25/03/2019

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Tudo deu errado no dia 13 de dezembro, no dia em que fomos atacados no acampamento. Pensamos que estávamos a salvo naquele casebre mas no meio da noite fomos atacados novamente e desta vez não tivemos a menor chance de reação.

Quando fui acordada já estava com uma arma apontada para a cabeça assim como todo o grupo, os homens que nos atacaram tinham voltado para terminar o serviço. Eu pensei que todos nós seriamos mortos ali, não imaginei que algo ainda pior do que isso pudesse acontecer.

Sermos mortos era a opção mais lógica que passava pela minha cabeça, nós tínhamos matado, mesmo que em legitima defesa, muitos membros daquele grupo e essa retaliação parecia inevitável mas foi ai que as surpresas começaram.

Eles nos disseram que exatamente por conta da nossa reação de matá-los receberíamos um tratamento diferente. O chefe deles, o Comandante, queria conhecer o grupo responsável pela morte de uma dúzia de seus homens e puni-los pessoalmente.

Fomos amarrados, amordaçados, vendados, jogados no porta-malas dos carros e levados até a Grande Cidade, o local onde fica o acampamento deles. Enquanto seguíamos na direção do nosso algoz eu não sabia o que esperar, quer dizer, a morte era certa na minha cabeça mas eu não conseguia acreditar no porquê. Aqueles homens tinham carros, armas, suprimentos, pareciam viver numa condição muito melhor do que a nossa, por que caçar e matar outras pessoas assim? Afinal eles que começaram com tudo, é tudo culpa deles, nós apenas reagimos.

Eu não sabia se eles viviam num acampamento ou numa cidade mesmo como o próprio nome dito por eles referenciava: "Grande Cidade", é pra onde estávamos sendo levados eles diziam e a outra palavra que mais ouvi foi "Comandante", O Comandante.

O irônico é que estou aqui há tanto tempo e ainda assim não sei como ou quão grande esta cidade é, nem ao menos se é realmente uma cidade. Praticamente só vivi em três cômodos desde que cheguei: este quarto que foi o último deles, um banheiro onde eu era colocada uma vez por dia e o quarto do Comandante onde passei a maior parte do tempo.

Além disso, só passei por um galpão onde fui jogada junto com os outros assim que chegamos aqui e uma sala ao lado do galpão de onde fui levada até a minha prisão, o quarto do Comandante. E como estive vendada por todo o percurso eu até hoje não sei como esta maldita cidade é.

Nós de fato seriamos mortos, assim que chegássemos seriamos levados até uma praça central ou algo assim e mortos na frente de todos como forma de mostrar o que acontece com quem ousa matar alguém da Grande Cidade, mas como era madrugada quando chegamos nós fomos presos no galpão para esperar o amanhecer e então nossa execução.

Alessandra estava presa neste mesmo galpão mas eu não consegui vê-la e nem ouvi sua voz, só soube que ela estava lá porque Rodrigo conseguiu enxergá-la e se arrastou até onde ela estava e era impossível não ouvir seus gritos ao ver como ela estava.

Algumas pessoas entraram no galpão durante o tempo que ficamos lá, primeiro alguns homens entraram e espancaram Rodrigo até ele desmaiar por conta do barulho que ele estava fazendo, depois mais alguém veio até mim e me deu um pouco de água, pela sutileza parecia ser uma mulher mas eu também não pude vê-la por conta da venda.

Entre idas e vindas o ultimo homem que entrou pela porta do galpão foi o Comandante. Ele andava pelo galpão enquanto falava e parecia que chegava perto de cada um de nós por vez enquanto continuava seu macabro discurso, até que ele se aproximou de mim, parou seu discurso e disse que gostou de mim então se afastou em direção a porta e pediu para que os homens me tirassem dali, foi aí que fui levada a sala ao lado do galpão.

Fiquei um tempo só naquela sala até que o Comandante chegou e mais uma vez falou sobre as atrocidades que pretendia fazer conosco, eu estava com tanta raiva a essa altura que isto tinha superado meu temor da morte certa, eu já estava tão lúcida do que nos aconteceria que as lágrimas do meu medo e dor foram substituídas por um rosto quase sem expressão que antecipava o sentimento de luto.

Ainda lembro como este primeiro diálogo, e praticamente último, aconteceu:

- Você não está com medo de mim?

- Eu tenho medo do incerto e não do que eu sei que vai acontecer.

Ele deu um sorriso irônico, tocou meu rosto e disse:

- Gostei de você. É diferente da maioria que passou por esta sala.

Eu desviei meu rosto do seu toque o que interrompeu sua fala.

- Você não quer que eu toque em você. Não é? Eu aceito seu desejo, aproveito e mato sua família primeiro, acho que eles não tem tanto problemas com toque.

- Por favor, não! Não! Deixe eles em paz. Deixe-nos em paz.

- Deixá-los em paz? Salvei suas vidas. Meus homens os tiraram de uma droga de barraco numa mata cercada de canibais, os trouxemos pra cá, demos água, abrigo E VOCÊ ME DIZ PARA DEIXAR VOCÊS EM PAZ?!

- Não pedimos por isso. Então nos largue lá fora seu maluco psicopata. Nós sabemos sobreviver sozinhos.

- Olhe como fala comigo! – Ele disse puxando meu cabelo pra trás e levantando meu rosto em sua direção e logo depois acertou minha cabeça na mesa a minha frente.

Senti uma dor aguda e forte o suficiente pra bagunçar meus sentidos e o ouvi esbravejar e derrubar alguns objetos enquanto eu tentava recuperar plenamente os sentidos. Fiquei um tempo atordoada, mais ou menos o tempo até que senti o gosto na minha boca do sangue que escorreu pelo corte que se abriu na testa com a pancada.

- - Desculpa. Não foi minha intenção fazer isso. – Ele disse enquanto limpava suavemente meu rosto com um pano.

- Tire a mão de mim seu doente.

- Quanto você vai ter que sofrer até aprender a falar comigo? – Ele disse pressionando com força o ferimento da minha testa.

- Pare! Pare! Pare com isso, por favor!

- Muito bem. tá vendo como é fácil?

Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now