Michael, percebe de uma VEZ que não estou na disposição de falar contigo.
- Qual é o teu problema?! Estás chateada com aquela consequência?
- Estou. E tu, estás chateado com aquele meu comentário, ontem?
- Sobre só pensar em mim mesmo? - Ele encolheu os ombros. - Não muito. Quer dizer, até tinhas razão.
Arqueei uma sobrancelha. O Michael a admitir que errara era muito estranho.
- Estás demasiado calmo para meu gosto. Desembucha.
- Desembucha o quê? Não tenho nada para dizer. Só quero quebrar o gelo contigo, visto que vamos passar... - O Michael começou a contar.
- 16 horas - suspirei.
- Isso. 16 horas juntos à noite.
- OK, OK, gelo quebrado. - Murmurei. - Agora tenho de ir.
Ainda não percebera a relação que eu e o Michael tínhamos. Um momento éramos super amigos, outro nem nos falávamos, a seguir salvávamos a vida um ao outro, depois ficávamos zangados sem motivo nenhum. Ao longo destes dias, sentia que já nos tínhamos chateado e reconciliado mais vezes do que eu já me chateara com o Alex a vida toda.
Logo quando pensava que o conhecia bem, ele surpreendia-me de alguma maneira. Assim que parecíamos ter feito as pazes, algo acontecia de novo. Abanei a cabeça. Duvidava que alguma fosse perceber o que se passava entre nós os dois.
As outras duplas foram Summer e Kay, Alex e Mel, William e Jayden, Rose e Alfie. Todos pareciam razoavelmente satisfeitos, embora a Rose e a Jayden estivessem amuadas por não calharem juntas.
Decidiu-se que e o Michael ficaríamos com o terceiro turno, ou seja, da uma às três. Não estava nada ansiosa por perder mais duas horas de sono, fora aquelas em que eu ficava acordada a preocupar-me e os pesadelos que me tiravam constantemente o sono. Era uma questão de tempo até ficar cheia de olheiras como a Kristen.
Eram oito e meia. Estava toda a gente a vestir os pijamas e a lavar os dentes. O dia correra bem, mas aquela sensação de desconforto não me abandonava.
Porque é que não acontecera nada?
Devia ter havido um ataque. Havia um todos os dias... certo? Pelo menos nisto eu achava que havia um padrão, mas pelos vistos estava enganada.
Absolutamente nada neste sítio fazia sentido.
- Acabou o shampoo - declarou a Summer.
Era previsível. Desde que a Daiana usara a maioria dos nossos pertences para explodir as minas, só nos tinha sobrado um shampoo e pouco mais.
- Eu vou ao outro dormitório pedir que nos dêem um - ofereci-me.
- Eu vou contigo - disse imediatamente o Alex.
Revirei os olhos.
- Alex, são dez metros. Não me vai acontecer nada.
- Não vou arriscar.
- Duas pessoas para ir buscar um frasco de shampoo?! Não inventes - sorri. - Não demoro nada.
Atravessei a relva e bati à porta do outro dormitório. Abriu-me a porta o Josh. Não me apetecia nada encará-lo depois daquela coisa toda do Coelhinho.
- Que queres? - Perguntou ele.
- Acabou-se o nosso shampoo.
- E isso é problema meu porquê? Tenho cara de loja de conveniência?
- Pensámos que talvez tivessem um a mais.
Uma cabeça, a da Miranda, espreitou por trás do enorme Josh.
- Lyra, ouvi que precisam de shampoo. Temos um a mais, podem levar.
- Obrigada, Miranda! - Respondi agradecida. Fitei o Josh. - Deixas-me entrar ou vais aí tipo guarda de discoteca?
O dormitório deles os oito era igual ao nosso em espaço e móveis, mas os pertences espalhados davam um aspeto totalmente diferente. Apesar de no nosso dormitório haver pessoas como o Michael e o meu irmão que não eram muito adeptas à organização, aqui a confusão eram três vezes maior. Desde meias espalhadas no chão a malas abertas posicionadas estrategicamente pelo chão, espantava-me eles conseguirem sequer mexer-se.
A Rachel e a Kristen já estavam de pijama e estavam sentadas na cama a conversar. Acenaram-me, sem me prestar atenção. O Leonard estava deitado no beliche, a ouvir música com os seus auscultadores, e acho que nem me ouviu entrar. O Julian estava a trocar de roupa e estava em tronco nu quando entrei.
- Hey, Lyra - arqueou uma sobrancelha, sorrindo. - Não se bate à porta?
Apesar de entre o Josh, o Tom e o Julian, preferir o Julian, continuava sem gostar muito dele, principalmente depois de o ver fazer aquilo ao William.
- E bati. Este brutamontes aqui abriu - resmunguei.
- Vais-te mudar para cá? O Tom vai ficar satisfeito.
- Não, obrigada. - Respondi secamente. - E por favor veste a parte de cima do pijama.
- Porquê? Não gostas de admirar os meus músculos? - Troçou o Julian.
Revirei os olhos, irritada.
- Espera, Lyra, vou ali à casa de banho procurar o shampoo - disse-me a Miranda. - É capaz de demorar. Está tudo espalhado. Como já deves ter concluído, as pessoas aqui não são lá muito arrumadas.
Acenei que sim. Procurei um lugar para me sentar, porque sentia-me exposta ali de pé. Mas o único lugar livre era ao lado do Julian e do Josh, por isso afastei-me e fui para a salinha adjacente com o sofá cama.
Mesmo quando ia entrar, ouvi vozes.
Estaquei, à escuta. Eram mais sussurros, mas mesmo assim percebia-se. Eram definitivamente o Tom e a Maya.
Espreitei. O Tom estava a falar e a rir, com a mão na cintura da Maya, enquanto ela ouvia e sorria tontamente.
- E então a árvore caiu em cima de mim...! Desde aí nunca mais andei de escorrega de água.
- Oh, que mau.
- E tu? Já alguma vez foste a uma festa de piscina ou assim?
- Hum n-não - gaguejou ela, corada. - Nunca me convidaram.
- O quê? Uma rapariga gira como tu?
A Maya ficou ainda mais vermelha.
- Fazemos assim - disse o Tom - quando sairmos daqui no domingo, convido-te para irmos juntos a um parque aquático. O que me dás em troca?
- Oh, eu... dou-te o meu pequeno almoço, amanhã! - Exclamou ela, com os olhos brilhantes. Parecia-me que, pela possibilidade de ir com o Tom a qualquer lado, a Maya daria a sua casa ou assim.
- Serve - sorriu o Tom, e já não era um sorriso simpático. - E se quiseres, também me podes dar outra coisa, quando estivermos sozinhos...
Ele inclinou-se sobre a Maya. Percebi que era o momento de eu intervir.
Entrei na sala e pigarreei. O Tom virou-se e franziu o sobrolho, irritado. A Maya ficou ainda mais corada do que já estava, o que eu não julgava possível.
- Que estás aqui a fazer? - Perguntou-me o Tom. - Para alguém supostamente inteligente, não tens a mínima noção de onde és chamada.
- Preciso de falar com a Maya - respondi, ignorando o comentário. - São só 5 minutos.
- Porque é que queres falar com ela? - Perguntou-me o Tom, lentamente.
- Quem é que se está a meter onde não é chamado, agora? - Ripostei. - Anda, Maya. Não demora nada.
A Maya pareceu hesitante. Olhou para o Tom, obviamente aborrecido, e olhou para mim.
- Já volto - murmurou por fim, levantando-se.
Saímos da sala e fomos para o quarto, no canto oposto onde estavam o Josh, a Rachel, a Kristen e o Julian a conversar.
- Maya, tens de te afastar do Tom - decidi ir direta ao assunto.
- Q-quê...?
- Ele está-te a usar. Tens de te afastar dele, e agora.
- Usar? Mas...
- Maya, ele não está interessado em ti. Aliás, não gosta de nenhuma rapariga. Ele... - Que palavra usar... - Simplesmente hipnotiza-as para conseguir comida extra.
- Não, não usa - a Maya abanou a cabeça. - Ele disse que gostava de mim. Que estava apaixonado por mim.
- Maya, acorda! - Exclamei. - Ele não é quem tu pensas que é!! Por trás daquela fachada, ele é um rapaz calculista, que se atira a todas para proveito próprio. Achas normal que lhe tenhas acabado de dar o teu pequeno-almoço?! Vais passar à fome?!
- M-mas em troca ele vai levar-me ao parque aquático... - Gaguejou.
Suspirei, exasperada. Meu Deus, como era possível ela ser tão ingénua.
- Confia em mim, Maya. Quando sairmos daqui no Domingo - ia dizer "se sairmos" mas achei por bem omitir isso - nunca mais vais ouvir falar do Tom. Segue o meu conselho: afasta-te dele enquanto podes, porque o Tom pode fazer bem mais do que tirar-te a comida.
Uma rapariga indefesa e influenciável mais um rapaz charmoso e manipulador não faziam uma boa combinação. Estava mesmo a ver as coisas a descontrolarem-se.
A Maya parecia super agitada. Eu ia acrescentar qualquer coisa quando de repente ela falou, bem mais alto do que eu esperava:
- Lyra, pára!! O que é que estás a dizer?! Estás a mentir!
Olhei para ela.
- Mentir... Mas que...
- O Tom gosta de mim. Eu sei que sim. Só porque ele me prefere a mim, não tens o direito de me tentares pôr contra ele!!
- Quê?! Maya, não!! Percebeste tudo ao contrário! - Isto não estava nos planos.
- Não, Lyra, tu é que não estás a perceber. O Tom é o primeiro rapaz que me dá atenção a vida toda e não vais ser tu que vais estragar isso. Espera, já sei. Tens ciúmes porque ele é mais giro do que o Michael.
Eu estava completamente chocada pela reação dela.
Abri a boca para falar, mas não saiu som.
- Ele está apaixonado por mim. Lá porque és mais gira do que eu, achas impossível que o Tom me possa preferir?
- Maya, por favor ouve-me. - Implorei. Isto estava a correr mal. - Estou a dizer a verdade. Não confies no Tom. Ele próprio me disse que já esteve com a Rose. Já tentou comigo!!
- Pára, Lyra, pára - guinchou a Maya. - Não quero ouvir as tuas mentiras. O Tom gosta de mim, eu sei isso. Não te metas na minha vida.
- Mas Maya...
- Deixa-me - cortou ela, irritada. Depois, deu meia volta e foi para a sala.
Eu fiquei ali, especada, demasiado chocada para me mexer.
Nunca, mas mesmo nunca, eu teria previsto isto. O Tom tinha conseguido dar completamente a volta à cabeça da Maya.
Apercebi-me de repente do silêncio. Virei-me.
Estavam todos calados, a olhar para mim. A Miranda estava em pé, com o shampoo numa mão e os olhos arregalados. Até o Leonard tirara os auscultadores.
- Bem - disse de repente o Josh - Lyra! Porque é que a Maya estava a gritar contigo?
Não respondi. Agarrei no shampoo e saí do dormitório, fechando a porta atrás de mim com estrondo.

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