In The Embers

By amendoline

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Um jovem policial tem um encontro ocasional com um médico de um dos maiores hospitais de Hong Kong. Desse enc... More

Introdução à fanfic
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9 [+ EXTRA: HUALIAN]
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16 [+EXTRA HUALIAN]
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20 [+EXTRA HUALIAN]
Capítulo 21
Capítulo 22 [EXTRA HUALIAN]
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25 [+EXTRA HUALIAN]
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35

Capítulo 26

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By amendoline

The truth is stranger than my own worst dreams

Now the darkness got a hold on me

I have seen what the darkness does

Say goodbye to who I was

I ain't never been away so long

Don't look back them days are gone

Follow me into the endless night

I can bring your fears to live

Show me yours and I'll show you mine

Meet me in the woods tonight

Meet me in the woods – Lord Huron

[4 anos antes]

O quarto estava escuro, apenas com algumas luzes saindo por debaixo da cortina da janela e pela brecha da porta. A pouca iluminação cegou inicialmente, mas depois de um tempo, as duas silhuetas conseguiam se enxergar bem, curvas acentuando-se pela penumbra da noite.

Hua Cheng estava na beirada da cama, o rosto baixo na altura das coxas de Xie Lian. O enfermeiro estava sorrindo, de bruços, os braços cruzados e seu rosto descansando neles, a face um pouco sonolenta; ele sentiu o médico acariciar entre suas pernas e beijar as suas nádegas várias vezes, o que o fez sorrir ainda mais, e depois, sentiu um carinho no peito ao perceber os beijos se estenderem pela parte mais acima, bem no meio de suas costas. O médico estava com as mãos em cada lado do quadril de Xie Lian como se o estivesse moldando; deslizando a palma pela pele lisa das costas, não havia nada sexual ali. Ambos sabiam disso, nem sempre era sobre sexo quando eles estavam juntos – mesmo que eles adorassem fazer e que tivessem feito a pouco tempo.

Quando o ritual de Hua Cheng acabou, ele deitou-se e ficou de lado, admirando o rosto de Xie Lian, que estava com os olhos fechados e um sorriso largo e gentil. Ele dedilhou a sua nuca e o enfermeiro finalmente o olhou.

"Eu adoro o seu corpo, ele é tão cheio de curvas." Disse Hua Cheng e desceu a mão até a bunda de Xie Lian novamente, a apertando. O enfermeiro, no entanto, não o respondeu, o seu sorriso desaparecendo aos poucos. Ele virou o rosto para o outro lado e suspirou, fazendo Hua Cheng estranhar sua atitude. "O que foi?"

"Nada." Ele respondeu baixinho, com a voz abafada entre os braços.

"Lian..." Pediu o médico, cutucando em seu ombro. O enfermeiro se virou novamente e o olhou.

"Você me acha afeminado?" Questionou baixo. Ele baixou a vista e descansou a bochecha no colchão e Hua Cheng pôde ver que sua testa estava franzida. "Acha que eu pareço uma mulher?"

"Não." Hua Cheng respondeu. "Você é você."

"Não é a primeira vez que você fala do meu corpo assim. Você fala sempre que não tenho pêlos, que eu tenho curvas, que eu sou delgado."

"Eu estou te elogiando quando falo essas coisas, você não gosta?" O médico o perguntou, a mão correndo pela coluna do enfermeiro em um carinho leve.

"Não é isso." Ele refez as palavras. "É que... sempre me falaram que eu era meio bicha, meio óbvio. E eu nunca gostei disso porque sempre me trataram diferente por eu ser assim e não é como se eu pudesse fazer algo a respeito para mudar o meu jeito."

Hua Cheng se aproximou dele e esticou o braço e Xie Lian sabia o que ele queria, se arrastando um pouco para colocar a sua cabeça descansando ali, bem entre o braço e o ombro do médico. Por ser menor em estatura e pequeno de um modo geral, logo o seu corpo foi abraçado e pressionado pelo do outro.

"Lian, não há problema nenhum com você. Para mim, você é perfeito. O seu jeito é o seu jeito, cada pessoa tem um. O problema não é você, o problema são as pessoas."

"Mas..." Ele continuou. "...eu tenho características femininas..."

"Todas as pessoas têm características de ambos os gêneros, e se fôssemos menos moralistas, teríamos bem mais pessoas livres para agir como gostariam."

"Mesmo assim, você... bem... você gostaria que eu fosse uma mulher em vez de um homem?"

Hua Cheng baixou o rosto e o encarou. Quando fez isso, Xie Lian, que antes o olhava esperando uma resposta, desviou a vista, encostando o rosto no peito do médico.

"Não." Hua Cheng o falou. "No entanto, isso para mim não faz diferença."

"Não entendi."

"Eu gosto de você, de tudo sobre você. Se você fosse uma mulher, eu provavelmente gostaria de você da mesma forma. Mas você é um homem, e para mim não faz diferença. Quando se trata de você... bem, o que eu sinto não é somente sobre o seu corpo."

Xie Lian colocou a mão sobre o peito de Hua Cheng, que a segurou. Sua boca curvou-se em um sorriso e ele ficou em silêncio por um tempo, sabendo que Hua Cheng dormiria em poucos minutos, o que realmente aconteceu. Quando o médico pegou no sono, ele se levantou um pouco e encarou o seu rosto como não pôde fazer minutos antes.

Ele o olhou encantado.

"Eu te amo tanto." Sussurrou e deu um selinho no médico, acarinhando sua bochecha. "Eu sinceramente te amo demais..."

[Presente]

O barulho do chuveiro forte batendo no piso era o único som no local, que estava trancado por dentro. Do lado de fora do boxe, Xiao ajudava Xie Lian a tirar a sua roupa, deslizando o seu jaleco pelos braços sem o enfermeiro sequer se mexer. O rapaz estava paralisado, o os olhos em orbes e tinha sangue por todos os lados em seu corpo, uma verdadeira bagunça; quando inseriu o dreno em Hua Cheng para permitir que o ar voltasse aos seus pulmões, o sangue drenado lhe sujou completamente e Xiao notou, ao ajudar Lian a remover as suas calças, que o enfermeiro tinha sangue sujando até mesmo as suas coxas e roupas de baixo.

Quando finalmente colocou Xie Lian embaixo do chuveiro, o ajudando a se banhar, Xiao notou que ele observou o sangue em seu corpo cair no piso, transformando-o num espaço vermelho, a água o carregando para o ralo. Isso fez Xie Lian mover os seus ombros e recomeçar a chorar, Xiao puxando o seu rosto contra o seu peito para consolá-lo e acalmar seu coração.

Já vestido com uma roupa limpa que o seu amigo tirou de seu armário no hospital, Xie Lian caminhou com Xiao até o lado de fora do centro cirúrgico, onde Hua Cheng ainda estava, mesmo que não estivesse mais em cirurgia; por questões de segurança, o hospital havia montado uma UTI reservada na sala e haviam seguranças do lado de fora e por todo o andar e a polícia também estava lá.

Mesmo que Xiao achasse que era um pouco demais, Xie Lian não se negou a prestar depoimento para a polícia assim que conseguiu colocar a cabeça um pouco no lugar; ele disse que não queria atrasar as investigações e que queria que algo fosse feito em relação ao que aconteceu a Hua Cheng e, mesmo debulhando-se em lágrimas, ele descreveu exatamente o que aconteceu, desde o homem que viu correndo até os primeiros socorros iniciais que fez no perito.

A tarde foi lenta e arrastada e apenas quando já era noite, Xie Lian conseguiu se sentar e organizar suas ideias. Ele ia até a porta do centro cirúrgico de tempo em tempo, ficava de ponta de pés e observava Hua Cheng, mesmo sem poder entrar. Os policiais e seguranças não o impediam de propósito, mas havia todo um protocolo no local e ninguém – nem mesmo Xie Lian – gostaria de desrespeitá-lo.

Vendo o seu amigo sentado nos bancos com as mãos torcidas e a cabeça baixa, Xiao saiu do elevador com um café grande nas mãos e um pequeno saquinho de papel e o colocou ao seu lado, ainda segurando o copo e o estendendo ao enfermeiro.

"Coma um pouco."

"Eu realmente não quero, Zhan-ge."

"Eu sei, mas não é sobre você querer. Já faz mais de doze horas do que aconteceu e você precisa se alimentar."

"Eu não sinto nem um pouco de fome, estou falando sério."

"Bem, isso é uma novidade." Xiao tentou brincar, mas nem ele mesmo conseguiu rir. "O café está do jeito que você gosta: chocolate, caramelo, chantilly... e também está adoçado." Xiao o falou. "Foi o Hua Cheng quem me disse que você gostava assim."

O enfermeiro o olhou e uma lágrima escorreu grossa por seu rosto. Hesitante, ele pegou o copo, tomou um gole pelo canudo e chorou baixinho enquanto tomava. "Está muito bom." Disse, com a voz embargada. "Realmente é como eu gosto."

"Ele realmente conhece você."

"Zhan-ge." Xie Lian falou arrastado, enxugando o rosto com o braço. "Eu achei realmente que ele iria morrer nos meus braços."

"Eu sei, mas ele não morreu." Xiao o respondeu. "Graças a você ele continua vivo. Você ouviu o cirurgião logo cedo, certo? Você foi muito rápido e corajoso, mesmo em choque, conseguiu colocar o dreno e o fez aguentar até que todos chegassem para o socorrer. Você não fez o procedimento muitas vezes e acho que nunca fez sem acompanhamento antes, estou certo?"

"Foi a primeira vez, eu estava apavorado." Disse. "Eu tive medo de errar e por minha culpa, ele morr—" Ele cortou as palavras, a voz falhando. "Eu não iria aguentar se algo acontecesse com ele. Eu juro por Deus, eu acho que eu iria morrer também."

"Não fale besteiras." Xiao o recriminou.

"Eu não estou falando besteiras." Xie Lian o cortou. "Zhan-ge, eu tenho vivido um relacionamento conturbado com ele por todos esses anos. Claro que você é educado demais para nunca ter questionado ou brincado sobre isso sequer uma vez, diferente de mim, que sou tão intrometido sobre tudo na sua vida. Eu sei que você sabia de nós dois e que sempre soube."

"Sim, era meio óbvio." Xiao o disse. "Mas eu me arrependo um pouco de não ter me intrometido. Talvez, se eu tivesse conversado mais com você, vocês teriam resolvido melhor quaisquer mal entendidos que havia entre os dois."

"Não, eu acho que não. Eu estava muito imerso em minhas próprias besteiras. E eu tinha muito medo de conversar com ele e... desfazer os laços, mesmo que os pouco e confusos laços que tivemos todo esse tempo." Ele parou e olhou para Xiao. "Tínhamos conversado minutos antes, tentamos arrumar as coisas. Essa noite, iríamos nos encontrar para esclarecer o que aconteceu entre nós e ele foi baleado... você não sabe como eu me sinto agora. Você não sabe o remorso que eu estou sentindo."

"Ei..." Xiao tocou o rosto do enfermeiro, que meneava a cabeça chorando. "... não acabou, tudo bem? Ele vai ficar bem, vocês vão conversar. Ele vai sair dessa."

Xiao se mexeu, sentindo a vibração do celular no bolso e o pegou, vendo que era uma ligação de Yibo. Ele pediu licença para Xie Lian, atendeu rapidamente e então desligou. O enfermeiro o encarou enquanto ele guardava o telefone novamente no bolso.

"Você não contou para ele o que aconteceu?" Xie Lian o questionou. "Seu plantão acabou a mais de 3 horas, como vai explicar ao agente Wang sobre o que aconteceu aqui?"

"Prefiro falar pessoalmente. Se eu tivesse dito algo a ele, ele teria vindo para cá e ele ainda está em recuperação."

"Ele vai ficar assustado por você, afinal, foi uma tentativa de assassinato no seu local de trabalho."

Xiao afirmou com a cabeça e não disse nada. Sim, ele sabia que Yibo iria discursar com ele por horas sobre o assunto. Mas o que realmente o preocupava, além da situação de seu amigo que estava ferido, era como ele iria conversar com Yibo sobre outro assunto: seu retorno à perícia.

Enquanto a confusão se instaurava no hospital, Xiao foi chamado pelo diretor para uma sala e se sentou com ele informalmente. Xiao, obviamente, já sabia do que se tratava, e mesmo sendo cruel demais que eles fossem falar de algo assim em meio à recente tentativa de assassinato de Hua Cheng, como o diretor mesmo disse:

"Infelizmente, doutor Xiao, não podemos ficar sem um time completo de peritos. Nosso hospital comporta todas as perícias criminais das quatro regiões e precisamos de 3 profissionais trabalhando em rodízio, você sabe melhor do que ninguém. A situação de Hua Cheng é horrível, ele é nosso amigo particular, mas eu preciso que você aceite retornar ao seu cargo de perito a partir de amanhã."

Xiao havia dito a Yibo que teve uma emergência e que por isso iria chegar em casa atrasado e que ele não o esperasse. O médico não queria deixar Xie Lian sozinho e até que o enfermeiro fosse convencido de que deveria ir embora com Xiao para casa, o médico não foi embora de lá.

Quando Xiao chegou com Xie Lian à casa de Yibo, descendo do taxi, o enfermeiro franziu a testa.

"Zhan-ge, que lugar é esse? É a casa do agente Wang? Você me trouxe para dormir aqui? Isso é muito inconveniente."

"Que nem você dormindo na minha cama sempre que quis e sempre sem pedir licença todos esses anos? Não seja bobo."

"É diferente." Eles desceram do carro e ficaram em frente à porta da casa. "Ele é seu namorado."

"Ele sabe que você vai dormir no sofá, eu mandei uma mensagem e ele não se importa com isso. Estamos morando juntos, a casa não é mais somente dele."

"Zhan-ge..."

"Deixe de besteiras, você tomou um calmante e precisa se deitar. Vamos."

Quando Xiao entrou, Yibo estava na sala, com lençóis em suas mãos. Xiao foi até ele, beijou seu rosto e tirou os lençóis de seus braços, colocando na alça do sofá. Yibo olhou para Xie Lian no canto da porta, estranhando o seu rosto pálido e avermelhado e os olhos fundos, mas não comentou nada.

"Fique à vontade." Ele disse simplesmente. "Não precisa se acanhar, pode entrar. Eu deixei uma toalha no meu banheiro para você tomar um banho."

"Obrigado, agente Wang, e desculpe a invasão."

"..."

Xie Lian foi tomar um banho e Xiao tocou o braço de Yibo, levando-o até a cozinha. Ele disse que iria lhe explicar todas as coisas e Yibo estava paciente, mas um pouco preocupado com isso, pois Xiao parecia nebuloso e com certeza lhe escondia algo.

Somente quando Lian saiu do banheiro, já vestindo um par de roupas muito folgadas de Yibo, foi que o casal saiu da cozinha pequena; Yibo retornou ao quarto e Xiao ajudou Lian a arrumar o sofá para dormir, tocando o rosto do seu amigo um pouco até ele pegar no sono. Suspirando, ele se ergueu e foi até o quarto, já sabendo que Yibo queria alguma explicação sobre tudo aquilo.

..

"O que?! Um atirador entrou no hospital? E você me diz isso apenas agora?" Yibo falou um pouco alto e Xiao fechou a porta, para que Xie Lian não acordasse.

"Amor, fale um pouco mais baixo..."

"Você está ficando louco? Por que você não me ligou?"

"Porque eu sabia que você ia para lá e eu não queria isso. Tudo estava sob controle, a polícia estava lá."

Yibo se revirou todo, andando de um lado para o outro. Xiao tentou encostar nele, mas o policial afastou a sua mão.

"Entrou um atirador no seu local de trabalho e você não me contou?"

"..."

Ele estava realmente muito irritado e Xiao nunca o havia visto realmente com raiva. Claro que, quando eles se conheceram, Yibo havia sido ríspido e até mesmo muito grosseiro com Xiao. Mas agora, ele estava impaciente e nervoso e Xiao notou que ele começou a coçar o braço continuamente.

"Querido, pare com isso."

"Pare com o que?" Yibo respondeu. "De me preocupar? Qual é o seu problema?" Questionou e afastou-se um pouco mais. "Você é bastante controlador, como você decide sozinho que não deve me falar sobre algo dessa natureza?"

"Yibo."

"O que? Eu não posso me irritar com você? Você pode passar dias sem falar comigo direito porque eu me machuquei no trabalho, mas eu não posso ficar puto porque você me escondeu que alguém foi alvejado numa sala próxima a sua?"

Xiao suspirou e se aproximou da cama. Ele se sentou e acarinhou um pouco a testa, porque não queria discutir. Ao mesmo tempo em que estava chateado porque Yibo não havia entendido suas motivações de não contar, meio que entendia por que o policial estava tão desnorteado.

Ele tirou a roupa e foi tomar um banho e nem ele e nem Yibo conversaram mais. Quando ele voltou, o policial já estava deitado, o corpo de lado, mesmo q Xiao tenha lhe dito para que ele não fizesse isso enquanto se recuperava da facada. Xiao sabia que ele estava fazendo aquilo por birra, para lhe ignorar.

"..."

O médico apagou as luzes e se deitou na cama, aproximando de Yibo. Ele abraçou as suas costas e depois puxou seu corpo para ficar em decúbito dorsal, mas Yibo manteve-se rígido na mesma posição.

"Me desculpa, amor."

"Não quero."

E pela primeira vez, Yibo negava algo a Xiao. E quando ele o fez, Xiao sentiu uma coisa ruim no peito. Nessa hora, o médico descobriu que estava acostumado a ter tudo de Yibo, inclusive a conformidade em situações em que nem sempre ele saía ganhando. Retorcendo-se na cama, ele se sentou e coçou um dos olhos, perdendo o pouco sono que tinha. Yibo continuou virado, mas ele sabia que ele não dormia.

"Amor, me desculpa." Falou e balançou o corpo de Yibo. "Falo sério, me desculpa. Eu errei, sinto muito, só não queria que você fosse machucado até onde eu estava. Mas eu errei."

"Sim, você errou."

"Eu admito isso, me desculpa."

"..."

Yibo finalmente se virou e viu Xiao o encarando com os olhos tristes e um pouco vidrados. Ele já havia visto aqueles olhos antes, e já havia visto Xiao torcer as mãos umas nas outras como ele fazia exatamente naquele momento. Yibo sabia que ele estava ansioso, e por saber disso, mesmo com raiva, ele se sentou e segurou em cima das mãos de Xiao.

"Estou muito chateado, mas eu desculpo você."

Xiao suspirou e baixou o rosto até o ombro de Yibo, encostando nele. Yibo sabia que ele estava relaxando. Se não soubesse os problemas relacionados à depressão que o namorado tinha, aquela atitude poderia facilmente ser confundida com a de uma pessoa mimada, mas ele mesmo tinha suas próprias fraquezas e não julgava as do outro. Só não era tão simples às vezes.

"Talvez eu seja mesmo controlador." Xiao falou. "Eu tento controlar tudo no nosso namoro, como você se sente, como me sinto, o que você deve fazer, o que eu devo fazer. Eu me esqueço que esse tipo de coisa é uma via de mão dupla. Eu acho que estive solteiro por muito tempo e, mesmo quando não estava, eu meio que tomava as rédeas das coisas para mim, porque não tinha com quem dividir verdadeiramente todos os fardos."

"Você não deve fazer isso, você me magoa assim." Yibo o respondeu e Xiao o olhou.

"Eu te magoo?"

Naquela tarde, Yibo havia recebido uma visita de sua terapeuta em sua casa. Para não interromper o tratamento, a mulher havia feito a visita presencial e o atendeu como normalmente fazia. Em meio às conversas que tiveram, ele acabou confessando que se sentia um pouco vulnerável com o namorado, como se ele pudesse perdê-lo facilmente se falasse o que sentia de verdade em várias situações diferentes.

"O que quer dizer?" A mulher o havia perguntado na sessão.

"Às vezes, ele faz coisas que eu realmente não gosto e eu me calo, porque não sei o que ele pode achar de minha opinião."

"E por que você faz isso? O que acha que pode acontecer?"

"Ele pode me deixar. E eu não quero isso, então prefiro guardar tudo isso para mim."

"Mas você se sente mal com isso."

"Sim, às vezes, profundamente."

Yibo olhava para Xiao em sua frente sentado na cama e a sua indagação entrou bem fundo em seu coração. Ele o magoava? Não, não frequentemente, mas Yibo se magoava com a falha de comunicação que ele infelizmente havia alimentado no namoro dos dois, por puro medo de se separar de Xiao.

"Eu te magoo?" Xiao o perguntou de novo e Yibo meneou a cabeça.

"Não é você, são as coisas que você às vezes faz e as coisas que eu às vezes não falo."

"O que quer dizer?"

"Me incomodo com algumas coisas e não falo nada, mas guardar isso me faz mal."

"E por que não fala comigo? Não confia em mim?"

"Porque eu tenho medo."

"De mim?"

"De perder você." Confessou e baixou o rosto. "Eu nunca gostei de ninguém como gosto de você e nunca tive ninguém que eu pensasse que eu queria que estivesse sempre na minha vida. É a primeira vez que moro junto com alguém e somos ambos dois homens. Você tem uma personalidade diferente da minha e isso, eu sei, eu tenho que entender..."

"Mas não aceitar completamente." Xiao o interrompeu. "Me desculpe se eu te faço sentir inseguro ao ponto de você achar que, ao conversar comigo, que isso pode fazer nosso relacionamento acabar. Não vai acontecer. E conversar é importante num namoro, até para que possamos entender melhor um ao outro."

"Desculpe ter te chamado de controlador."

"Talvez, como eu falei, eu seja mesmo um pouco controlador. Eu preciso pensar sobre isso." Xiao o respondeu. "Você pode me esperar melhorar? Pensar melhor minhas atitudes?"

"Claro que sim." Yibo o respondeu.

"Eu também tenho medo de nosso relacionamento terminar. Me assusta que eu possa ter alguma crise ou várias delas e que você não aguente mais isso. Eu me sinto um peso em sua vida, às vezes."

"Mas você não é."

"Eu sei que você pensa assim de verdade, mas é como me sinto." Xiao lhe disse. As mãos dos dois, agora, se apertavam. "Então, vê, eu também me sinto inseguro. Eu estive assim o dia todo, pensando em como iria falar contigo sobre o que aconteceu no hospital. Eu sabia que você ficaria assim por eu não contar, mas não sabia que iria te magoar, pois minha leitura de você é sempre a do silêncio, você nunca fala muito e eu entendia isso como anuência para continuar as coisas como estavam. Eu sinceramente peço perdão por não ter conseguido enxergar seus verdadeiros sentimentos."

Xiao aproximou de Yibo e o abraçou, sentindo o braço do namorado rodear sua cintura. Yibo cheirou o seu pescoço e o beijou no local, fungando ali um pouco. Xiao o afastou um pouco e tocou o seu rosto.

"Como não quero mentir ou ocultar mais coisas de você, preciso falar mais uma coisa e por favor, peço que fique calmo sobre isso."

"O que foi?"

"Você sabe que o Hua Cheng, que foi baleado, era perito no hospital, não é?" Yibo assentiu. "E que o cargo que ele ocupava, um dia havia sido meu. Eu já lhe falei sobre isso antes, você se lembra?"

Yibo franziu o rosto completamente.

"Você não vai assumir o cargo do médico que acabou de ser baleado, vai?"

"Sim, eu vou. Eu quero isso, é o que eu gosto de fazer. Além disso, eu sequer posso negar, pois é uma promoção. Se eu recusar isso, da mesma forma que desisti do cargo meses atrás, eu com certeza jamais irei ter outra oportunidade de voltar a trabalhar com o que gosto."

"Xiao..."

"Eu me sinto péssimo porque estou ocupando o cargo novamente porque Hua Cheng sofreu esse atentado, mas segundo a polícia, pela forma que ele sofreu a violência, aquilo foi premeditado, uma tentativa de extermínio. A pessoa que atirou não queria atirar aleatoriamente em alguém, provavelmente foi lá para atirar no Cheng-ge, seja lá por que razão. Não há por que temer eu estar trabalhando lá. E todo o setor está repleto de seguranças."

"..."

"Você está chateado."

"Sim."

"Com raiva de mim?"

"Da situação." Yibo falou. "Não sei o que pensar, me sinto um pouco confuso."

"Confia em mim, por favor."

"Eu confio em você, só não quero que você corra perigo."

"Não vou correr, querido. Eu juro."

"Amanhã eu vou ao hospital ver como estão as coisas por lá." Falou e Xiao sabia que não adiantava que ele o contrariasse. "Vou ver onde você vai trabalhar, quem é a equipe de segurança e vou falar com a polícia sobre o caso do seu amigo."

"Tudo bem."

"Agora vamos dormir, você passou mais de 20 horas trabalhando e deve estar exausto."

"Sim, eu estou." Xiao falou e suspirou. Ele esperou Yibo se deitar e deitou o rosto em seu peito. "Você está chateado comigo?"

"Não."

"Não mesmo?"

"Querido, vá dormir." Yibo pediu e acalentou Xiao um pouco, esperando-o cochilar, mas sem conseguir dormir. Seria uma longa noite, e ele precisaria refletir sobre tudo o que ouviu do namorado.

..

Quando Xiao se levantou da cama naquela manhã, ele estranhou, pois Yibo estava sentado perto da cabeceira mexendo em sua arma. O médico já havia visto a pistola algumas vezes, mas de maneira muito rápida, pois Yibo nunca deixava a arma em qualquer lugar ou a exibia como algum triunfo, então ele com certeza se chocou um pouco ao ver o namorado pela primeira vez mexendo em cartuchos e balas bem ao seu lado da cama.

"Você vai andar armado mesmo estando de licença, querido?" Ele perguntou e Yibo, ao ver que ele havia acordado, apenas guardou a arma no suporte em seu peito, por dentro de sua jaqueta.

"Apenas precaução."

"..." Xiao não disse nada e suspirou, colocando a perna para fora da cama para ir tomar um banho. Ele achava que Yibo estava exagerando um pouco, mas não ia discutir com o namorado, não depois da noite anterior. Só de pensar em se desgastar com Yibo, o seu coração já lhe dava sinais de incômodo e palpitava de forma nervosa. Ele sabia que a sua paz estava em estar bem em seu relacionamento, que de um modo geral era tranquilo e atualmente era a melhor coisa de sua vida – e que não valia a pena estragar aquilo por causa de pouca coisa.

Quando Yibo e Xiao saíram do quarto, Xie Lian estava na cozinha. Ele havia mexido nas coisas sem pedir apenas para arrumar o café para o casal, em agradecimento por ter ficado à noite na casa de Yibo.

"Você não precisava, Lian." Xiao disse, se aproximando do amigo, que tinha o rosto inchado. Xiao sabia que era porque ele havia chorado a pouco tempo, então apenas beijou os seus cabelos. "Sente e coma com a gente."

"Eu realmente não quero." Xie Lian olhou Yibo saindo de dentro do quarto todo arrumado e o encarou.

"Eu vou ao hospital com vocês." Yibo informou. "Você deveria se alimentar, soube que é testemunha. Se quer ajudar o seu amigo, é melhor que fique bem e saudável."

"Você vai investigar, agente Wang?" Xie Lian o perguntou com um pouco de ansiedade na voz.

"Vou conversar com alguns colegas, ver como andam as investigações e quais são as pistas."

"Pode me falar qualquer coisa que souber? Por favor?"

"Se eu souber de algo, sim, eu posso lhe dizer, se não comprometer as investigações."

"Muito obrigado."

"Você deveria comer." Yibo repetiu. Ele se aproximou da bancada e viu um prato arrumado, que era para ele, e estendeu a Xie Lian. "Coma isso, Xiao vai me fazer uma batida de frutas. Eu estou com restrição alimentar."

"Oh."

Xie Lian afirmou com a cabeça e pegou o prato, saindo da cozinha e indo se sentar no sofá. Xiao olhou para o namorado e sorriu, indo até perto do fogão e pegando o liquidificador que estava ao lado do balcão de um dos armários embutidos.

"Restrição alimentar?" Sussurrou, dando um beijo no rosto de Yibo, que estava parado bem ao seu lado.

"Ele precisa comer." Respondeu e Xiao lhe deu um sorriso bonito, tocando o seu rosto em agradecimento.

Quando os três chegaram ao hospital, Yibo disse aos dois que iria dar uma volta e Xiao foi com Xie Lian até o andar onde Hua Cheng estava internado. O enfermeiro viu um aglomerado de pessoas na porta do centro cirúrgico – o montante todo composto por mulheres – e rolou os olhos contrariado, decidido a não chegar perto.

Xiao o observou e se sentou ao seu lado quando Xie Lian repousou em um banco recuado.

"O que foi?"

"As diabetes."

"As o que?"

"As assistentes do diabo, as diabetes." Ele apontou para o grupo de enfermeiras e médicas que estavam na porta de Hua Cheng.

"Está com ciúmes dele com todas essas moças? Elas provavelmente só estão curiosas, Lian."

"Não sei não." Ele respondeu contrariado, o rosto em completo desgosto.

"Você acha mesmo que Hua Cheng tem olhos para outra pessoa além de você?" Xiao o questionou. "Isso é engraçado."

"Não é." Xie Lian disse simplesmente. "E tanto faz também, eu só queria saber se ele estava bem."

Xiao sorriu e bateu na coxa do seu amigo, se levantando. Ele se aproximou da porta da sala onde Hua Cheng estava e falou um pouco mais alto que o normal.

"Alguma de vocês é parente do doutor Cheng?" Xie Lian levantou a vista de onde estava, no banco, para a cena. Quando todas ficaram em silêncio, Xiao continuou. "E esposa? Noiva? Namorada? Tem alguma aqui?" Elas continuaram em silêncio. "Então por favor, voltem ao trabalho de vocês. Esse andar é o de centros cirúrgicos e não podemos ficar rondando. Temos pessoas internadas e o ambiente é propício a infecções."

O médico fez com as mãos e as moças contrariadas saíram andando, com Xiao atrás delas. Ele, antes de sair guiando-as para fora, piscou para trás, para Xie Lian, que deu um sorriso para ele em resposta.

"Xie Lian?" O enfermeiro ergueu o rosto e Yibo estava em pé ao seu lado. Ele se levantou e bateu as mãos na calça, como se limpando uma sujeira invisível.

"Agente Wang, já voltou? Você conseguiu saber de alguma coisa?"

Yibo fez com a mão para ele se sentar e Lian o obedeceu. Quando os dois se sentaram, Yibo começou:

"Pelo que fiquei sabendo, o homem que entrou no hospital não é fichado. Ele é uma pessoa aleatória, mas não é uma pessoa qualquer."

"Como assim?"

"Ele estava de terno. Você chegou a ver, não foi?"

"Sim, eu vi quando ele correu. Ele vestia um terno escuro."

"Hitmen da máfia costumam andar assim, como uma identidade visual. Ele não é um bandido qualquer."

"Máfia?" Xie Lian perguntou baixo. "Mas por que alguém da máfia iria tentar matar Hua Cheng?"

"É isso que vão tentar descobrir agora." Ele suspirou. "Vocês eram próximos, certo?"

Xie Lian ergueu a sobrancelha para Yibo, o rosto cheio de um humor seco.

"Não precisa disfarçar que não sabe que eu e ele temos um caso."

Yibo franziu a testa e acabou pigarreando, confuso com aquela resposta.

"Eu não sabia disso."

"..."

Xie Lian se envergonhou imediatamente. Ele deu uma risadinha sem graça e virou o rosto um pouco para o lado, a vontade de se matar de vergonha crescendo rapidamente e lhe fazendo ficar todo vermelho das orelhas até o pescoço.

"Zhan-ge não te contou isso?"

"Ele não costuma falar da vida dos outros para mim."

"Vocês são muito educados." Xie Lian falou, ainda muito envergonhado. "Bem, eu e Hua Cheng, nós dois..."

"Eu entendi." Yibo falou, para que ele não se estendesse em constrangimento, ele próprio se sentindo um pouco envergonhado pelo rumo da conversa. "Eu sinto muito."

"Pelo que?"

"Pelo que aconteceu com seu parceiro."

Xie Lian o observou por um tempo e sorriu. Ele tocou a mão de Yibo, que repousava no banco e a apertou.

"Eu sabia desde o começo que você era um cara legal, agente Wang. Obrigado por estar cuidado do meu Zhan-ge e pelo que está fazendo agora."

"Você pode me chamar de Yibo, se quiser."

"Posso chamar de irmãozinho?"

"Não. Eu falei para me chamar de Yibo."

"Por favor irmãozinho Wang?"

De longe, já voltando, Xiao viu o namorado e o amigo conversando e sorriu, os braços cruzados contra o peito. Porque os dois estavam rindo e Xie Lian parecia um pouco mais tranquilo, ele demorou a se aproximar, indo até eles apenas para chamar Yibo para conhecer a sala de perícia onde ele iria trabalhar a partir daquele momento.

"Logo nós voltamos, Lian." Xiao comentou, chamando Yibo com um leve aceno de cabeça.

Quando Xiao chegou com Yibo à sala de perícia onde ele voltaria a trabalhar nos próximos dias, o policial olhou para os lados, para a sala toda feita de alumínio e inox e suspirou. Vendo que havia apenas uma porta para entrar e sair, ele reclamou disso. Reclamou também que a tubulação aparentemente era única e ligava todas as salas do hospital e isso era perigoso. Ficou apontando inúmeros defeitos e perigos na sala e Xiao apenas o escutou com os braços cruzados, acenando com a cabeça.

Quando Yibo o encarou, ele se sentiu um pouco afrontado.

"Você não está me levando a sério, está?"

"Estou sim, querido. Mas infelizmente, as coisas que você está me falando são coisas que eu particularmente não posso mudar."

"Podia ter recusado esse trabalho. Seria mais seguro."

"Você também podia sair da polícia, seria mais seguro para você também."

"..."

Yibo semicerrou os olhos e bufou. Com as mãos encostadas em uma mesa, ele virou às costas para o namorado e meneou a cabeça, realmente muito contrariado. Nem mesmo quando Xiao se aproximou e abraçou a sua cintura, o queixo descansando em seu ombro, ele relaxou.

"Amor, não se chateie mais comigo. Eu te trouxe aqui, você viu que é um local que está cheio de seguranças..."

"Meu coração dói de pensar que algo pode te acontecer."

Xiao suspirou e beijou a nuca de Yibo.

"O meu também dói de pensar em te ver machucado. Mas cá estamos, os dois fazendo coisas que contrariam um ao outro."

O médico fez o seu namorado se virar e sorriu para ele. Tocando as suas mãos, ele encarou um pouco o antebraço de Yibo, que estava machucado do dia anterior; durante o momento de estresse que eles tiveram, Yibo havia coçado o braço com tanta força que havia arranhado, marcas de unhas compondo pequenas linhas na pele já bastante maltratada pelos anos em que ele se machucou devido a analgesia.

Xiao ergueu um pouco o braço de Yibo e tocou o local, beijando em seguida.

"Me desculpe por isso, meu amor."

"Você tem que me dizer se algo estranho acontecer, certo?" Yibo soltou o braço que Xiao segurava levemente e o abraçou. Xiao o abraçou de volta, o calor do corpo do namorado se sobressaindo ao quão fria era a sala em que estavam. "Imediatamente, qualquer coisa estranha..."

"Eu te ligo. Juro."

Yibo afastou um pouco e o encarou. Depois de um tempo, ele enfiou a mão em um de seus bolsos e estendeu um pequeno aparelho preto para Xiao.

"O que é isso?"

"Um pager."

"Ainda usam pagers?" O médico sorriu, segurando o pequeno aparelho do tamanho de um largo pen drive.

"Sabe usar?"

"Sim. Mas amor, nada vai me acontecer e usar isso não vai ser necessário."

"É bom mesmo." Yibo falou. Segurando o rosto de Xiao com as duas mãos, ele falou enfático: "Porque eu mato quem tocar um dedo em você."

E sobre isso, Yibo estava falando sério.

[Cinco anos antes]

Ai Xing observou a aproximação de Yibo com Hao Ting com curiosidade. O seu amigo de longa data parecia ter escolhido, entre tantos novatos, se apegar ao mais tímido e reservado entre eles. Yibo, no Distrito Cinco, era conhecido por ter sido um dos melhores colocados na prova para ser policial, mas mesmo assim, as pessoas o consideravam frio e muitas vezes sem o perfil necessário para cumprir o seu trabalho.

Hao Ting parecia não se importar com isso. Ele, mesmo deixando Yibo um pouco nervoso, sempre se aproximava e o ajudava com as coisas básicas, como a fazer o preenchimento de documentos e a limpeza de sua arma. O homem de aparência cansada parecia sempre muito sereno, mesmo que seu rosto evidenciasse uma tristeza profunda, e isso não escapava aos olhos de Yibo, que não falava sobre isso, mas pensava bastante no assunto.

Quando parou pra tomar um café com o amigo na copa da delegacia, Ai Xing falou com ele sobre isso:

"Você gosta do garoto." Comentou, encostando num móvel.

"Ele é um menino bom. Só precisa ser lapidado. Já fomos como ele, um dia."

"Não me lembro de ter sido tão avoado assim." Ai Xing respondeu. "Ele não aprendeu ainda a colocar direito os cartuchos. As mãos dele tremem quando você o ensina. Por que ele fica tão nervoso? Não consigo entender."

"Ele é um bom garoto." Hao Ting disse mais uma vez, encarando Yibo. O jovem digitava uma petição para o distrito que o policial mais velho o havia pedido antes. "Espero que ele nunca mude seu espírito."

"Espero que ele mude sua postura, porque desse jeito que ele é, nervoso como sempre fica, ele não vai adiante na corporação."

"Ainda é melhor do que a postura que eu e você conseguimos. Ele, pelo menos, é honesto."

Ai Xing decidiu ignorar a alfinetada do amigo, o encarou e tocou o seu ombro.

"Meio que entendo o seu sentimento sobre o agente Wang. Eu acho que é algo que envolve a nostalgia dos velhos tempos." Disse, mas Hao Ting se afastou dele, as sobrancelhas franzidas enquanto o encarava.

"Não, você não entende." Hao Ting lhe respondeu ríspido, sua expressão mudando. "Não há como você entender."

[Presente]

..

O corredor estava mais vazio do que o normal, mas era típico das 17h quando as visitas acabavam e a parte de apartamentos e centros cirúrgicos ficavam inviáveis; as pessoas, nessa hora, tinham que se conformar e até mesmo os médicos e enfermeiros trocavam turnos exatamente naquele momento, dando um pequeno 'gap' entre atendimentos.

Xie Lian, no entanto, estava em pé ao lado do apartamento para onde Hua Cheng havia sido transportado três dias depois de ficar na UTI entubado. Agora sem a respiração artificial presa em sua garganta, o que deixava todos preocupados era o fato de o médico não ter acordado ou mesmo dado qualquer sinal de atividade, mesmo que o seu cérebro estivesse ativo.

Lian conversava com o agente que protegia a porta do apartamento, o homem dando risadas sem parar. No começo, quando o policial via o enfermeiro constantemente indo e voltando de frente para o local, ele ficou irritado e incomodado, mas depois de apenas algumas horas do primeiro dia – e de Xie Lian ter lhe comprando com cafés e bolos – o homem já havia feito amizade com ele, que explicava um pouco da rotina do hospital.

"Oficial Zang, eu vou bater o meu ponto. Meu horário de lanches acabou agora e eu tenho que voltar ao trabalho."

"Você volta daqui a duas horas?" Perguntou o policial. "Se sim, pode me trazer um café? Não posso sair para pegar da máquina..."

"Eu vou ao banheiro agora e trago o café. Depois vou para o necrotério." Xie Lian respondeu. "Em dez minutos estou aqui."

"Você é o melhor, Lian."

"Você que é, agente Zang. Proteja essa porta com sua vida enquanto eu volto."

O policial riu, porque Xie Lian lhe dizia isso várias vezes ao dia sempre que tinha que ir embora para longe daquele quarto. Era bastante claro para ele que o enfermeiro gostava muito do médico que estava internado naquele quarto – e ele se perguntava se havia algo a mais do que aquilo – mas ele, de verdade, não se preocupava com isso.

O enfermeiro, por outro lado, estava alvoroçado, saindo do banheiro com um pouco de pressa, vendo as mensagens de Xiao pipocando em seu celular. Seu amigo estava sendo o máximo de compreensivo com Xie Lian devido a situação de Hua Cheng e perdoava constantemente seus atrasos na perícia, mas o fato é que Xie Lian estava realmente demorando mais do que o normal naquele dia.

"Zhan-ge, eu realmente estou indo. Juro para você que é a verdade." Mandou um áudio para o amigo e correu para fora do banheiro para pegar um café na máquina mais próxima para levar para seu novo amigo e protetor de Hua Cheng.

Lian caminhou com o copo quente de café queimando seus dedos a passos apressados, atravessando os corredores vazios. Era questão de entregar o copo e correr para o elevador e ele estaria ouvindo Xiao lhe reclamando sobre o que reclamava todo dia. Respirando descompassado, ele suspirou quando chegou finalmente ao corredor do apartamento de Hua Cheng, mas seu coração deu uma volta que fez doer o seu peito assim que ele chegou ao local; ele paralisou, frio e tenso, quando viu que o agente Zang não estava na porta, e que um homem estava indo em direção ao quarto, prestes a entrar.

Xie Lian arregalou os olhos, largou o copo e correu com toda a energia que tinha no corpo, esbaforido, batendo o ombro em uma parede que não viu por cegueira momentânea. Ele quase caiu, mas alcançou a porta do apartamento de Hua Cheng antes do homem a abrir e ficou em frente a ela, os braços abertos impedindo o outro de entrar.

"Quem é você? O que quer aqui? O que está fazendo?"

O homem, que havia se assustado com o enfermeiro aparecendo do nada em sua frente, deu um passo para trás.

"Eu sou policial. Vim ver se está tudo bem."

"É mentira sua!" Xie Lian disse com a voz muito alta. "O horário é do oficial Zang, ele ficará até as 22h de hoje. Quem é você? Socorro!"

"Pare de gritar, eu sou policial, posso provar!" O outro disse, mas Xie Lian não parava de gritar. O enfermeiro, vendo que não tinha ninguém por perto e juntando toda a sua coragem, deu um impulso para frente e literalmente de uma cabeçada no meio do peito do homem, suas mãos pequenas empurrando seu abdômen para trás; feito isso, o visitante inesperado caiu no chão em um baque, Xie Lian caindo por cima dele.

"Socorro! Socorro!" Xie Lian continuava gritando, o corpo pequeno em cima do homem, fazendo escândalos, chamando finalmente a atenção de enfermeiras, que correram para um interfone perto de um balcão de atendimento que estava vazio ao ver a cena.

Houve alvoroço no corredor e o homem, mesmo que tentasse se desvencilhar, não conseguiu se soltar de Xie Lian e seus 1,54cm de pura coragem.

Xie Lian olhou para o corredor e viu o oficial Zang voltar curiosamente ao lado de Yibo, que, ao ver a cena, franziu a testa. Os policiais se aproximaram dos homens no chão e, ao que Yibo ajudava Xie Lian a se levantar, o outro oficial ajudava o invasor que havia sido nocauteado.

"O que aconteceu?" Yibo perguntou diretamente a Xie Lian.

"Irmãozinho, esse... homem... horrível... queria invadir... o quarto... de... Hua Cheng, mas eu... o... impedi!" Xie Lian falou engasgado, gritando, quase como se faltasse ar. Não fosse por Yibo o estar segurando, o policial tinha a mais absoluta certeza de que ele podia ter uma síncope e cair no chão ali mesmo, de tão nervoso que ele estava.

Yibo sabia que Xie Lian era muito exagerado. Nos últimos dias, em que ele convivia com o enfermeiro em sua casa e quando ia visitar Xiao no hospital para ter certeza de que ele estava em segurança, Xie Lian havia feito todo o tipo de situação espalhafatosa, que ia do choro intenso às risadas descabidas, de comer como um cavalo a fazer jejum religioso pela saúde de Hua Cheng; mas naquele momento, o oficial Wang notou que o enfermeiro estava tremendo, gelado e que havia se machucado na queda. Ele estava realmente desesperado.

"Song, que diabos você fez para esse rapaz? Por que você o assustou? Está ficando louco?" Yibo questionou ao policial, a sua mão consolando Xie Lian nos ombros e encarando o homem que se recuperava da queda que Xie Lian o havia dado.

"Eu?! Eu não o assustei! Eu falei claramente que era um policial e ele não acreditou!"

"Policial? Esse é o horário do agente Zang, eu nunca te vi aqui e ninguém nunca entra no quarto para fazer nada! Nenhum policial é autorizado!"

"Eu não ia entrar!"

"Ia sim, você pensa que me engana? Eu vou quebrar a sua cara!" Xie Lian gritou e tentou avançar no pescoço do agente Song, mas Yibo facilmente o conteve, como uma pessoa adulta que contém uma criança.

Depois que o mal entendido se desfez em parte – com Xie Lian olhando para o agente Song com um rosto extremamente demoníaco – e Xiao indo buscar o seu enfermeiro assistente para a perícia, Yibo se sentou em um banco ao lado de Song, que explicava indignado a situação ridícula que havia acabado de passar.

Quando esfriou o momento, o oficial Zang voltou ao seu posto e Yibo se viu sozinho com Song, então ele o chamou para um café. O policial o seguiu de bom grado e ambos foram para a lanchonete do hospital, sendo servidos rapidamente pelos atendentes.

Yibo esperou Song apenas bebericar seu café, quando falou sem rodeios:

"Por que você ia entrar no quarto do médico?"

O outro o encarou, parando de beber. Ele riu uma risada forçada e soltou o copo na mesa.

"Eu já expliquei para você e para todos. O agente Zang pediu para sair um pouco e eu fiquei em seu lugar. Foi apenas isso."

"Eu sei que você explicou. E eu sei que você está mentindo." Yibo respondeu. "Eu não sou idiota, Song. Me fale agora o que você ia fazer naquele quarto ou eu vou fazer alguma coisa a respeito disso."

O outro policial analisou bem o rosto de Yibo e bufou, soltando o copo de café. Ele meneou a cabeça e pegou um envelope de dentro de sua camisa, entregando a Yibo, que abriu sem pressa. Era um documento do Distrito Cinco dando autorização para que Song ficasse de plantão no hospital à serviço da federação.

"O novo superior, Xue Meng, me mandou vir aqui e ver se o médico já estava acordado."

"Por que ele faria isso, quando as investigações estão a nível federal e não distrital?" Yibo perguntou. "O médico é conceituado e foi baleado no maior hospital de Hong Kong, até o Chefe de Estado já se manifestou sobre o crime."

"Xue Meng sabe disso, ele está investigando por conta própria porque ele acha que isso pode ter algum envolvimento com outro caso que temos investigado no distrito."

"Que caso?"

"Eu não posso falar sobre isso, Wang."

"Então, eu posso falar para qualquer agente federal que o Distrito Cinco está atrapalhando as investigações e invadindo quartos de hospitais?"

"Você—" Song se engasgou, indo um pouco para frente. "—você não faz ideia, Wang, da merda que você vai se meter se souber do que estou falando."

"Comece a falar e eu decido sobre o tamanho da merda na qual eu vou me meter."

Song pareceu contrariado, sua expressão bastante miserável e olhou para os lados antes de começar a falar:

"Lembra o caso daquela mulher que te machucou? A do marido desaparecido?" Yibo afirmou com a cabeça. "O caso dela não foi o único de desaparecimento de pessoas que deu notoriedade a esse tipo de caso. E o fato é que ela ter mencionado o agente Ai Xing não foi surpresa para ninguém, porque existem suspeitas de que ele tem algo a ver com algum tipo de coisa que foge da legalidade."

"Por que você acha isso?"

"Algumas denúncias anônimas chegaram ao distrito depois que anunciaram a aposentadoria do agente Ai Xing. Xue Meng reuniu uma equipe de 3 pessoas contando com ele para investigar, pois ele não quer que isso vaze ou podemos ter problemas."

"Que tipo de denúncias?"

Song olhou mais uma vez para os lados e puxou a cadeira para mais perto da mesa, para ficar ainda mais perto de Yibo.

"De que o agente Ai Xing tem algo a ver com a morte dos policiais do distrito que foram baleados cinco anos atrás. E que ele está envolvido com a máfia."

Yibo não estava surpreso, mas havia um pouco de choque ao ouvir aquilo que ele suspeitava a tantos anos saindo da boca de uma outra pessoa. Ouvir que suas suspeitas sobre Ai Xing eram reais, dando fundamento ao que ele pensava, lhe dava senso de realidade e ele se sentia vivo de certa maneira, como alguém que podia finalmente crer que não esteve louco por todos esses anos.

Song disse a Yibo que iria falar com Xue Meng que ele sabia desse caso porque, afinal, Xue Meng era o novo superior deles, e Yibo apenas meneou a cabeça, dispensando o seu conhecido. O agente Wang estava tão desnorteado que acabou desmarcando com Xiao de comer alguma coisa com ele pelo hospital e voltou para casa se sentindo um pouco nervoso e teve que tomar uma medicação para poder conter a ansiedade.

Pegando a pasta secreta que escondia no fundo de seu guarda-roupa, Yibo foi até os fundos do apartamento, onde ficava o tanque e a máquina de lavar e começou a espalhar as coisas em cima de uma larga tábua de passar roupas, colando com uma fita adesiva na parede as fotos e os arquivos dos documentos, lhe dando uma visão de tudo. Com a luz apagada, ele observou pela penumbra os policiais baleados no piso de cimento, os cartuchos ao redor e o laudo de perícia acusando a causa da morte dos dois que faleceram, assim como os exames laboratoriais de Ai Xing.

Encarando uma foto 3x4 do velho policial com quem trabalhou por tantos anos, Yibo franziu a boca e deu um soco na tábua em sua frente, a fazendo estremecer.

"Ai Xing... você... você realmente fez isso, não fez?" Questionou, encarando a parede sombria com a morbidez das informações coladas nela. "Você realmente..."

..

Era 21h quando Xie Lian chegou em frente à porta do quarto de Hua Cheng com um copo de café e uns donuts na mão para entregar ao Agente Zang, que se animou de cara com a visita do enfermeiro. Faltava apenas uma hora para seu turno acabar e ele estava varado de fome, sem poder sair do local.

"Como estão as coisas?" Xie Lian o perguntou, olhando para os lados, vendo o homem tomar um gole grande do café.

"Normais, nada demais. Nenhum invasor tentou entrar." Disse o agente rindo, lembrando da cena de um pouco mais cedo, fazendo Xie Lian virar os olhos.

"Ele ia entrar, eu não exagerei."

"Claro que ia." O policial respondeu, agora mordendo o donut. Ele notou que o enfermeiro estava olhando para a porta com um pouco mais de ansiedade naquele dia e pensou um pouco, olhando para os lados. "Ei."

"O que?"

"Você realmente se importa com o cara que tá aqui dentro, não é? O tombo que você levou foi feio, seu pulso ainda está inchado?"

O policial mencionou porque Xie Lian estava com a mão enfaixada, pois, na queda, quando derrubou o agente Song, ele caiu de mal jeito e se lesionou.

"Não foi nada demais." Xie Lian lhe disse, mordendo a boca por dentro, inchando um pouco as bochechas.

O homem o encarou e olhou de novo para os lados.

"Quer dar uma espiada nele?"

Xie Lian arregalou os olhos, as sobrancelhas se erguendo tão alto que sua expressão ficou engraçada.

"É proibido. Pelo risco que ele corre."

"Eu sou policial, eu sei dos riscos. E honestamente, acho que você se meteria na frente de uma bala por esse tal médico que está aqui internado. Creio que não oferece perigo nenhum para ele."

Xie Lian riu nervosamente, coçando a nuca.

"Mas eu não posso, agente Zang." E completou. "Se descobrirem, eu e você estaremos em apuros."

"É só você não falar pra ninguém." O policial disse, se afastando da frente da porta. "Pode entrar. Se quiser, claro."

Xie Lian passou as mãos sobre as coxas, a perna quase sem se mover. Ele demorou ainda uns segundos para assimilar que podia, mas quando caiu em si, avançou para dentro do quarto sem pestanejar, fechando a porta em silêncio.

Quando ele viu, ainda de longe, Hua Cheng, o seu coração falhou cada batida e ele sabia que não ia conseguir se segurar. Respirando fundo, Xie Lian puxou uma máscara do bolso e abriu o lacre de plástico, vestindo-a, e só então se aproximou do médico. Tocando a lateral da maca na base de proteção, ele já estava com os olhos cheios de lágrimas quando encarou o rosto de Hua Cheng; ele estava sereno, como se estivesse dormindo e havia um acesso de oxigênio em seu nariz, um curativo na testa e seu peito estava todo coberto onde ele havia levado os tiros.

O enfermeiro, chorando, tocou no braço de Hua Cheng, bem próximo de onde estava a agulha por onde passava sua medicação e fechou os olhos, escorregando os dedos pela mão grande e fria que descansava no colchão da maca.

"Gege..." Sua voz falha saiu baixinho, quase em um sussurro. "... eu estou aqui. Eu senti sua falta. Muito mesmo."

Ele fungou, o nariz congestionado e sua vista estava bem embaçada, causando um pouco de tontura.

"Eu soube que você não dá sinais, mesmo que tenha esse cabeção enorme. Você não deveria ter bastante neurônio nesse crânio gigantesco?" Xie Lian continuou e fungou mais uma vez. "Por que você é tão insuportável e está me dando tanta preocupação? Hein? Por que você não acorda, seu desgraçado inútil? Por—" Xie Lian baixou o rosto e encostou a testa na proteção da maca, lamuriando a dor que sentia no peito. "Por favor, por favor acorde... Hua Cheng, meu amor, minha vida, acorde..."

Deslizando os dedos pequenos pelos braços do médico, Xie Lian ficou ali, ao seu lado, chorando um choro extremamente sentido, sem conseguir se conter. De forma boba, ele até cutucou Hua Cheng algumas vezes, como se ele apenas estivesse dormindo e o simples ato o pudesse fazer acordar.

Engolindo em seco e fungando um pouco mais para desentupir o seu nariz, Xie Lian apertou a sua mão em cima da de Hua Cheng.

"Gege, eu tenho que ir agora. Eu nem poderia estar aqui dentro, não é seguro para você. Mas eu vou ficar sempre ao redor, sempre por perto, tudo bem? E quando você acordar, eu quero ser a primeira pessoa que você vai ver." Ele parou. "Não. Isso é egoísta. Você pode acordar antes, por mim está tudo bem. Acorde antes, Gege, para qualquer um que possa me dizer que você está bem."

O enfermeiro enxugou os olhos na manga do seu jaleco e sabia que tinha que sair, mas as suas pernas pareciam fracas e presas perto da cama. Ele não queria soltar Hua Cheng, pois tinha medo de ser a última vez que o via vivo. Seu coração parecia pesado e sua mente viajava para o dia em que o viu deitado no chão desfalecido e ele tentava afastar aquela memória desgastante, pois parecia demais para seu pobre coração relembrar o que ele agora considerava o pior dia de sua vida.

Xie Lian, com a mão ainda sobre a de Hua Cheng, ergueu a do médico e a beijou por cima da máscara que usava, colocando as costas da mão encostada em sua bochecha. Ele observou Hua Cheng mais um pouco e suspirou, soltando o seu braço.

Com o peito inchado de choro preso, ele sibilou.

"Eu nunca nem te disse que te amo. Você nunca ouviu isso de mim. Eu nunca falei isso para você ouvir. E eu me arrependo muito, e agora só preciso que você abra os olhos para que eu possa te dizer isso. É pedir demais? Esse é o castigo que eu estou sofrendo por ter sido bobo?" Xie Lian o questionou, soltando a mão de Hua Cheng, a colocando para descansar com cuidado no colchão e colocando as suas mãos na proteção da maca. "Me dê a chance de te dizer o que eu sinto. Por favor."

As pequenas mãos de Xie Lian escorregaram da maca e ele deixou sua vista se prender mais um pouco em Hua Cheng antes de se virar. Sua cabeça estava vazia e ele se perguntava se realmente tinha sido boa ideia entrar naquela sala, pois ele parecia mais deprimido do que nunca.

'Claro que valeu', ele respondeu a si mesmo em sua cabeça. 'Eu me arrependeria se perdesse a chance de pôr meus olhos nele."

"Então, você me ama." A voz baixa e rouca fez Xie Lian paralisar no meio do caminho até a porta, suas mãos que seguravam o elástico da máscara pausando no processo. O enfermeiro se virou e franziu a testa encarando a maca, como se estivesse se certificando que havia realmente ouvido o que ouviu.

"Hua—"

"Lian-bao..." Hua Cheng sibilou, a voz fraca e cortada. Xie Lian sentiu que podia cair no chão endurecido, a pele dos braços gelando, o coração a mil.

Ele se aproximou novamente da maca com pressa, olhando para o rosto do médico, que agora tinha os olhos meio abertos. Hua Cheng até tentou levantar sua mão, mas não conseguiu e Xie Lian a parou no caminho, segurando.

"Gege... ge-ge..."

Hua Cheng riu, a sua mão apertando um pouco a de Xie Lian.

"Gege? Eu só posso estar no outro plano." Brincou. Virando um pouco o rosto, ele viu o de Xie Lian, que estava completamente encharcado de lágrimas, a máscara de proteção branca úmida, fazendo uma trilha molhada. "Por que está chorando?" Ele pigarreou. "Pare de chorar."

"Quem está chorando?" Xie Lian respondeu rapidamente, o que fez com que lágrimas presas tenham caído de seus olhos. "Estou com alergia."

"Alergia ao seu gege?"

"Quem é gege?" O enfermeiro respondeu de volta e tentou soltar a mão de Hua Cheng, que o prendeu com a força que tinha. "Você está bem, não é? Melhor que eu chame um médico para lhe avaliar."

A voz de Xie Lian estava trêmula, as palavras ondulando nas cordas vocais. Sua testa suava um pouco e ele sentia certo mal-estar, como se estivesse no seu limite. Hua Cheng, mesmo que ainda estivesse meio grogue das ideias, notou que o enfermeiro estava ansioso e soltou a sua mão.

"Calma." Disse com dificuldade. Ele estava com sede, mas sabia que não poderia beber água imediatamente. "Você pode chamar um médico, mas não precisa ficar nervoso assim."

"Não estou—"

"Não se preocupe, Lian-bao. Não vai ser dessa vez que eu vou morrer e que você vai se livrar de mim."

Bastou. Xie Lian até tentou se conter, mas ao ouvir a palavra 'morrer' da boca de Hua Cheng, ele torceu o rosto, fechou os olhos e literalmente abriu o berreiro no quarto. Gemendo como uma criança que levou uma queda, ele moveu os ombros e chorou intensamente e muito alto, fazendo Hua Cheng se sobressaltar.

"Gege... gege eu-achei-que-você-ia-morrer-de-verdade...ahh... ahh... eu não aguento.. mais... sofrer... assim, eu pensei... eu pensei... que fosse morrer porque pensei que ia perder você...ahh!"

"Lian-bao, tenha cal—"

"Gege...!" Xie Lian baixou a proteção da maca e jogou-se em cima da barriga de Hua Cheng, a lateral do rosto batendo no quadril do médico, bem longe dos curativos. "...gege! prometa que não vai morrer!"

O barulho que ele fazia era tão alto que fez o policial Zang ouvir por detrás da porta, o que o fez abri-la esbaforido, a boca ainda cheia de açúcar pelos donuts que estava comendo. O policial, ao ver a cena do enfermeiro chorando como criança em cima do médico, ficou um pouco encabulado e só se retirou porque Hua Cheng fez sinal com a mão lhe avisando que tudo estava bem.

Quando fechou a porta, o policial estava rindo, as suas orelhas um pouco quentes. Ele olhou para os lados e viu que não tinha ninguém e então limpou a sua boca com a manga da camisa. Depois, ele descartou o copo de café e as embalagens de comida que segurava, jogou todas as coisas no lixo e pegou o seu celular do bolso, discando um número que estava salvo na discagem rápida.

O telefone deu apenas duas chamadas, antes que o policial pudesse dizer:

"Oi. Sou eu. Sim, estou no hospital. Só para avisar que o médico acordou."

..

[22 anos antes]

O homem estava sentado na calçada do bairro familiar com uma long neck de cerveja na mão. De onde estava, ele conseguia ouvir o barulho das pessoas comemorando e vez ou outra, bexigas estourando, as palmas e a música sobressaindo-se ao silêncio.

Ai Xing saiu de dentro da casa cheia de barulho e viu suas costas curvadas e se aproximou dele, sentando ao seu lado na calçada. Ele colocou uma cerveja no asfalto ao lado do pé do homem e bebericou de sua própria garrafa.

"Eu não sei por que Ling inventou essa festa no meio da semana." Comentou. "As crianças estão fazendo todo o tipo de confusão e os outros agentes estão enlouquecidos de bêbados."

Hao Ting não o respondeu, mas não foi mal educado. Ele apenas sorriu e meneou a cabeça, olhando para frente.

"Cai Yi está procurando você."

"Eu sei. Eu estou pensando um pouco. Eu entro daqui a pouco."

"As crianças estão enlouquecendo todo mundo." Falou Ai Xing. "Minha mãe tem reumatismo e fica se baixando—"

"Eu não estou afim de conversar, parceiro. Por favor, me deixe quieto."

Ai Xing silenciou e assentiu. Olhando para o mesmo ponto fixo em que o amigo, ele continuou bebendo cerveja. Depois de alguns minutos, Hao Ting o falou:

"Eu vou largar a corporação."

"O que?" Ai Xing perguntou. "Você está louco?"

"Já está decidido. Irei ficar apenas por mais algum tempo e irei para Taiwan com minha família."

"Mas... e nosso acordo?"

"Acordo?" Hao Ting o questionou. "Você quer dizer a nossa maldição?! Eu estou me fudendo para esse acordo. Eu não vou fazer isso pelo resto de minha vida. Eu estou cansado, você não está? Você não se envergonha? Você não sente medo?"

"Sim, eu sinto, mas eu sei que não há saída para esse tipo de coisa."

"Eu honestamente prefiro morrer a continuar fazendo o que eu faço." Hao Ting o comentou. "Eu não tenho mais saúde para isso. Não tenho mais felicidade em minha vida. Não tenho mais nada de bom e temo pela vida de minha família."

"Querido?" Os homens ouviram a voz feminina e Hao Ting se virou, levantando-se. A mulher bonita, que vestia uma saia rodada com um cardigan claro lhe sorria e carregava uma criança nos braços, que mesmo sendo já um pouco grande, se agarrava à mãe como um recém-nascido.

"O que houve?" Hao Ting o perguntou, estendendo os braços para pegar o filho. A criança estava com os olhos marejados, como se tivesse chorado por muito tempo.

"Ele se assustou um pouco e não quer mais ficar. Será que podemos ir, querido?"

"Claro." Hao Ting acariciou as costas do menino, que encostou o rosto entre seu ombro o pescoço. O homem beijou sua bochecha gordinha bem em cima de um pequeno machucado que havia nela, oriundo de um acidente que nem ele nem a esposa sabiam de onde vinha. "Vamos, meu amor, o papai vai te levar pra casa."

"Papa, sono..."

"Eu sei, Yibo. Eu sei." O pai o acariciou as costas e acenou com a cabeça para seu colega policial, andando ao lado da esposa para ir embora.

..

[Cinco anos antes]

O hospital estava muito barulhento, com pessoas correndo por todos os lados. Várias ambulâncias haviam chegado e o que Yibo havia descoberto no meio da bagunça era os policiais do distrito haviam sido direcionados para a cirurgia no Hospital Geral.

"Residentes do último ano, por favor, me acompanhem. Precisamos de todos vocês nos atendimentos, temos uma emergência do tipo 1." Yibo ouviu dos corredores, enquanto olhava de um lado para o outro. A equipe médica parecia alvoroçada e ele se perguntava se era por conta do ocorrido ou se era daquele jeito mesmo a rotina no hospital. Fosse o que fosse, tudo o que ele queria, tudo o que ele precisava, era de informações.

Os policiais faziam baderna e gritavam nos corredores e os médicos eram solicitados o tempo todo para responder questões que eles simplesmente não sabiam ou não podiam responder. Yibo parava todos eles, perguntava onde estavam os policiais baleados e insistia por informações no balcão da enfermaria, mas ninguém parecia disposto a lhe ajudar ou falar qualquer coisa, fosse por má vontade ou por falta de informação.

Ele viu um grupo de médicos próximos de alcançar o elevador e correu até eles, puxando um pelo braço, fazendo o rapaz se virar e o encarar confuso.

"Eu sou—Eu sou policial do distrito Cinco e eu queria saber o que aconteceu com os meus colegas. Eles estão bem? Eles estão vivos?"

"Eu não sei." O jovem médico o respondeu. "Eu acabei de ser chamado. Não sei do que você está falando."

"E quem diabos nesse hospital sabe?!" Yibo questionou. O médico o observou um pouco nervoso e pensou em dizer alguma coisa enquanto via o agente Wang com as mãos na cabeça, mas foi arrastado por um outro plantonista.

"Você não pode falar com ninguém." Yibo ouviu outro médico mais velho falando enquanto arrastava o plantonista que conversava com ele para dentro do elevador. "Aprenda isso, nós só falamos o que sabemos e quando podemos também. Nesse caso, falar com quem aguarda notícia das vítimas só irá atrapalhar o trabalho."

Yibo os seguiu e encarou o médico jovem com quem conversava, tentando fazer ele falar.

"Por favor, me dê notícias..."

Ele ainda insistiu um pouco e correu até o elevador, mas a porta se fechou em seu rosto.

"...um dos policiais é meu pai."

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Pegando a pasta secreta que escondia no fundo de seu guarda-roupa, Yibo foi até os fundos do apartamento, onde ficava o tanque e a máquina de lavar e começou a espalhar as coisas em cima de uma larga tábua de passar roupas, colando com uma fita adesiva na parede as fotos e os arquivos dos documentos, lhe dando uma visão de tudo. Com a luz apagada, ele observou pela penumbra os policiais baleados no piso de cimento, os cartuchos ao redor e o laudo de perícia acusando a causa da morte dos dois que faleceram, assim como os exames laboratoriais de Ai Xing.

Encarando uma foto 3x4 do velho policial com quem trabalhou por tantos anos, Yibo franziu a boca e deu um soco na tábua em sua frente, a fazendo estremecer.

"Ai Xing... você... você realmente fez isso, não fez?" Questionou, encarando a parede sombria com a morbidez das informações coladas nela. "Você realmente..."

olarrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

este foi mais um capítulo de in the embers. 

sobre o plot, vcs esperavam? uahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh  

sei que havia um suspense q podia ser segurado por eras e eras, porém, a história vai entrar na sua reta final e essa é apenas uma das surpresas q guardei para vocês.

gostaram? esperavam? alguém tinha ideia de q isso podia ser 'parte do mistério'?

Quem se sentir a vontade pra fazer o coment da história no twitter, usa a tag #intheembers, mas so se quiserem ok??

comentem, curtam o cap e me digam o q estão achando

prometo q a próxima att será mais curta, mas eu demorei pq estou lesionada no pulso, então perdoem esta pobre coitada

vejo vcs em breve

esta é a música do cap:

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