Sete

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Sempre quando passo um fim de semana na casa do meu pai me pergunto no dia seguinte em como consegui sobreviver.

  Não tenho voz ou desejos quando estou lá. Se falo algo, no máximo são monossilábicas: sim, não, hum, é...

  O monólogo shakespeariano é sempre todo dele.

  Mesmo com as mensagens do P.H. me senti como um balão envolto em arame farpado. Presa, rígida, tensa. Tendo medo de ser eu mesma.

  Acho que é isso que meu pai não suporta: que eu seja desse jeito (embora milhões de pais queiram ter uma filha como eu) e não da forma como sempre sonhou, a senhorita certinha onde cada ponto final vem precedido por um “sim, senhor”.

   Por isso sinto um alívio no peito ao sair do elevador e abrir a porta do apartamento em Ipanema. Quero dizer, enquanto tento abrir a porta.

  Será que é só comigo que essa coisa emperra? Aposto que sim. Eu não apenas atraio a Lei de Murphy, devo ser um componente essencial da fórmula dela.

    Na terceira tentativa a porta se abre e logo me deparo com meu irmão jogado no sofá jogando vídeo game. Um evento raro, já que o Rafa estuda Química na UFF e mora lá pelos lados de Niterói. Dificilmente ele atravessa a baia de Guanabara para vir ao Rio e, quando faz isso, é apenas para encher a máquina de lavar com roupas sujas e esvaziar nossa geladeira. Se tiver Choppada em um fim de semana então ele nem dá as caras em Ipanema. Às vezes até vêm ao Rio, mas fica pela Lapa mesmo e de lá volta pra Niterói.

  Papai odeia isso, é claro. Ele gosta de ter controle sobre os filhos. Então como compensação desconta em mim e no Samuca. Tudo bem, mais em mim, admito.

    -Meu Deus! Estou tendo uma visão? – brinco me aproximando do sofá.

   -Bom dia pra você também. –ele responde sem olhar pra mim.

   -Achei que tivesse esquecido o caminho pra Ipanema. O que foi dessa vez? Acabou a roupa limpa?

   -Dona Fernanda me intimou a vir pra casa. Aparentemente eu sou um filho ingrato.

   -Pois fique sabendo que o papai também não está nada feliz com você. Já falou umas três vezes que vai até Niterói te catar à unha se você não for lá.

   -Bom saber que o Coronel está como sempre: intragável. Não sei como você aguenta.

   -Mas aposto que tem uma teoria...

   -Talvez. Ainda estou me decidindo entre masoquismo crônico e síndrome de Estolcomo. Quando é que você vai assumir o controle da sua própria vida?

   -Aos dezoito? Assim que assumir o controle do meu próprio carro?

  -Isso nunca vai acontecer.- ele ri.

  -O quê? Assumir minha vida ou ter um carro?

   -Com nosso pai por perto? Os dois!

   -Nossa. Obrigada pelo encorajamento. –devolvo irônica- E a mãe? Cadê?

   -Saiu.

   -Pra onde?!

   -Podóloga, eu acho. -ele responde ainda atento a tela da TV.

   -Em pleno domingo? A essa hora?

   -E eu que sei? Acho que elas são amigas e a mulher abriu exceção pra ela. Alguma coisa assim...

   -Valeu, incompetente. Vocação zero pra moleque de recados. –brinco indo em direção ao corredor.

   -De nada, chokitinha.-ele devolve tocando no meu ponto fraco.

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