Ainda assim, devo admitir que a parte destruída dói. E como é a dominante, sinto perder o chão mesmo sabendo que ele ainda está bem embaixo de meus pés.
Mas não posso ficar aqui. Não estou a fim de ouvir os sermões da Tathi ou o "eu te avisei" da Bruna. Preciso de silêncio, por isso sigo para a outra parte do playground do prédio, onde ficam os brinquedos infantis.
Pelo caminho reviso minha conversa com o P.H. e sinto uma mistura de raiva dele e de mim ao mesmo tempo. Em um ataque de ódio desmancho o penteado de Babeti e jogo o prendedor de cabelo no chão.
Como há um casal se pegando na casinha em cima do escorrego, me sento no brinquedo gira gira bem longe deles e, dando impulso com o pé, começo a me movimentar.
Depois de alguns rodopios ouço um barulho diferente, um tec tec engraçado sob o cimento. Quando o gira gira completa mais uma volta vejo Bernardo entrando no espaço do playground com sua muleta.
Cada vez mais devagar o brinquedo vai parando aos poucos conforme meu vizinho avança e finalmente fica imóvel no momento em que ele chega.
Não o encaro, pois estou de costas para Bernardo graças á posição em que o brinquedo parou, porém o sinto começar a girar novamente alguns segundo depois. O movimento faz Bernardo entrar em meu campo de visão mais uma vez e percebo que é ele quem está impulsionando o brinquedo com as mãos.
Assim que ficamos frente a frente ele para o gira gira num gesto brusco e sorri.
-Suas amigas estão preocupadas. Você sumiu de repente.
-Elas vão sobreviver sem mim. – respondo um pouco mais áspera do que gostaria.
Ele então se senta no gira gira ao meu lado com as pernas para dentro do brinquedo e dá impulso no chão com sua muleta. Começo a rodar lentamente mais uma vez.
-Quer me contar por que você resolveu se esconder aqui?
-Não estou me escondendo. Só queria ficar um pouco sozinha.
-Ah, desculpa. - ele diz sem graça e para o brinquedo num rompante, como se fosse ir embora.
-Não. Fica. –seguro seu braço.
Ele olha nos meus olhos e parece perceber o quanto preciso dele.
Seus pés então fazem o brinquedo retomar o movimento. Solto seu braço, desviando meus olhos dos dele para mirar as poucas estrelas que o céu da cidade me permite ver. De alguma forma me sinto no centro do universo, como um astro se deslocando no espaço.
-Não é incrível e ao mesmo tempo estranho que nesse exato momento a Terra está se movendo a mais de mil quilômetros por hora e ninguém em nenhum lugar do mundo consegue perceber isso? Digo, é pura física, mas...
-...parece uma espécie de milagre. –ele completa.
Baixo meu rosto para encará-lo de novo.
-É.
Ele sorri e impulsiona mais uma vez o gira gira antes que este pare.
-Não vai mesmo me contar o que aconteceu? – ele pergunta tocando meu ombro com o seu como encorajamento.
Faço um sinal negativo com a cabeça.
-Às vezes as palavras atrapalham mais do que ajudam.
-Verdade. Mas eu sei uma coisa legal que a gente pode fazer em silêncio.
Olho para ele intrigada.
ESTÁ A LER
Mens@gens
Teen FictionMedo do futuro. De ser reprovada na escola. De não ser correspondida. Medo de escolher a profissão errada. De desapontar os pais. De que aquela espinha bem na ponta do nariz nunca vá embora... Toda garota no universo já passou por isso e com a c...