Londres, 14 dias para o Natal
Apesar do Eddie ser meu companheiro a longo prazo, nós nunca nos casamos no papel. Quando ele me pediu para casar com ele, romanticamente na cama e logo depois de me comer por trás (acreditem, o Eddie realmente é muito romântico, o seu pedido é que não foi), nós tínhamos ambos dois casamentos e divórcios nas costas e eu achei, pelo nosso bem e pela esperança de que um início diferente fosse mudar todos os desfechos que tivemos até o momento, que merecíamos algo além do tradicional. Assim, trocamos votos na Gruta de Netuno, na Sardenha, na frente dos nossos filhos e dos nossos amigos mais íntimos, de onde seguimos para uma festança na praia com direito a shows, fogueira, o céu mais estrelado do mundo e eu e Eddie dançando, juntinhos, Forever, a música mais brega que o rock já teve notícias.
Já o meu casamento com o Tom foi tradicional e, ainda que não tenha sido na igreja, teve papel, pompa e circunstância. Por uma daquelas coisas que só o destino ou um Deus muito sarcástico explicam, Eddie caminhou comigo até o altar, ao som de As The World Falls Down, do David Bowie, e me entregou para o Tom, o homem que eu tinha certeza que amaria até o fim dos meus dias. Na maioria do tempo, eu sei que ainda o amo, embora de outra forma. Não hoje. Hoje eu acho que o odeio e tenho arrepios de horror ao lembrar que já me deixei levar pela sua lábia e que permiti que suas mãos escorregadias tocassem o meu corpo.
Kate, que está revirando os olhos por ter de procurar enfeites de Natal comigo, concorda pelo menos em relação a isso. Rê, que adora toda e qualquer compra na mesma proporção em que adora sexo, está reticente.
-Isso é tão suburbano – Kate resmunga, enfiando uma guirlanda qualquer no meu carrinho. Eu a retiro. É uma guirlanda de um verde tão doentio que ofende todo o conceito do Natal. – Lily quase fazendo dezenove anos e nós aqui, empacadas no pesadelo do Sr. Grinch.
-O melhor presente que a gente pode dar para a Lily é a segurança que a sua família estará unida e feliz no Natal.
Kate e Rê olham para mim e fazem "pffff".
Mais tarde, Eddie e Luca chegarão da Suíça para a comemoração de aniversário e um restaurante está reservado para toda a família, nuclear e estendida, jantar. Mas nada disso significa que um dia precise ser perdido e que eu não possa organizar um fabuloso Natal e ver minhas amigas enquanto isso. De repente, um pensamento pavoroso me ocorre:
-O Tom nunca volta para casa no dia vinte e quatro. Será que ele vai comer a Ella na minha Linda Casa? Debaixo do meu próprio teto? Debaixo do teto dos nossos filhos?!
-Só se fizer swing com você e o Eddie, porque não tem nem espaço para ele trepar com alguém a não ser na sua cama – Kate, aquela insensível, responde.
-Parem tudo – Rê nos interrompe. – Só tenho uma hora livre e estamos sem foco. O que, exatamente, estamos procurando? Você tem algum tema? Alguma cor básica?
Nossa, estou tão desarvorada pelas últimas tragédias que nem me toquei que meus Natais são sempre temáticos.
-Por que você só tem uma hora, Rê? – Kate pergunta. – E aquela história de ter chegado a uma posição na vida em que pode ao menos tirar uma tarde de folga?
-Tenho uma aula experimental de aeróbica tailandesa em uma hora e dez minutos. Estou me preparando para encarar a nova fronteira.
-Que nova fronteira? – Eu pergunto com uma parte do cérebro. A outra está tentando decidir qual será o tema do Natal.
-Os sessenta anos.
Eu e Kate nos entreolhamos. Apesar da Rê se fazer de sonsa e ter um rosto e um corpo espetaculares, nós sabemos que ela tem sessenta e três e que está desbravando aquela fronteira já há um bom tempo. Kate revira os olhos, eu reprimo um sorriso e de repente a criatividade me atinge.
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Quando Dezembro Chegar
Short StoryDezesseis anos após parar de contar sua rotina em um diário, Malu volta para nos narrar um pedaço da sua época favorita, o Natal, e todo o caos que ela envolve. Tragédias inventadas e reais e tudo dando errado... Será que o espírito natalino consegu...