Ouvir o Kyle e o Thomas no banheiro foi... estranho.
Ora eles riam, ora o Thomas gemia de dor ou chamava um palavrão para logo a seguir rir de novo. Em uma das vezes, até ponderei entrar no banheiro para ver se estava tudo bem, mas apenas bati e perguntei do lado de fora. O Thomas disse para eu não me preocupar. Já o Kyle falou que eu poderia entrar se quisesse ter certeza.
Óbvio que não entrei.
Continuo andando de um lado para o outro torcendo para que eles estejam evitando molhar os locais com pontos. Leio os rótulos dos remédios que estão na mesa ao lado da maca. Releio o prontuário e volto a andar de um lado para o outro.
Minha ansiedade só acaba quando ouço a porta do banheiro se abre.
Corro meus olhos pelo Thomas que agora está com uma camiseta de manga curta cinza e um short preto. Sinto um alívio quando consigo ver pela cor do curativo na perna que ele está seco. Ao contrário do Kyle, que está encharcado.
— Você não estava mentindo — Thomas diz, assim que o ajudamos a se sentar na maca — foi doloroso demais, mesmo que o meu enfermeiro tenha sido delicado — completa, e o Kyle pisca para o Thomas antes de dar uma risada.
— Eu descobri minha vocação, acho que você vai ter um colega de profissão, Em — fala.
— Que maravilha, porque agora eu vou precisar de ajuda. E Thomas, eu não falei que o banho seria doloroso. Na verdade, a parte dolorosa vem agora.
— O que?
— Retirar os curativos impermeáveis — respondo —, é isso que vai doer.
— Você está brincando, não é? — Apenas balanço a cabeça negativamente e vejo o Kyle se segurando para não rir. Thomas respira fundo, talvez para tentar aceitar a ideia e então continua: — Tudo bem, mesmo que eu tivesse entendido antes, eu teria tomado banho da mesma forma.
— O que a gente não faz pelo boy, não é? — Kyle provoca e tenho a sensação que ele já descobriu tudo sobre o Thomas e o Philip.
— Você não quer deitar? — pergunto, enquanto conecto o soro de novo ao cateter. — Talvez seja melhor para esse procedimento.
— Não, estou bem assim — fala seguro. — Já estou farto de ficar deitado.
— Tudo bem. Vou fazer o da perna primeiro e depois você deita e tiramos o do abdômen, combinado?
Ele concorda e peço ajuda do Kyle para colocar a perna ferida na maca.
Retiro a ponta do curativo e começo a puxar lentamente.
— Sabe por que a gente estava rindo no banheiro? — Kyle pergunta, e eu faço que não com a cabeça, tendo quase certeza que não vou gostar de saber. — Descobrimos que temos algo em comum com você. Na verdade, eu, ele e a Anna.
— O que? — pergunto tentando não demonstrar muito a curiosidade que ele me fez sentir agora.
— Nós já pegamos uma surra de você. — Sinto o meu rosto aquecer e não consigo conter uma risada, o que me faz tirar as mãos da perna do Thomas. — Me diz uma coisa, você já bateu no Lucas também?
— Para, Kyle, eu preciso me concentrar — digo tentando ficar séria para voltar a retirar o curativo.
— Agora eu estou curioso, quero saber.
— Não, nunca. Por que eu bateria no Lucas?
— Sei lá — ele ri. — E no Nathan?
Dou uma risada involuntária já entregando a minha resposta.
— Eu tentei — respondo rápido, sabendo que ele não me deixar em paz até saber, mas aproveito para dizer algumas verdades a seguir: — Nem o Nathan nem a Anna mereceram. Mas você mereceu, Kyle. Você também.
Olho para o Thomas e então me lembro porque bati nele. Não foi apenas um tapa, eu estava furiosa naquele dia.
— Eu não enganei seu pai, muito pelo contrário, eu estava decidido a ajudá-lo — ele diz sério agora.
— E todas as outras pessoas?
— Por que você se importa? — Não consigo controlar a raiva que volta com toda força e me desconcentro, puxando o curativo com um pouco mais de força do que deveria. — Ai! Devagar, Princesa — ele pede.
Respiro fundo e peço desculpa, tentando manter a calma.
Como se não bastasse de repente o clima ter ficado pesado, Nathan entra na enfermaria, o que faz a postura do Thomas mudar completamente.
— Vou me sentar ali para ver tudo melhor — Kyle diz, deixando-me ainda mais nervosa.
Thomas parece ficar tenso, mas Nathan não demonstra nenhuma emoção.
Eu sei que ele não gosta do Thomas, e talvez não estava esperando me ver tão próxima a ele, mas ele simplesmente não deixa a situação afetá-lo. Ele apenas ajeita o quepe na cabeça e mantém a postura perigosa naquele uniforme. As duas armas no coldre dão o toque final.
Falo com ele e vou até o armário pegar soro fisiológico para facilitar a retirada do curativo.
— Thomas! — Nathan o cumprimenta. — Espero que você esteja se sentindo bem.
Apesar das palavras gentis, o tom de voz do Nathan deixa claro sua insatisfação com a presença dele aqui.
— Já tive dias melhores, mas estou me sentindo bem-vindo e sendo bem tratado — provoca, com um sorriso debochado.
Nathan sorri de volta e eu sinto como se estivesse na Matriz quando ele e o Kyle entravam nesse jogo de ataques civilizados.
— Fico satisfeito em ouvir isso — Nathan rebate. — Lamento por você estar nesta situação e agradeço por ter trazido as duas famílias em segurança. — Eu sei o esforço que ele está fazendo para agradecer a alguém como o Thomas, mas o Nathan é justo e consegue colocar o orgulho de lado para demonstrar gratidão, eu admiro isso nele. — Nós faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para restabelecer sua saúde e cuidar da sua segurança enquanto estiver conosco.
— E até quando vou ter o prazer da companhia de vocês? — Thomas pergunta.
— Podemos falar sobre isso em outra ocasião, não vou tomar mais o tempo de vocês neste momento. — O Nathan sabe o quanto retirar esses curativos dói, ele cometeu o mesmo erro que o Thomas quando levou o tiro, mas claro que não é só por isso que ele desconversou. — As melhoras!
Thomas sorri como se já soubesse que o Nathan iria adiar a conversa, mas apenas concorda.
Nathan se despede e eu o sigo. Quando a porta se fecha atrás de nós dois, ele me dá um abraço rápido.
— Eu só passei mesmo para ver você — confessa com um sorriso carinhoso e o verde dos olhos dele brilhando de forma intensa. — Ele se comportou?
— Sim, não se preocupe — apresso-me a dizer. — Ele sabe que não pode ir embora por todos os motivos, não deve nos causar problemas.
— Eu estava falando do Kyle — comenta, roubando-me uma risada. — O Philip está vindo ficar com vocês, eu e o Lucas ainda precisamos resolver uns problemas. Tudo bem?
— Sim, eu me viro aqui com eles.
Despedimo-nos e volto para a enfermaria onde continuo retirando devagar o curativo enquanto o Kyle cantarola uma música qualquer.
— Está incomodando você? — pergunto baixinho para o Thomas. — A música?
— Não, até me acalma — diz sorrindo, e me sinto estranha por não estar mais chateada com ele. Então ele solta um suspiro de alívio quando vê o curativo nas minhas mãos.
— Kyle, você poderia me ajudar a deitá-lo, por favor? — pergunto.
Kyle vem na nossa direção, mas a porta se abre e o Philip pede licença para entrar.
O rosto do Thomas involuntariamente se vira para porta ao ouvir a voz, e o Philip parece paralisar quando o vê acordado.
— Eu estou todo molhado, melhor você pedir ajuda para o Philip — Kyle diz e vai até o soldado que lhe entrega as armas. Ele estar molhado não foi problema antes, mas claro que o Kyle não deixaria passar a oportunidade de ver os dois juntos.
— Thomas — ele o cumprimenta inseguro. — Sinto muito por tudo isso ter acontecido — diz, aproximando-se da maca lentamente. — Eu nunca quis colocar você em perigo.
— Eu sei, Lip. — A voz dele é sincera. — Já está feito, e está tudo bem.
Philip me cumprimenta, posicionando-se do outro lado da maca.
— Como você se sente? — Ele volta a atenção para o Thomas, enquanto Kyle observa os dois sem nem ao menos tentar disfarçar o interesse.
— Eu vou ficar bem — responde. — Pelo menos foi o que me disseram.
— Ótimo — Philip responde cortando o contato visual com o Thomas e me encarando com aqueles grandes olhos castanhos. — O que é preciso fazer?
— Precisamos deitá-lo — digo.
Kyle está sorrindo, satisfeito por ter colaborado com esse momento.
Philip caminha para o meu lado e diz que consegue fazer isso sozinho. Ele coloca a outra perna do Thomas na maca e o ajuda a sentar um pouco mais no centro. Depois pede para ele colocar os braços no ombro dele e o deita devagar.
Desvio o olhar tentando dar espaço para os dois, mas o Philip rapidamente se afasta assim que garante que ele está deitado de forma confortável.
Peço licença para levantar a camisa do Thomas até o curativo ficar exposto e começo a retirá-lo devagar.
— Você pode trazer o Loki depois? — Thomas pede.
— Claro — Philip sorri pela primeira vez. — Ele está bem, mas está o tempo todo esperando você aparecer.
— Achei que ao seu lado ele não sentiria a minha falta — diz, sorrindo, e então muda de assunto: — Você precisa falar com a Violet. — Ouvir o nome dela faz a imagem aparecer vívida na minha memória. Foi ela que nos levou até o Thomas naquele dia na Fronteira, não tem como esquecer dar cor roxa do cabelo contrastando com a pele branca e a expressão agressiva dela. — Eles já devem estar sentindo minha falta, eu avisei que estava indo para a Fronteira e disse que iria deixar o Loki com ela assim que chegasse — ele faz algumas pausas e vejo a dor estampada no rosto dele, mesmo que esteja sendo o mais delicada que consigo.
— Já estou acabando — digo para tranquilizá-lo.
— Obrigado, Emily. — Responde sério, nem parece o Thomas de alguns minutos atrás. — Passe a descrição da Anna, e diga para a Violet que quero que a encontrem e descubram quem fez isso comigo.
Termino de retirar o curativo, e Philip e Thomas chegam a conclusão de que é melhor fazer a chamada imediatamente. Por isso, decidimos que o Kyle ficaria com o Thomas e eu iria com o Philip até a Sala de Controle.
— Ei, Lip — Thomas o chama quando eu me afasto para jogar os curativos no lixo. — Senti tua falta. — Ele pega na mão do Philip que não diz nada de volta.
— Até depois, Thomas — diz depois de alguns segundos, tirando a mão dele e me seguindo em direção à porta.
Mandamos avisar o Nathan e o Lucas que precisávamos falar com eles, e pouco depois eles chegaram.
— O que vocês acham? — Philip pergunta aos dois depois de explicar o que o Thomas pediu e eles analisam a situação. — Avisar que o Thomas está conosco é obrigatório, mas procurar a Anna é uma decisão de vocês.
É mais um favor que ele vai nos fazer, mas, como da outra vez, parece que não temos escolha a não ser aceitar. E o Nathan e o Lucas não pensam muito e permitem que o Philip faça o que o Thomas sugeriu, indo embora logo a seguir. Apenas eu fico para fazermos a chamada, mesmo que já tenhamos certeza que podemos confiar no Philip.
Assim que o telefone toca, alguém rapidamente atende do outro lado, como se estivesse esperando a ligação.
Violet parece confusa no primeiro momento, mas depois se acalma e apenas ouve o Philip falar dos tiros, que o Thomas está fora de perigo, que o Loki está bem e que precisa de um favor.
— Você sabe que ele é tudo que eu tenho, não sabe? — ela pergunta do outro lado da linha, com um tom de voz agora bem mais aliviado.
— Eu sei, Violet.
— E você? Você ainda o ama? — Philip fica em silêncio e anda um pouco para frente. Minha vontade é sair da sala e deixá-los conversar à vontade, odeio essa sensação de estar invadindo a privacidade dele mais uma vez. — Lip, me responde.
Vou até a janela e olho para as ruínas totalmente banhadas pelo sol, tentando fazer o Philip não notar minha presença.
— Eu nunca deixaria nada acontecer ao Thomas — faz uma pequena pausa —, mesmo se já não o amasse.
— Sim ou não, Lip?
— Droga, Violet. Sim, eu ainda amo o Thomas.
— Então eu acho muito bem tudo isso ter acontecido. Talvez seja o momento de vocês dois se entenderem estando presos um com um outro. É um sinal — Ela ri no final. — Diz que você vai tentar...
— Eu não vou tentar, mas prometo a você mantê-lo em segurança.
— Meu deus, por que tudo tem que ser tão complicado entre vocês dois?
— Você sabe e tem tanta culpa quanto ele.
— E não me arrependo, Lip — ela rebate. — Ele é muito mais do que apenas um mercenário, um traficante ou sei lá a forma como vocês o chamam, e você sabe disso — Philip fica calado e Violet suspira alto do outro lado. — Olha, desisto. Um dia você vai olhar para trás e ver o tempo que perdeu. Nós vivemos só uma vez, e você e o Thomas não têm as profissões mais seguras do mundo. Pensa nisso.
— Eu agradeço a preocupação, mas nada vai mudar — Philip rebate.
— Tudo bem, eu não vou mais insistir, pelo menos hoje — ela diz e o Philip ri, quebrando toda a tensão da conversa deles. — O que ele quer que eu faça? Eu já coloquei todo mundo à procura dele e soube que houve algo com um grupo nos arredores da Fronteira.
— Era o Thomas.
— O que ele estava fazendo com essas pessoas?
— Eu não posso dizer. — Violet resmunga do outro lado da linha. — Eles sequestraram uma das mulheres e o Thomas quer saber onde ela está.
Philip passa a descrição da Anna, afirmando que volta a ligar em breve.
— Eu vou encontrá-la — fala segura. — Mas quero falar com o Thomas da próxima vez que você ligar.
Feelings are hard
I feel 'em in my chest, the tiny war within
But when I pull you closer
Girl, I can't explain
Os sentimentos são difíceis
Eu os sinto no meu peito, a pequena guerra interior
Mas quando eu te puxo para mais perto
Garoto, eu não sei explicar
(Feelings | Lauv)
E o Lip confessando que ainda ama o Thomas?
Até o próximo!