The Only Reason - HS

By laribsss

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É sempre tudo sobre ele. A culpa e a redenção, o pecado e a salvação, a dor e a cura, o problema e a solução... More

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By laribsss

❗Alerta de gatilho no decorrer do capítulo: insinuações sobre suicídio, abuso sexual e automutilação.❗



— Você não precisa fazer isso por mim, eu estou bem. — Iris fala olhando pra todos os lados menos os meus olhos. Belisco sua mão e ela vira seu rosto pra mim. A cor amarelo arroxeada debaixo de seus olhos fazem com que eles pareçam ainda mais escuros e sombrios.

— Eu quero. Não é como se eu tivesse alguma coisa melhor pra fazer hoje. — Agora quem desvia os olhos sou eu para que ela não veja minha expressão de tristeza e raiva por não saber lidar com tudo o que aconteceu e tem acontecido desde o dia que caí da escada.

— Eu estou com medo. — Ela sussurra parecendo uma criança assustada e respiro fundo tomando o papel de responsável e paciente.

— Tudo bem, sentir medo é normal, ainda mais numa situação como a sua. Mas vamos conseguir passar por isso da melhor forma, só precisamos saber por onde começar. — Falo tentando não transparecer meu nervosismo e ela franze o nariz.

— Eu não quero começar, sinto que se fizer isso, será o adeus definitivo e não quero perdê-lo outra vez. — Seus olhos ficam cheios de lágrimas e meu peito aperta com a força de mil nós.

— Não tem jeito fácil de dizer adeus, lembra? — Pergunto baixinho e ela assente com os lábios apertados. — Eu não faço a mínima ideia do que ele escreveu naquela carta, a única coisa que tenho certeza é que você precisa ler. Viver sem saber o que está ali vai te perturbar um dia após o outro até você enlouquecer de vez.

— Eu sinto tanta falta dele, Melanie. Nos falávamos todos os dias, nos víamos todos os dias... Achei que o conhecesse como ninguém mas me enganei, não vi o furacão que estava se formando dentro dele até ser tarde demais. — Ela confessa aos prantos e preciso contar até vinte três vezes para não cair no choro junto com ela.

— A culpa não foi sua, Iris. Você entende isso? — Pergunto baixinho e ela balança a cabeça negativamente com as lágrimas manchando seu rosto.

— Eu deveria ter agido de forma diferente, ter sido mais presente e não deveria ter ficado tranquila com a ideia dele voltar pra casa depois de tudo o que aconteceu. — Ela diz com raiva e suas palavras me atingem com violência. Vejo meu próprio reflexo na sua dor, raiva e mágoa de si mesma, e entendendo a dimensão de tudo o que está acontecendo com ela, mudo o rumo da conversa pra tentar fazer pela minha melhor amiga o que ela já fez por mim: me livrar do peso da culpa de uma tragédia que eu não tive participação.

— Você não tem culpa, Iris. — Afirmo levantando a voz olhando diretamente em seus olhos. — August estava lutando contra os seus próprios demônios e infelizmente, não conseguiu vencê-los. Você deu apoio, amor, atenção e todos os cuidados necessários pra ele superar toda aquela bagunça mas não era disso que ele precisava. Quando a dor é tão forte que nos faz perder a visão e todos os outros sentidos, tudo o que queremos é dar fim em tudo que nos sufoca, é uma luta infindável contra a tristeza, raiva, mágoa, vazio e dor. — Minha voz falha terrivelmente e percebo que estou trêmula ao ponto de bater os dentes enquanto falo. — Nada disso foi sua culpa, você sempre foi mais que uma amiga e tentou ajudá-lo de todas as formas possíveis. A culpa não é sua.

— Eu não consigo ver por esse lado. Só consigo fechar os olhos e vê-lo perdendo a vida em um maldito replay. — Ela diz secando o rosto com força e puxo suas mãos para que ela não se machuque.

— Você acha que eu tenho culpa pela morte do meu pai? — Pergunto bruscamente e ela não demora pra responder.

— Óbvio que não, você era uma criança e não tinha como controlar o que poderia acontecer naquele dia. — Ela diz como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e eu cruzo os braços com dificuldade. Mesmo tendo mais de um mês desde o acidente, ainda sinto dor no meu ombro e tenho um pouco de dificuldade em fazer movimentos bruscos.

— E você, uma adolescente, tinha como controlar uma pessoa com depressão, crises de ansiedade, problemas em vício de drogas e álcool? — Rebato e ela solta um suspiro de susto. — Me responde, Iris. Você teria como controlar alguém que não tinha um pingo de controle há tempos?

— Você não vai me ganhar com essa psicologia reversa. — Ela reclama fazendo cara feia e eu tenho vontade de sacudir seus ombros até o juízo voltar para o lugar certo.

— A questão não é ganhar, Iris. É você parar de carregar um peso que não é seu e conseguir viver tranquila com tudo o que aconteceu.

— Viver tranquila do mesmo jeito que você? Com a mesma tranquilidade que você tem quando foge pra ficar horas a fio se escondendo no quarto de hospital daquele garoto do acidente de moto? — Ela questiona ironicamente com a sobrancelha erguida e sinto como se tivesse levado um tapa no rosto. Respiro fundo antes de falar sentindo o ar pesado demais ao nosso redor.

— Justamente por não conseguir ficar bem dentro da minha própria casa que eu não quero que você passe por isso. Eu vivi anos da minha vida sem saber o que era me sentir amada por alguém e tinha o peso do mundo nas minhas costas por acreditar que tinha culpa na morte do meu pai. — Rebato num tom de voz rude e áspero, me aproximo e ela vira de costas pra mim. Espero até que ela vire mas quando vejo seus ombros balançando, começo falar mesmo sem conseguir olhar em seus olhos. — August e meu pai se foram e isso é uma merda? É. Sentimos falta deles? Todo santo dia. Temos culpa ou responsabilidade sobre isso? Não. A vida deles estava em nossas mãos? Não.  — Coloco a mão sobre seu ombro trêmulo e ela se vira me abraçando com força e chorando.

— Eu não consigo tirar de mim essa sensação de que poderia ter feito mais. Nós éramos melhores amigos e como eu não vi isso tudo acontecer?! — Ela resmunga entre soluços e passo a mão no seu cabelo.

— Você era amiga do August antes de toda aquela bagunça, Iris. Ele mudou bruscamente e você continuou presa a antiga imagem dele, e está tudo bem porque é difícil demais aceitar esse tipo de mudança. Ele era carinhoso e dividia todo e qualquer detalhe com você, e, de repente se trancou num cofre de tristeza e confusão. Você precisa entender que mesmo que você tivesse visto tudo isso chegando, o final não seria diferente porque o próprio August não via outra solução além do que ele, infelizmente, acabou fazendo. — Falo com um nó na garganta enquanto ela continua chorando baixinho. Ficamos abraçadas até que minha melhor amiga se afasta secando os olhos com uma expressão de dar dó.

— Você acha mesmo isso? — Sua voz é baixa e falha pelo choro.

— Eu tenho certeza. Já estive num lugar parecido com o dele, lembra? — Levanto meu braço esquerdo e ela assente com os olhos cheios de lágrimas não derramadas.

— Fingi por todo esse tempo que estava bem pra não deixar meus pais mais preocupados. Eles tentaram me levar pra fora do país  depois que mãe dele disse que era minha culpa. Isso ecoa na minha cabeça até hoje.

— Por acaso você dava as lâminas que ele usava pra se machucar? Você comprava as drogas, álcool e os remédios pra ele? Foi você quem deu os remédios e aquele veneno pra ele tomar? Até onde eu sei, você deu colo, respeito, compreensão e amor pra ele. Tudo o que ele deveria ter tido dentro de casa e não teve. — Minha voz falha e meu peito arde com uma raiva que quase me sufoca. — Olha, eu acho que você precisa entender o que aconteceu pelo ponto de vista dele, Iris. E isso só vai acontecer quando você ler todas as dezoito cartas que ele te deixou. Inclusive a última, que você deveria ter lido no aniversário de vocês.

— Tenho medo de saber como ele me enxergava, e se ele disser que eu tenho uma parcela de culpa nisso tudo?

— Conhecendo seu melhor amigo como você conhecia, acha mesmo que ele perderia tempo escrevendo dezoito cartas, se você fosse causadora de parte da tristeza dele?

— Ele me mandaria para o inferno. — Ela diz num quase sorriso e reviro os olhos.

— Acho que você precisa disso pra ter paz.

— Preciso ler isso perto dele mas tenho medo de ir até lá. — Ela confessa e aperto sua mão.

— Como vocês comemoravam os aniversários mesmo? — Pergunto e seus olhos se iluminam, a tristeza e medo perdendo esse round para boas lembranças.

Me sento em sua cama enquanto ela fala sobre os aniversários e as manias de August. Ela põe uma caixa organizadora enorme sobre a cama e assim que abro, me deparo com memórias de um tempo onde não tinha espaço pra tanta dor. As horas parecem passar devagar quando saímos da casa de Iris com uma bolsa com itens da caixa organizadora e um envelope com dezoito cartas que parecem pesar doze toneladas. Atravessamos a cidade com Iris parecendo tensa atrás do volante, reparo que ela abre a boca e fecha várias vezes feito um peixe querendo respirar fora d'água. Meu celular vibra com uma mensagem de Anne e me apresso em responder, Iris para o carro num sinal e sinto seus olhos sobre mim.

— Não deveria ter falado que você se esconde no quarto de hospital daquele menino. — Iris fala baixinho e bloqueio a tela do celular.

— Tudo bem. — Respondo sem conseguir olhar pra ela porque sei que no fundo, ela não mentiu.

— Não está tudo bem. Eu me preocupo com você e tenho visto a nuvem de tristeza pairando sobre a sua cabeça. — Ela dá partida no carro e pela janela vejo que estamos saindo de Kierstenside. — Não deveria ter falado daquele jeito.

— Eu me sinto confusa, com raiva, com medo e a pessoa mais ingrata do mundo.

— Você me prometeu que não se fecharia nem voltaria a se machucar, Melanie. Por que você não conversa mais comigo?  — Sua voz fica trêmula e isso é um soco no meu estômago.

— Eu não vou fazer aquilo de novo, eu não vou voltar atrás. Tem dias que mal consigo sair do meu quarto. Fico me sentindo a pior pessoa do mundo porque estou cercada de atenção e amor, meus avós são pessoas maravilhosas mas não consigo me sentir confortável. Eles me tratam como se não tivesse um abismo de mais de dez anos entre nós, falam do meu pai com tanta naturalidade que fico me sentindo perdida, fora que toda vez que Gleene me vê, ela faz questão de dizer que tenho os olhos dele.

— Você já conversou com eles sobre isso? — Ela pergunta sem desviar os olhos da estrada.

— Não, eu me sinto muito culpada por não agir com naturalidade quando alguém faz essas comparações. Passar as noites com Harry e manter contato com a mãe e irmã dele têm sido uma válvula de escape, consigo me concentrar em alguma coisa que não seja o peso em ser a filha do Alex. — Falo sentindo minha boca amargar pelo tamanho da vergonha que é admitir isso.

— Eles te pressionam pra você ser uma continuação do seu pai? — Ela pergunta e fico em silêncio pensando nas conversas que já tive com meus avós.

— Eles não fazem isso, meus avós me respeitam e acho que nunca pensaram nisso. Eles dizem o tempo todo que só querem me ver feliz. Só não aprendi a lidar com essa mudança repentina, eu não recebia nem um bom dia e desde que fui pra lá, encontro bilhetes dizendo que sou importante e com frases motivacionais em todos os lugares da casa. Outro dia achei um bilhete dizendo que o oceano era pequeno pra guardar o amor que eles tinham por mim. Achei fofo e quase chorei mas sabe onde estava? Dentro da minha meia!

— Agora eu te entendo, é a síndrome do cachorro recém adotado. — Ela fala como se tivesse toda certeza do mundo e dou risada.

— Síndrome do cachorro recém adotado?

— Sim. Você estava acostumada a sofrer e ficar indo de um lado pro outro, aí agora tem tudo o que sempre sonhou e está com medo de se jogar de cabeça e abrir seu coração. Seu inconsciente deve achar que derrubar todas as suas muralhas de proteção te põe em risco, é mais seguro se manter inabalável. Imagina se você abre seu coração e baixa a guarda pra em seguida eles cansarem de você? Se entregar de vez dá a sensação de estar correndo risco de perder o carinho e lar que conseguiu encontrar depois de tanto tempo vagando por aí. Por isso você fica surtando e vendo coisa onde não tem. Tudo bem estranhar a naturalidade com que eles falam do teu pai e agem com tranquilidade em relação a sua volta, você só precisa lembrar que eles aprenderam a lidar com a morte dele enquanto você era lembrada, todos os dias, que tinha sido a culpada por isso.

— Acho que faz sentido. — Admito e ela entra num estacionamento, encontramos uma vaga com dificuldade e saímos do carro.

— Claro que faz. Você não precisa se sentir a pessoa mais ingrata do mundo, só precisa conversar com seus avós e talvez tentar uma terapia com eles.

— Parando pra analisar, acho que nós duas precisamos de terapia. — Falo pegando a bolsa e ela pega o envelope antes de trancar o carro.

— Pois é, somos uma dupla e tanto. — Ela diz e ficamos em silêncio por todo o caminho até a lápide de August.  

— Você quer ficar sozinha com ele? — Pergunto e ela balança a cabeça negativamente. Estendo minha mão e ela segura com força até que chegamos numa área cercada de grama verde e pedras de mármore escuro com nomes, datas de nascimento e morte. Fico tensa quando Iris para na frente da única lápide branca nesse lugar. Ela solta a minha mão e ajoelha com todo cuidado do mundo ao lado do nome do melhor amigo dela. Lágrimas se forçam para sair dos meus olhos mas respiro fundo tentando manter o controle das minhas próprias emoções quando ouço o primeiro soluço do choro de Iris. Me ajoelho ao seu lado e choro em silêncio sem saber o que fazer para amenizar tanta dor. 

— Melanie, esse é o meu melhor amigo August. August, essa é a minha melhor amiga Melanie. — Ela diz pegando minha mão e colocando junto a sua na lápide e juro que se não estivesse me esforçando ao máximo para manter o controle dos meus próprios sentimentos para dar o suporte necessário para Iris, teria tido um colapso nervoso.

— Queria que tivéssemos nos conhecido de forma diferente. — Falo com sinceridade e Iris assente secando o próprio rosto.

— Gust, sinto tanto a sua falta. Todos os dias me lembro de você e ainda ligo para o seu celular deixando mensagem de voz esperando sua ligação de volta. Tanta coisa aconteceu desde que você se foi, sinto sua falta todos os dias, sem exceção. Eu não queria vir aqui hoje, me sinto culpada por me sentir assim e, acima de tudo, me sinto culpada pelo o que te aconteceu. Ainda não consegui abrir suas cartas, tenho tanto medo, nem sei por onde começar. Se não fosse pela insistência de Melanie, nem teria saído de casa hoje. — Sua voz falha e sinto meu próprio coração doer com sua confissão. — Eu sinto muito, por tudo. Isso não deveria ter acontecido desse jeito, você foi um idiota em não conversar comigo sobre isso! Me contar com detalhes sobre o primeiro pau que você chupou? Ok. Agora se abrir comigo e dizer que estava precisando de socorro era pesado demais? Você tinha que ter me dado uma chance pra te ajudar, merda!

— Iris, abaixa o tom. — Chamo sua atenção e ela para de apontar o dedo na lápide, ela me olha e mostro um enterro acontecendo há menos de cinquenta metros de onde estamos. — Briga com ele mas faz isso falando mais baixo, temos que respeitar aquela família ali. 

— Devo estar parecendo uma maluca gritando com você desse jeito, me desculpa. Eu só quero entender o motivo disso tudo, qual foi a razão pra isso tudo acontecer. — Ela passa a mão no cabelo e fica em silêncio. Volto minha atenção para a bolsa e me forço a ignorar meu celular vibrando no meu bolso. — Trouxe as suas cartas e algumas coisas da nossa caixa preta. Não sei por onde começar, você sabe que eu detesto me sentir insegura.

— Você já abriu o envelope onde sua mãe guardou as cartas? — Pergunto baixinho e ela nega.

— Começa fazendo isso, abre o envelope e vai se baseando pelas datas.

— Por qual você começaria? — Ela pergunta encarando a lápide com as mãos na cintura.

— Não iria me aguentar de curiosidade, leria a última e depois seguiria a ordem até voltar pra última outra vez. Faz sentido pra você? Na minha cabeça faz total sentido seguir essa ordem.

— Faz, me ajuda aqui. — Ela pede pegando a bolsa e o envelope.

Iris forra uma manta azul escura sobre a grama para nos sentarmos  e pega o envelope com as cartas. Ela se encosta na lápide e abre com cuidado o envelope pardo estufado por várias cartas. Iris morde os lábios com força quando sentimos o cheiro fraco de perfume masculino vêm das cartas.

— É o cheiro dele. — Ela diz e fico em silêncio secando meus olhos em silêncio. — Ele teria adorado tirar sarro de você por ser chorona. — Ela diz em tom de brincadeira e belisco sua mão.

— Eu não sou chorona. — Resmungo e ela ergue as sobrancelhas. — Só bebo bastante água e ela precisa sair por algum lugar. Você também não fica atrás nesse requisito, só gosta de se fingir de durona. Abre logo isso. — Apresso e ela assente.

— Chega mais perto, lê comigo. — Ela pede e me aproximo quando ela abre com cuidado e começa a ler a última carta deixada por August.

(...) — "Eu sinto muito por toda dor que vai ficar pra trás até você ter coragem para ler tudo o que eu deixei.

Sinto muito por não conseguir me abrir com você, sei que isso vai doer descontroladamente.

Sinto muito por não ter forças pra lutar.

Sinto muito por não enxergar outra saída.

Sinto muito por não ter sido capaz de continuar.

Eu sinto muito por tudo, Iris.

Você é e sempre será a minha metade, não sei se é humanamente possível mas me odeio ainda mais por por deixá-la sozinha. Saiba que se existir um último pedido para o que estou prestes a fazer, peço pra alguém de coração puro ser enviado para cuidar de você do jeito que você sempre fez comigo.

Escrevo essa carta com as mãos trêmulas pelo peso que carrego em meus ombros e a dor infindável que sinto em todo o meu corpo e alma, só consigo dizer que sinto muito por não conseguir lutar e ceder ao egoísmo de me pôr em primeiro lugar sem olhar para os lados. Sou grato por tudo que você e sua família fizeram por mim. Não tenho o direito de te pedir nada mas pedirei mesmo assim: me perdoe. Não me odeie. Se cuide. Eu te amo, Iris. Te amei desde o primeiro dia em que te vi e te amarei até depois do meu último.

Seja feliz e realize nossos planos, estarei torcendo por você por toda eternidade.

Com amor, saudade e ansiando pela paz e liberdade que nunca tive, August.”

Diferentemente de mim, uma bagunça de lágrimas e soluços, Iris está em silêncio passando a ponta dos dedos na caligrafia de seu melhor amigo. Esfrego meus olhos na barra da blusa e prendo a respiração tentando controlar meus sentimentos. A dor de August está explícita em cada palavra escrita e isso me dói profundamente. Sinto meu corpo inteiro ficar tenso quando Iris dobra a carta com cuidado e olha pra mim.

Um silêncio pesadíssimo cobre o lugar e o único som ao nosso redor é uma oração baixinha indicando o término da cerimônia fúnebre acontecendo há poucos metros de onde estamos e meu choro que não cessa desde que Iris leu todas as cartas e releu a última carta uma segunda vez.

— Viu? Eu disse que você era chorona, Melody. — Ela fala baixinho e fico parada esperando alguma reação. — Eu não fazia ideia que ele se sentia assim.

— Sinto muito, Iris. Queria falar alguma coisa pra te confortar mas não consigo formular nada que preste. — Ela sorri e aperta minha mão.

— Ele disse tudo o que eu precisava ouvir, continuo sentindo uma bigorna pressionando meu coração mas agora consigo entender os motivos dele. Não aceito e nunca vou aceitar isso que aconteceu, muita coisa não me surpreende já que ele confessou algumas coisas quando o encontrei naquele maldito dia.

— Não entendi. — Falo me sentindo envergonhada.

— Eu só precisava entender se isso foi pensado ou de cabeça quente, sabe? Uma atitude impulsiva que ele não teve como voltar atrás. Essa primeira carta foi escrita pouco tempo depois que ele saiu do hospital após a invasão que aconteceu na casa dele.

— Ah.

— Nunca vou aceitar isso que aconteceu com ele. — Ela diz balançando a cabeça.

— Você está mais tranquila?

— Sinceramente? Não. Me sinto ainda mais perdida e com certeza mais revoltada por ter certeza que a verdadeira culpada é a mãe dele. Me sinto enjoada e injustiçada por tudo o que aconteceu.

— O que você vai fazer agora?

— Não sei, vou precisar de tempo pra assimilar essas coisas que estão escritas aqui. — Ela diz apontando para a pilha de cartas. — Obrigada por ter vindo comigo.

— Sempre que precisar. — Afirmo batendo os dentes de nervoso e ela sorri.

— Desculpa mesmo por ter sido uma idiota, estou sentindo meus nervos a flor da pele.

— Já disse que não tem problema. — Minto e ela aperta os olhos.

— Tem sim, tinha um jeito menos idiota de dizer que esse apego que você está criando com essa família não é saudável.

— Não foi nada planejado. Tento vê-lo pelos olhos da mãe e da irmã caçula e sinto como se o conhecesse antes desse acidente.

— Tá, mas e se ele for um idiota com você se acordar?

—  Quando ele acordar, ele está se recuperando e logo vão diminuir a sedação. — Repreendo e ela me dá língua. — Não sei, só sei que passar as noites com ele me distrai e não fico me preocupando com as merdas da minha vida.

— Dá vontade de chutar sua canela quando você fala assim.

— Só estou falando a verdade, eu tenho me sentido assim a maior parte do tempo. Vou precisar tomar uma boa dose de coragem pra conseguir conversar com meus avós.

— É só agir do mesmo jeito que eles fazem com você, tente agir com naturalidade e sinceridade.

— É difícil.

— Isso aqui também era, lembra? — Iris pergunta mostrando ao redor e eu assinto em silêncio. —  Eu tô com você.

Nos abraçamos brevemente e quando Iris se sente pronta pra dizer adeus a August, recolhemos tudo o que trouxemos e após uma oração meio sem jeito, caminhamos devagar até o estacionamento.  O céu está nublado e o vento frio indica o início de noite. Quando chegamos em Kierstenside está chuviscando, aviso minha avó que não vou jantar e recebo uma confusão de emojis de palmas e corações. Iris insiste para passarmos no Griffins e fico embasbacada com o tamanho da sua fome quando ela termina de fazer seu pedido. Me distraio no celular enquanto minha melhor amiga come feito uma condenada à forca. Iris me cutuca por baixo da mesa e aponta o início de uma confusão numa mesa próxima a porta da cozinha.

— Eu não tenho sido nada além de compreensiva e mente aberta, Richard. Você não pode jogar essa bomba pra cima de mim, eu vim pra ajudar a vovó nesse momento difícil, não tenho estrutura pra assumir essa responsabilidade. — Uma menina de cabelos cacheados resmunga cruzando os braços. — Meu foco é voltar pra Liverpool e conseguir me firmar com meu consultório.

— Ele era seu avô, você deve isso a ele. — O outro cara fala num tom áspero e Iris revira os olhos assistindo tudo comendo batata frita.

— Não devo nada a ninguém, essa chantagem emocional não vai funcionar comigo. — Ela aumenta o tom de voz e recua em seguida. — Eu acabei de enterrar o meu avô, acho que você deveria ter um pouco mais de noção e deixar essa história de testamento pra outro dia, não acha? — O cara fica de boca fechada e visivelmente bravo por ser contrariado, a menina de cabelos cacheados levanta e o deixa sozinho na mesa.

— Viu isso? — Iris pergunta mechendo as sobrancelhas e assinto discretamente. — Será que ela vai voltar? Quero saber o que está acontecendo.

— Deixa de ser fofoqueira. — Reclamo e ela faz careta.

— Só se você deixar de ser chorona.

— Você parece uma criança. Uma criança com vermes monstruosos pela quantidade de coisa que você comeu, de onde vem tanta fome?

— Não é fome, é o nervosismo. — Ela dá ombros e chama o garçom pra pagar a conta.

Saímos do restaurante com Iris fazendo suposições sobre a briga que vimos há pouco tempo, entro no carro dando risada das ideias malucas que ela faz questão de compartilhar. Com um último abraço ela me agradece pelo auxílio hoje e me deixa no portão de casa. Entro em silêncio e me surpreendo quando não vejo meu avô sentado na sala lendo algum livro.

Caminho até o meu quarto e me apresso em tomar banho, a água quente leva pra longe um pouco da tensão do meu corpo e me sinto cansada porém sem sono. Visto um conjunto de moletom azul escuro e escovo os dentes antes de deitar pra me forçar a dormir. Meu celular vibra e sorrio quando vejo a mensagem cheia de corações e flores que Niara mandou junto com boa noite. Mesmo sem querer, meus pensamentos vão até minha mãe e me pego pensando em como ela está. Me repreendo imediatamente e deito na minha cama. Coloco o celular no carregador na mesa de cabeceira e ligo a tv pra tentar dormir com o ruído de fundo. Estou flutuando entre a consciência e o sono quando a porta é aberta e minha avó entra no meu quarto com passos leves. Fecho os olhos quando ela chega mais perto e acaricia meu cabelo como faz todas as noites quando me ouve chegar.

— Boa noite, borboleta. Não se esqueça de que por mais difícil que tenha sido o seu dia, eu e seu avô estaremos sempre aqui. Somos dois velhos chatos mas te amamos mais que tudo.

Me obrigo a lembrar de suas palavras ao amanhecer e respiro fundo me permitindo tirar de vez esse peso que ainda carrego no meu coração. Acho que finalmente consigo entender que a única razão de toda atenção e cuidado que eles têm tido comigo não é o desejo implícito de que eles querem que eu seja uma cópia ou continuação do meu pai. Suspiro aliviada quando tenho a certeza que a única razão pra tudo isso é o amor que ambos sentem por mim e conseguir entender isso é libertador. Tento falar alguma coisa mas me sinto cansada demais e me entrego ao sono tranquilo que minha avó trouxe com seus carinhos e palavras doces.

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