Amor Maluco

By alicejfsilva

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Apesar de crescer com a fama, Malu sempre procurou levar uma vida tranquila, morando em Hills City, uma peque... More

Aviso
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Parte 2 - Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Capítulo 80
Capítulo 81
Capítulo 82
Capítulo 83
Capítulo 84
Capítulo 85
Capítulo 86
Capítulo 87
Capítulo 88
Capítulo 89
Capítulo 90
Bônus Mike
Capítulo 91
Capítulo 92
Capitulo 93
Capítulo 94
Parte 3 - Capítulo 95
Capítulo 96
Capítulo 97
Capítulo 98
Capítulo 99
Capítulo 100
Capítulo 101
Capítulo 102
Capítulo 103
Capítulo 104
Capítulo 105
Capítulo 106
Capítulo 107
Capítulo 108
Capítulo 109
Capítulo 110
Capítulo 111
Capítulo 112
Capítulo 113
Capítulo 114
Capítulo 115
Capítulo 116
Capítulo 117
Capítulo 118
Capítulo 119
Capítulo 121
Capítulo 122
Capítulo 123
Capítulo 124
Capítulo 125
Capítulo 126
Capítulo 127
Capítulo 128
Capítulo 129
Capítulo 130
Epílogo
Agradecimentos

Capítulo 120

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By alicejfsilva



- Olha o que eu fiz pra você, querido! - Dona Lourdes me salda dessa forma quando entro em seu quarto de hospital.

- O quê? - Me aproximo lentamente da sua cama, reservando um tempo para analisar ela melhor.

- Eu já fiz para todos os meus netinhos e já que agora você é um deles, pelo menos de coração, também te fiz um! - Seu sorriso é tão inocente e gentil que é o suficiente para fazer meu coração se comprimir dentro do peito. Malu ontem quase deu com a língua nos dentes, sorte que ela conseguiu contornar a situação. - O que acha?

Estendo meu braço para tocar o cachecol verde escuro de crochê, feito por ela mesma. Por mais que eu não tenha o costume de usar, apenas o fato de ter sido feito por Lourdes já o torna especial e inesquecível.

- É lindo. - Permito que ela passe a peça pelo meu pescoço com certa dificuldade. - Obrigado, Lourdes. Eu adorei.

- Ficou ótimo em você. Combina com seus olhos, igual ao dos meus filhos e netos, coincidentemente.

- Claro. - Desvio o olhar, disfarçando enquanto olho para o cachecol. - Eu realmente gostei bastante.

- É? Fico contente, quero te ver usando ele nos dias frios, afinal, não queremos que meu netinho pegue um resfriado.

- Vou usar, não se preocupe. Obrigado, vovó - digo em resposta à sua fala, a palavra sai com naturalidade e parece ser a forma correta de a chamar.

- Ah, querido... - Seus olhinhos enchem de água.

Não pensei que dizer isso seria tão importante para ela, quer dizer, imagine se soubesse da verdade. Gosto de saber que apesar de tudo nós conseguimos arranjar uma forma de ser família sem que precisasse colocar em risco sua saúde.

Me abaixo para lhe dar um abraço, passando meus braços com cuidado por baixo dos seus, deixando meu queixo apoiado em seu ombro. Diferente de mim, ela não tem o menor receio em me apertar com força. Meus olhos ardem quando sinto ela fungar discretamente, emocionada. Nunca achei que fosse receber um abraço de vó algum dia. Para mim, a única que eu tinha já havia morrido, nunca considerei parentesco com nenhum Stewart. Mamãe tinha razão quando me disse que dona Lourdes era um doce de pessoa, gentil e amável.

- Desculpa, eu estou tão frágil ultimamente. - Ela se afasta, passando as mãos por suas bochechas molhadas. - Sabe como é, meus filhos não são tão carinhosos comigo e nem meus netos, principalmente o Mason, mas sei que ele me ama, ele apenas tem esse jeitão todo frívolo herdado do pai. Você se parece tanto com ele que às vezes tenho a impressão de que estou falando com meu filho.

- Isso é realmente esquisito. Seu neto também se parece bastante com ele.

- O Tommy? Bem, ele é um garoto complicado, mas no fundo tem um bom coração. Penso que talvez fosse se dar bem com o irmão que nunca conheceu.

- Seu outro neto? Bom, é uma história complicada. Sei bastante coisa, acha que seu filho tem algum interesse...?

- Penso que sim, há muito tempo, pra ser sincera. Acho que é o maior arrependimento da sua vida. Mas acho que o rapaz sabe de tudo e não é capaz de o perdoar, quem pode o culpar por isso? Meu filho é igualzinho ao pai, não sabe lidar com as pessoas e com sentimentos. Mason realmente foi terrível. Às vezes penso que é minha culpa, que não cumpri meu papel de mãe direito e não lhe ensinei princípios.

- Nunca pense isso, entendeu? Tenho certeza que fez o seu melhor.

- O melhor nem sempre é o suficiente, filho. Aonde quer que meu neto esteja, quero que saiba que eu o amo também e que consiga encontrar o perdão algum dia.

Um bolo se forma em minha garganta, me obrigando a pigarrear e desviar meus olhos dos seus.

- Tenho certeza que ele também te amaria com todo o coração, seria até capaz de esquecer toda a raiva que sente pelos Stewart e ficaria perto de você.

Sinto dona Lourdes me observar com atenção, balançando levemente a cabeça enquanto sorri feito boba.

- É, acho que seria mesmo. - Segura minha mão com firmeza. - Você parece cansado, melhor ir descansar.

- Um pouco, a senhora também. Me desculpe por não ter conseguido vir mais cedo. - Checo às horas no relógio em meu pulso, quase onze da noite.

- Tudo bem, o importante é ter vindo. Obrigada, Mike bonitão.

- Pelo o quê?

- Por tudo. Por hoje, por estar comigo todos esses dias, por me escutar, pelos esforços e sacrifícios que fez para estar aqui, por me fazer companhia e por ser quem é.

- Desse jeito eu que vou chorar. - Deixo um beijo demorado em sua testa franzida. - Eu que te agradeço por tudo, vó Lourdes.

Ela olha fixamente para cada detalhe do meu rosto como se quisesse levar consigo na memória, seu sorriso terno é tão contagiante.

- É, eu seria uma idiota caso não percebesse.

- Percebesse o quê?

- Nada, querido. Só o rapaz incrível que é. - Acaricia minha barba por fazer. - Vá descansar, amanhã é um longo dia.

- A senhora também, anda, pode se deitar. - Puxo sua coberta até seu pescoço. - Até amanhã.

- Mande um beijo para sua namorada e não perca aquela mulher, Mike, de verdade. Amores assim, pra vida toda, nós encontramos apenas uma vez. Diga a ela que foi incrível a conhecer.

- Você mesma pode dizer isso amanhã, sim? Ligo para ela quando estiver aqui.

Ela fecha seus olhinhos cansados e abatidos, guardando um sorriso pequeno. Parece tão cansada.

- Claro. Até mais, doutor Collins.

Desligo as luzes do seu quarto, sentindo uma sensação esquisita no coração.

- Mike?

Olho para ela por cima do ombro, minha mão pendendo na maçaneta da porta.

- Sim?

- Eu amo você também, querido.

Espremo meu lábio inferior, precisando de alguns segundos para absorver sua declaração repentina. Minha avó, uma Stewart, me ama mesmo sem saber a verdade. Me ama por ser quem sou, simplesmente. Acho que se ela não fosse mãe de Mason, de alguma forma nós iríamos nos dar bem também.

- Eu amo você também, vó Lourdes.

Ela sorri com os olhos fechados, repousando suas mãos sobre o coração como se estivesse feliz da vida e apaixonada.

- Eu sei, sou irresistível.

Dou risada, abrindo à porta.

- Até amanhã.

Ela não responde, apenas acena enquanto saio do quarto.

Dobro o cachecol dela com um sorriso mínimo nos lábios, mesmo sabendo que Tommy e Mason estão me observando. Ignorar eles é tão simples, estou feliz com a conversa que tive com minha avó e nada pode me abalar.

- Como ela está? - É Mason quem pergunta.

- Cansada, já vai dormir.

Observo os olhos dos dois descerem para o cachecol em minhas mãos, Tommy franze a testa.

- Ela sabe sobre você?

- Não.

- Mesmo?

- Eu não falei nada, a menos que algum de vocês tenha feito isso.

- Não que eu saiba - Mason diz.

Apenas assinto, desviando deles para ir em direção ao elevador. Me encosto na parede e, antes das portas fecharem, eu encaro Mason e Tommy Forbes, voltando a pensar nas palavras de dona Lourdes. Ela espera que seu neto - eu - consiga encontrar o perdão algum dia. Não sei se é possível, passei minha vida inteira alimentando um rancor absoluto. O máximo que posso conseguir é apenas deixar de odiá-lo, transformar o ódio em indiferença, não acho que seja o que ela queira.

Felizmente às portas do elevador não demoram para fecharem, quebrando a troca de olhares frívolos.

Não vejo a hora de chegar em casa e poder conversar com Malu e descansar um pouco, preciso recarregar às energias. Hoje foi uma loucura no hospital, parece que todas as pessoas que não vieram nas últimas semanas deixaram para vir hoje. Talvez o frio absurdo que está fazendo juntamente com a neve tenha deixado alguns resfriados.

Por sorte, a neve não está muito densa hoje, o que me permiti dirigir em paz de volta para casa. Faz um dia que começou a nevar, então não teve tempo de acumular ao ponto de precisar interromper o tráfego.

- Ei, amigão, o que faz aqui? - Afago atrás das orelhas de Dog ao flagrar ele deitado no sofá da sala. - Já comeu? - pergunto como se ele fosse, de fato, me responder.

Meu cachorro apenas força um latido em resposta, abanando levemente seu rabo enquanto levanta para avançar em mim, me fazendo cair sentado no chão.

- Tava com saudade, é? - Abraço ele. - Eu também, parceiro. Olha quem está me mandando mensagem. - Desbloqueio a tela do celular com uma mão, deixando a outra massageando seus pelos falhos.

Malu
Imagem
Olha só quem recebeu visitas hoje. Desculpa, acho que não vou conseguir falar com você agora.

Estico meus lábios um pouco ao abrir à imagem e dar de cara com mais de meia dúzia de mulheres espalhadas na cobertura de Malu, acompanhadas de inúmeras garrafas e copos de bebida. Conheço todas elas, porra, claro que conheço. São apenas as melhores jogadoras de futebol do país. Ainda é chocante para eu saber que esse é o ciclo social de Malu.

Malu
A mwnlsque vx n se inortye de continisr cinvrsabdo pot squi.

Jogo a cabeça para trás ao rir da escrita dela, levando alguns segundos extras para decifrar. Malu já deve estar caindo de bêbada se for analisar todas as garrafas vazias que consegui ver na foto que me mandou.

Mike
Bom, não me importo. Mas não vou te atrapalhar? Imagino que tenham muito o que conversar, é a primeira vez que estão se vendo desde que retornou.
E você claramente está bêbada.

Malu
Khahskdns
Nãp
Oode fakar
Goato de xonveraar cm voxê.

Mike
Eu que lute pra decifrar suas mensagens, né?
Já está bebendo há quanto tempo?

Malu
Sslgunas hpras.
Quer?
Imagem.

Na foto ela está segurando um copo grande cheio de bebida, as garotas ao fundo fazem pose para a selfie.

Mike
Não vai passar disso, vai passar mal amanhã e você tem compromisso com o Roger.
Hoje que você foi lá dar àquela palestra pras estudantes?

Malu
Foi.
Relsxs.
Figurinha.

Um sorrisinho fácil cintila em meus lábios ao ver à figura boba que me enviou. Devolvo com outra, recebendo uma frase completamente indecifrável. Mando outra figurinha e assim recebo outra sacana.

Dog enfia a cabeça debaixo do meu braço, como se quisesse chamar minha atenção.

- Sua mãe é maluca, completamente. Vamos mandar uma foto pra ela também.

Passo meu braço pelo Dog, sorrindo para a câmera enquanto ele olha curioso para o aparelho.

- Bom garoto.

Envio a imagem, recebendo um minuto depois inúmeras figurinhas de coração.

Esfrego meus olhos que ardem de cansaço, pedindo descanso. Ao invés disso, permaneço no sofá trocando mensagens idiotas com uma Malu bêbada e divertida na companhia do meu velho cachorro.



Sinto dedos tocarem meu braço e me balançarem levemente, me despertando aos poucos. Pareço estar coberto também, não me lembro exatamente se foi eu quem pegou à coberta. Na verdade, não lembro nem de ter dormido no sofá.

Minhas pálpebras tremem quando forço elas a se abrirem, revelando minha mãe em uma visão desfocada. Esfrego os olhos, desperto.

- Hmm... bom dia? - Travo no lugar ao sentir meu pescoço doer com a força que faço para arrumar a postura. - Nossa... - Pressiono o espaço entre meu ombro.

- Por que dormiu no sofá hoje?

- Estava tão cansado que nem reparei. Acho que ganhei uma bela torcicolo.

Espremo meus dedos na região dolorida, tentando mover levemente o pescoço; é quando reparo pela janela da sala que ainda não amanheceu e olhando mais atentamente, mamãe ainda está de pijama.

- Por que me acordou? Nem amanheceu ainda. - Estico meus braços para cima, me espreguiçando. O lugar que Dog estava ocupando está vazio agora, consigo ver ele deitado no canto do cômodo, dormindo.

Estico meu braço para acender o abajur na mesinha pequena que fica ao lado do sofá.

- Mike... - o tom cauteloso dela não passa despercebido por mim, me colocando em alerta.

Aperto meus olhos em sua direção, reparando nos olhos levemente inchados e avermelhados, em um primeiro instante não sei decifrar se foi por ter acabado de acordar ou porque esteve chorando. Mas logo tiro uma melhor conclusão ao reparar na sua atitude corporal abatida.

- Mãe? O que aconteceu? - Me desespero um pouco ao reparar nas lágrimas voltando a escorrer pelo seu rosto. Puxo ela para se sentar ao meu lado, passando meu braço por seus ombros. - Você está me assustando.

- Seu pai, ele... - ela está tão desesperada que nem percebe como se referiu ao Mason, tão pouco me importo agora. - Ele acabou de ligar.

Alguma coisa faz meu coração errar uma batida e meus ouvidos parecem latejar, esperando uma notícia ruim.

- E o que queria? Dona Lourdes passou mal de novo? - Me refiro à madrugada anterior, ela havia se sentido péssima. - Então precisamos ir para o hospital. - Levanto depressa, segurando sua mão para vir comigo.

- Não, querido... - Funga, sem soltar minha mão. - Eu... eu sinto muito.

Tenho a leve impressão de que o solo está girando em uma velocidade absurda, me fazendo cambalear um pouco. Meus sentidos parecem estar três vezes mais aflorados, se preparando para o impacto.

- Dona Lourdes... - Nega com a cabeça. - Ela... ela faleceu no início da madrugada.

Puxo minha mão para longe dela como se mamãe estivesse tentando me ferir, levando ela até os meus cabelos que deslizam depressa para minha boca aberta.

- O que está dizendo, mãe? Eu acabei de falar com ela no hospital e estava ótima.

Minha mãe soluça, escondendo o rosto entre as mãos.

- Eu sinto muito, filho.

Não consigo ter nenhuma reação decente, apenas me sinto um inútil e completo idiota congelado no lugar. Meu cérebro parece incapaz de processar à informação que acaba de receber.

Quando eu soube que havia sido abandonado por Mason, parecia que haviam me dito que ele tinha morrido. Foi o que senti, mas nunca cheguei a perder, realmente, uma pessoa importante para mim. Talvez a notícia seja tão chocante que meu cérebro está se recusando a processar, mas meu coração já sentiu o impacto bruto e impiedoso.

Nada escapa dos meus lábios, nenhum ruído. A única coisa que penetra meus ouvidos é o som da neve caindo lá fora ao se chocar com o solo.

Pisco repetidas vezes, recebendo inúmeras imagens de dona Lourdes de todos os momentos que tive com ela nos últimos meses, mesmo quando era apenas minha paciente e eu não tinha consciência de nada. Meus olhos focam no cachecol verde que ganhei dela poucas horas atrás, me fazendo duvidar da realidade cruel.

O que faz a primeira lágrima escorrer pelo meu rosto é o fato que ilumina meus sentidos. Eu não lhe contei a verdade. Ela se foi sem saber, sem realizar seu último desejo por minha culpa.

Acho que se minha mãe não tivesse se levantado e me abraçado, eu teria despencado de joelhos. O momento em que sinto tudo desmoronar é a coisa mais dolorosa que já senti na vida, consigo distinguir a dor da perda machucando meu coração.

Levo meu punho fechado até meu nariz, buscando abafar um soluço que quase escapa. Permito que mamãe me abrace, mas não consigo retribuir porque estou ocupado demais desmoronando.

- Ela estava feliz, meu amor. Mason disse que tinha um semblante feliz.

Espremo meus lábios com força, lembrando da última conversa que tive com ela. Eu podia ter dito, tive a chance inúmeras vezes. Malu me deu a oportunidade perfeita também, assim como dona Lourdes hoje, mas fui um covarde estúpido. Não acredito que deixei ela partir sem saber que eu era seu neto, sem realizar o último pedido dela.

- Quando...? - não consigo concluir à frase.

- Faz pouco mais de uma hora. Disse que estava com ela no quarto, dormindo, quando acordou com o som do monitor multiparamétrico apitando.

Caio sentado no sofá, escondendo meu rosto entre às mãos. Minhas costas balançam quase violentamente com a força de um soluço teimoso.

- Agora só nos resta esperar. Parece que o velório começa ao meio dia e o enterro no fim da tarde.

Meu primeiro pensamento foi correr para o hospital, mas de que adianta isso agora? Eu não estava lá quando aconteceu, eu sendo o médico dela. Pra que vou para lá agora? Apoiar os Stewart? Não, obrigado.

Sinto minha mãe me abraçar novamente, beijando meus cabelos com dificuldade pela minha postura cabisbaixa e congelada.

- Eu acho que devo fazer algumas ligações. Se importa se eu...? - Apenas nego com a cabeça, torcendo para ela sair logo, sua voz chorosa serve de lembrete para o que aconteceu.

Vó... Fiquei minha vida inteira sem ter uma e quando finalmente encontro alguma, a perco em um curto espaço de tempo. Eu sou o cara mais fodido do mundo.

Nunca vou me perdoar por não ter lhe contado a verdade. Desgraçado covarde, fiquei apenas adiando sabendo do seu tempo curto.

Tento fazer minhas mãos pararem de tremer ao digitar minha senha pela terceira vez, indo para o contato da única pessoa que pode me ajudar com os destroços. Malu, por favor, atende.

Tento uma, duas, cinco, dez vezes e nada. Ela deve estar desmaiada depois da noite agitada que teve. Porra, o que eu faço?

Cubro meu rosto com o antebraço, querendo voltar para minha paz de poucos minutos atrás. Estava tudo indo tão bem, eu devia saber que bom demais para ser verdade.

Ela se foi sem saber a verdade. É triste, é deprimente, é a realidade e a única coisa que se passe pelos meus pensamentos. Idiota, estúpido.

Arrasto meu corpo até o andar de cima, com o celular pesando em minha mão esquerda em uma esperança de receber uma ligação dela. Preciso da Malu agora, mas ela não está por perto. Ela é a única que sabe o quanto eu estava perturbado com todo esse assunto, a única que vai me entender.

Ao invés de receber notícias dela, meu celular apita indicando uma mensagem do Travis avisando no nosso grupo de amigos sobre a morte da nossa avó com as informações do velório e enterro. O aparelho quase escapa das minhas mãos ao ver que o velório será na residência principal dos Stewart. Não acredito que vou pisar nesse lugar. Como um pedido de perdão, mesmo que seja tarde, eu me forçarei a ir.

Daqui a pouco eu preciso ir trabalhar e apenas gostaria de saber como serei útil para os meus pacientes hoje.

A caixinha vermelha de veludo que está sobre minha mesa da cabeceira chama minha atenção, me fazendo lembrar do momento em que ganhei de Lourdes.

Estico meu braço para pegar o objeto, abrindo-o em seguida. O anel é reluzente e cravejado de pedrinhas de diamante por toda sua extensão, com a maior pedra no centro, acima das outras enquanto é sustentada pelas garras de prata do anel.

Dona Lourdes brincou quando me deu, dizendo que seus netos não poderiam saber que ela havia dado à herança de gerações dos primogênitos para outra pessoa. Ela me disse que esse anel pertenceu ao Mason, mas ele devolveu porque nunca se casou e deixou para sua mãe a missão de passar para o neto mais velho da família. Para ela seria o Travis, mas o engraçado é saber que sou eu o primogênito deles e acabei recebendo isso por acaso. Lourdes não quebrou o ciclo, o anel ainda pertence a tradição da família Stewart e ela não tinha ideia.

Vovó me disse que escolheu me dar porque viu o quanto eu e Malu somos destinados, que estaria disposta a romper a tradição da família para o anel unir outro amor tão inabalável quanto o dela e de seu marido, meu "querido" avó. Tentei recusar de todas às formas possíveis, porém ela foi irredutível e usou uma ótima chantagem emocional. Disse que apenas morreria feliz quando eu passasse o anel para o dedo de Malu ao pedi-la em casamento. Outra coisa que eu não cumpri. Não sei se serei capaz de fazer a partir de agora.

Fecho meu punho que segura a caixinha, deixando as lágrimas escorrerem pelo meu rosto até pingarem no tapete cinza do quarto. Hoje deveria ser um dia possível de ser apagado.


Estaciono o meu carro do outro lado da rua, em frente a mansão Stewart. Me recuso a usar o estacionamento deles, pretendo sair daqui o mais rápido possível depois que acabar.

Apoio minha testa no volante, sabendo que meu dia não pode ficar pior do que vem a seguir. Não acredito que estou aqui em Boltson na casa dessa gente. A casa onde eu deveria ter crescido, mas, felizmente, não foi o caso. Acho que a única coisa boa que eu teria aqui seria dona Lourdes.

Puxo o colarinho da minha camisa social preta pela milésima vez, em uma espécie de tique nervoso. Pelo reflexo do retrovisor consigo ver o quanto estou abatido, olhos inchados e a sombra de olheiras da noite mal dormida. Tentei dar o meu melhor durante meu expediente no hospital, saindo apenas algumas horas para o velório e enterro, chegando em um acordo para cumprir hora extra durante a madrugada. Penso que por um lado vai ser bom, ficarei distraído.

Meu primeiro passo dentro do território Stewart é confiante, apesar de tudo. O segurança na entrada me deixou passar sem que eu precisasse dizer meu nome, o que foi esquisito já que o casal que estava na minha frente precisou confirmar seus nomes na lista. Talvez esteja escrito na minha testa que sou um deles.

Atravesso o extenso jardim que recepciona às pessoas com sua bela aparência, sem nenhuma falha. Daqui consigo ver pouca gente, talvez sejam amigos dela, eu saberia se fossem Stewart.

Paro diante da entrada principal, estar aqui sozinho não é fácil. Minha mãe não conseguiu vir agora e ela seria a única pessoa possível para estar comigo, além de Malu, que ainda não deu notícias. Meus amigos estão todos trabalhando e, também, eu não quis chamar ninguém.

O primeiro passo que dou para dentro da mansão parece ecoar em meus ouvidos, com tudo ficando em câmera lenta. Entro de cabeça erguida, sem me incomodar com a atenção que vai se voltando para mim aos poucos, conforme vão me reconhecendo. Depois de toda a polêmica que houve com o nome dos Stewart envolvendo o filho que Mason abandonou, não é preciso ser um gênio para saber quem sou. Não é como se minha aparência escondesse muita coisa. Para cada canto que olho, vejo pelo menos algum traço de cabelo castanho, olhos verdes e altura em excesso; o padrão da família, e eu tenho o pacote completo.

A sala de recepção é absurdamente luxuosa e gigante, mas parece pequena com tanta gente presente. Me sinto um peixinho em um mar de tubarões.

- Será que é ele? - consigo escutar uma mulher questionar quando passo bem perto dela, acompanhada de outras duas. Não fico para escutar à resposta.

Travis me disse que convidaram apenas os familiares e os poucos amigos próximos que ela tinha. O que só significa uma coisa: grande parte dessa gente são meus parentes.

Meus olhos enfim se fixam no caixão aberto colocado no centro da sala, com uma grande foto de uma senhora Lourdes sorridente e feliz, do jeitinho que sempre estava. Não consigo me aproximar no momento, tem algumas pessoas ao redor e me recuso a me aproximar enquanto estiverem ali.

Por sorte, consigo encontrar Travis e Maya no canto do salão. Eles estão encostados na parede, com ele se apoiando no topo da cabeça dela. Um sorriso se força em seus lábios quando me reconhece, abrindo seus braços para mim. Sua namorada se afasta um pouco para que eu possa abraçar meu amigo e também primo.

- Sinto muito... - ele murmura com a voz instável, sem desfazer nosso abraço.

- Eu também - respondo de volta, esfregando suas costas. Preciso de muito esforço para não chorar de novo, sentindo minha garganta doer com o sacrifício de engolir o choro.

- Que bom que veio, ela ficaria muito feliz... Sei o quanto deve estar sendo difícil pra você estar aqui com toda a família.

- Eu não poderia deixar de vir, já foi o suficiente eu não ter lhe dito à verdade antes de... - não consigo concluir, mas Travis entende e apenas aperta meu ombro em resposta, secando uma lágrima que escorre pelo seu rosto em seguida.

Maya também me abraça, chorando ainda mais que Travis, foi incapaz de falar qualquer coisa. Não vi muita interação entre às duas, mas ouvi falar que Lourdes foi uma das únicas pessoas na família que acolheram ela quando foi apresentada como namorada do primogênito.

Me encosto na parede, com os braços cruzados e o olhar fixo no caixão rodeado de pessoas. Os três filhos de Lourdes - Mason, Shane e Meredith - não pararam de receber abraços e sentimentos. Enquanto os dois irmãos irmãos não fazem questão de esconder suas lágrimas, Mason parece uma rocha impenetrável. Não sei o que pensar dele nesse momento.

Em outro canto da sala, Tommy Forbes está sozinho com as mãos escondidas nos bolsos da sua calça preta. Os olhos estão no caixão, mas parecem vagos e perdidos, como se ele estivesse em outra dimensão. Não consigo ver vestígios da sua cara arrogante, acho que pela primeira vez Tommy parece genuinamente triste. Não gosto dele e estou bem longe disso, mas pela primeira vez não sinto raiva apenas ao vê-lo.

- Que bom que veio, Mike. - Viro a cabeça para o lado ao escutar a voz de Mason sendo dirigida para mim.

- Por ela - digo, desviando meus olhos para o caixão novamente. Não sei se vou ter coragem de me aproximar.

- Eu sei.

Mason olha incomodado para seus familiares curiosos, eu tão pouco me importo, não estou com a menor cabeça para me preocupar com isso, não quando o corpo de uma pessoa querida está a poucos passos de distância. É ridículo o quanto eles parecem mais interessados em cuidar da vida alheia do que no momento de despedida e tristeza.

- Você falou com ela antes de...?

- Sim. - Olha para o chão, deixando uma sombra de tristeza transparecer. - Sei que isso é esquisito, mas ela queria sua presença na leitura do testamento.

- Ela mencionou uma vez, mas recusei.

- E então, vai vir?

- Quando?

- Amanhã.

- Certo.

Mason cruza seus braços, lançando seu olhar frívolo para todos que estão nos observando sem discrição.

- Sinto muito que tenha que passar por isso.

- Eu não ligo. É a primeira e a última vez que essa gente vai me ver.

- Entendo.

- Lourdes falou mais alguma coisa sobre mim?

Mason sorri um pouco, balançando a cabeça de um lado para o outro.

- Ela te adorava.

Trinco meu maxilar, sentindo uma leve pontada no peito. Ainda não acredito que ela se foi sem mais nem menos. Ontem foi nossa despedida e eu nem parei para pensar nisso, parece que de certa forma ela sabia o que estava por vir.

Não vou ser capaz de me aproximar daquele caixão. Cacete, não sei nem se vou aguentar ficar aqui até o enterro.

Dona Lourdes queria que eu estivesse na leitura do seu testamento, por quê? Não sei o que farei se ela deixar algo para mim, como poderei aceitar? Eu nem sequer sou digno de algo. Mas também se eu rejeitar seria como desfazer mais um desejo seu.

Olho mais uma vez para seu caixão aberto. Não, não tenho coragem de me aproximar e ver que aquele rosto sorridente e acolhedor nunca mais vai ser visto. Levo meu punho fechado até o nariz, tentando disfarçar meus olhos lacrimejando com o pensamento.

- Olha só, sua primeira reunião em família conosco é um velório, isso que eu chamo de começar com o pé esquerdo.

Me surpreendo um pouco com a presença de Tommy e com sua atitude de vir falar comigo, mesmo que esteja nítido em sua expressão que andou chorando, por mais que faça o possível para disfarçar agora com sua cara egocêntrica de sempre. É surreal o pensamento de que esse cara é o meu irmão.

- Normalmente não é muito melhor que isso, sempre estão com essas caras de velório, então tanto faz. Mas... se bem que hoje parecem até melhores, afinal, eles têm assunto alheio para tratar. Ouvi um deles dizer que você só está aqui por interesse.

Franzo minha testa em sua direção ao ter à impressão de que ele não gosta muito da família por completo, seu tom de voz, já naturalmente desprezível, pareceu ainda mais enojado.

- O quer quer dizer com isso?

- Humf... nada. Você odeia os Stewart sem sequer os conhecer, é um pré-julgamento bem merda.

- Merda? Dúvido que pensaria isso se tivesse...

- Sido abandonado e esquecido na sarjeta? Blá blá blá. Só tô dizendo que é zoado você odiar eles tão prematuramente, eu guardaria o sentimento para quando os conhecesse de verdade. Só piora, te garanto.

Uma pitada de simpatia por ele pinica em meu cérebro, mas expulso o sentimento depressa. Tommy sabe ser engraçado quando não está ocupado sendo um escroto.

- Você deu mais sorte que eu, conseguiu escapar deles. Se parece apenas na aparência, já eu pareço na pior parte... é interior. Além disso, cresceu com a família estrela da cidade, do país e até do mundo.

- Diz isso porque eles são famosos e ricos?

- Obviamente.

- Você é mesmo vazio.

- Agradeço pelo elogio. Foi acolhido pela família mais foda e querida mundialmente, você é um puta sortudo, agregado.

- Eles são muito mais do que fama e riqueza, mas suponho que isso esteja além da sua capacidade de compreensão, sequelado. - É esquisito ver que estamos conversando e nos ofendendo ao mesmo tempo, como Peter, Johnny e Malu costumam fazer entre si.

- Claro. - Enfia o braço dentro do seu terno preto, puxando um cantil de prata do bolso interno e pelo cheiro sei que se trata de algo alcoólico. - Quer? Não? Você que sabe. Se for se agregar aqui com os Stewart, saiba que ter um desses é fundamental.

Esse moleque é tão absurdamente estranho e incompreensível. Parece que ser grosseiro e amargo é algo natural dele, não parece fazer por maldade. Será possível que aquele adolescente estúpido amadureceu um pouco? Tommy era um completo idiota rebelde durante seu ensino médio e antes. Não acredito que pensei isso: mas acho que concordo com ele, crescer longe dos Stewart foi uma boa e o resultado é o próprio Tommy, quer dizer, olha só para esse cara arrogante e sedento por poder. Parece que os cabelos castanhos e os olhos verdes não são os únicos traços essências dessas pessoas. Acabo de reconhecer que a ganância, o amor ao dinheiro e ao poder são os principais. Parece que são obcecados por isso e fariam qualquer coisa para conquistarem. É desprezível. Mas o mais chocante foi saber que Forbes repudia isso neles quando também faz parte dele. Não faz muito sentido, a menos que ele também tenha nojo de si mesmo, mas não é o que parece: diria que Tommy é praticamente apaixonado por si mesmo ou talvez seja muito bom em manter às aparências. Enfim, o cara é uma incógnita.

- Você não contou para ela. - Indica o corpo de dona Lourdes com o queixo.

- Não.

- Por quê? Se acha um covarde por isso agora?

- Não é problema seu.

- Conheço o sentimento. - Coloca suas mãos nos bolsos da calça de novo, olhando para a frente enquanto fala. - Não estou te julgando. Você não foi covarde, não contou por causa da saúde dela e isso é tudo. Deixa de ser babaca e para de ficar se martirizando por isso, não vai mudar a realidade, Zé Ruela.

Não consigo dizer nada, apenas fico parado feito um idiota com a boca aberta com os olhos fixos nas costas dele, que se afasta. Tommy acabou mesmo de me dizer isso?! Tommy Forbes foi legal comigo? Não sei se o termo exato seria esse, mas algo positivo ou quase neutro. E, porra, o pior é que ele falou algo de útil. Me conheço o suficiente para saber que vou passar os próximos dias me culpando, me sentindo um completo cuzão.

Tive muitas oportunidades, inúmeras, e mesmo assim não abri a boca. O assunto surgiu tantas vezes. Agora é tarde, ela está morta e eu fracassei em cumprir seu desejo.

Dói, dói como o inferno saber que nunca mais irei ver ela ou escutar suas piadinhas bobas e sem vergonha. Dói saber que tudo se tornou uma lembrança triste. Me dói saber que eu podia ter passado uma vida inteira com ela e não tive isso por culpa de Mason e seu pai. E dói saber que ela se foi se martirizando, se sentindo mal por achar que o neto a odiava e que havia fracassado como mãe e vó. Dona Lourdes não podia estar mais enganada, mesmo nos poucos meses que tive com ela eu pude perceber o quanto incrível e adorável essa senhora era. Aonde quer que ela esteja agora, espero que escute o meu perdão. Acho que finalmente entendi o que ela queria dizer.

Outra coisa em que Tommy tinha razão: parece que o álcool é mesmo essencial aqui.


R.I.P. Dona Lourdes, sentiremos saudades, poxa.

Não se esqueçam de votar.

Beijos

Alice.

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