Treze

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   Saio do banho e logo sou surpreendida por um gostoso cheiro de bolo vindo da cozinha. Obra da nossa diarista, claro.

   Antes de ir conferir se trata-se do meu sabor favorito (ela sabe que amo bolo de cenoura com calda de chocolate) desembaraço os cabelos com creme e toda a paciência do mundo.

   Do vizinho começa a vir uma música diferente que eu nunca tinha ouvido antes. Sou atraída por ela e quando me dou conta já estou na sacada tentando entender a letra.

   Como ainda assim não a reconheço pego o celular no quarto e clico no app que serve para descobrir o nome de músicas desconhecidas.

  A resposta vem rápido "Wonderwall-Oasis".

  Procuro a letra na internet. Antes que a encontre minha diarista entra de repente na sacada pela porta da sala.

-AveMariameninaquesusto. QueéquevocêestáfazendoaíEspionandoosvizinhos?Acheiqueestivessetomandobanho!

   Talvez eu não tenha mencionado antes, mas nossa diarista tem a incrível habilidade de faze cada frase parecer a mais longa palavra do mundo. Ela praticamente não respira quando está destilando seu arsenal verbal, o que me deixa tonta. Embora pela lógica quem devesse ficar era ela.

   -Eu? Espionando? Tá louca? – desconverso.

    Ao me virar vejo que Bernardo apareceu na sacada de seu apartamento, talvez atraído pela minha voz.

    -E aí? Vamos fazer aquela parada de Português?

   -Sim. Se importa de sermos só nós dois? A Priscilinha não vai poder vir.

   Bernardo responde que não tem problema algum e logo minha diarista faz um som como se estivesse limpando a garganta, embora eu saiba perfeitamente o que ela quer de fato com isso.

   -Bernardo, essa é a Babeti nossa auxiliar do lar. Babeti, esse é o Bernardo nosso vizinho que acabou de se mudar de São Paulo.

   Minha diarista diz algo que deve conter no mínimo umas trintas palavras juntas, mas não presto atenção nela e sim no Bernardo que está fazendo uma expressão confusa no rosto.

   E eu entendo o porque. Babeti, na verdade, ou melhor dizendo, na certidão de nascimento se chama Bruno da Silva. Seu apelido foi colocado pela minha mãe por causa de um filme e, depois disso, ele, quero dizer, ela agora o usa pra tudo.

   Bernardo, no entanto, não sabe da história e é por isso que ainda está tentando entender a Babeti quando digo que já estarei indo pro apê dele para fazer a atividade de produção de texto.

   Antes de voltar pra cozinha Babeti me cerca querendo saber mais do "bofinho paulista". Digo tudo que sei sobre ele e antes que eu saia ela pega a vasilha na qual Bernardo havia me dado o salmão e a enche com três pedaços de bolo de cenoura. Pois segundo Babeti (e sua avó) é muito indelicado devolver vasilhas vazias aos donos se elas vieram com comida.

  Ainda tentando entender essa regra desconhecida de sociabilidade e boa vizinhança da Babeti sou recebida na porta do apartamento pela mãe do Bernardo.

   Ela fica exultante com o bolo e elogia tanto que diz um dia querer conhecer a cozinheira. Mal sabe ela que é um cozinheiro. Mas isso também é apenas um detalhe.

   Bernardo sai do banho no exato momento em que me sento no sofá da sala. Ele está sem camisa, com o cabelo ainda pingando e diz que só vai botar uma roupa e pegar o material.

  Penso em fazer uma brincadeira perguntando se ele está fazendo propaganda de cuecas da Calvin Klein ou apenas se exibindo, mas me lembro que ainda não temos intimidade pra isso, apesar de já nos considerarmos amigos depois do que aconteceu hoje de manhã na sala da Odila.

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