David Copperfield (1850)

By ClassicosLP

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Obra do inglês Charles Dickens. More

Capítulo I - Venho ao mundo
Capítulo II - Observo
Capítulo III - Uma mudança
Capítulo IV - Caio em desgraça
Capítulo V - Sou exilado da casa paterna
Capítulo VI - Aumento os meus conhecimentos
Capítulo VII - O meu primeiro semestre em Salem-House
Capítulo VIII - As minhas férias ...
Capítulo IX - Nunca esquecerei esse meu dia de anos
Capítulo X - Primeiro desprezam-me, depois empregam-me
Capítulo XI - Começo a viver por minha conta, do que não gosto nada
Capítulo XII - Não me agrada viver por minha conta; tomo uma grande resolução
Capítulo XIII - Executo a minha resolução
Capítulo XIV - O que minha tia fez de mim
Capítulo XV - Recomeço
Capítulo XVII - A quem a boa sorte favorece
Capítulo XVIII - Um olhar retrospectivo
Capítulo XIX - Olho em torno e faço uma descoberta
Capítulo XX - Em casa de Steerforth
Capítulo XXI - A Emilita
Capítulo XXII - Novos personagens num velho teatro
Capítulo XXIII - Corroboro a opinião de Mister Dick e escolho uma profissão
Capítulo XXIV - Os meus primeiros excessos
Capítulo XXV - Anjo bom e anjo mau
Capítulo XXVI - Eis-me caído em cativeiro
Capítulo XXVII - Tommy Traddles
Capítulo XXVIII - É preciso que Mister Micawber atire a luva à sociedade
Capítulo XXIX - Vou outra vez visitar Steerforth
Capítulo XXX - Uma perda
Capítulo XXXI - Uma perda mais grave
Capítulo XXXII - Começo de uma longa viagem
Capítulo XXXIII - Felicidade
Capítulo XXXIV - Minha tia causa-me um grande pasmo
Capítulo XXXV - Abatimento
Capítulo XXXVI - Entusiasmo
Capítulo XXXVII - Um pouco de água fria lançada no meu fogo
Capítulo XXXVIII - Dissolução de sociedade
Capítulo XXXIX - Wickfield & Heep
Capítulo XL - Triste viagem ao acaso
Capítulo XLI - As tias de Dora
Capítulo XLII - Uma nódoa negra
Capítulo XLIII - Ainda um olhar retrospectivo
Capítulo XLIV - A nossa casa
Capítulo XLV - Mister Dick justifica a predição de minha tia
Capítulo XLVI - Novidades
Capítulo XLVII - Marta
Capítulo XLVIII - Acontecimento doméstico
Capítulo XLIX - Acho-me envolvido num mistério
Capítulo L - Realiza-se o sonho de Mister Peggotty
Capítulo LI - Preparativos de uma mais longa viagem
Capítulo LII - Assisto a uma explosão
Capítulo LIII - Ainda um olhar retrospectivo
Capítulo LIV - As operações de Mister Micawber
Capítulo LV - A tempestade
Capítulo LVI - O novo e o velho golpe
Capítulo LVII - Os emigrantes
Capítulo LVIII - Ausência
Capítulo LIX - Regresso
Capítulo LX - Inês
Capítulo LXI - Mostram-me dois interessantes penitentes
Capítulo LXII - Fulge uma estrela no meu caminho
Capítulo LXIII - Um visitante
Capítulo LXIV - Um último olhar retrospectivo

Capítulo XVI - Mudo sob vários pontos de vista

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By ClassicosLP

No dia seguinte, depois de almoço, a vida colegial abriu-se de novo para mim. Mister Wickfield acompanhou-me ao teatro dos meus estudos futuros: era um edifício importante, ao longo de um grande pátio, respirando um ar científico, de harmonia com os corvos e as gralhas que desciam das torres da catedral para passearem majestosamente sobre o talhão de relva.

Apresentaram-me ao meu novo professor, o doutor Strong. Pareceu-me quase tão ferrugento como a grande grade de ferro que ornamentava a fachada da casa e quase tão maciço como as grandes urnas de pedra colocadas em intervalos iguais no alto de pilares, como um jogo de bola gigantesco que o tempo se encarregaria um dia de ir deitando abaixo. Encontrava-se na sua biblioteca; o seu vestuário estava por escovar, tinha os cabelos mal penteados, as ligas dos seus calções não estavam bem apertadas, as suas polainas pretas estavam desabotoadas e os seus sapatos viam-se abertos, como duas cavernas, no tapete da lareira. Voltou para mim os seus olhos mortiços, que me recordaram os de um velho cavalo cego que eu tinha visto a pastar erva e a coxear sobre as sepulturas do cemitério de Blunderstone, depois disse que estimava muito ver-me, estendendo-me uma mão da qual eu não sabia que fazer, ao vê-la tão inerte.

Mas junto do doutor Strong estava a trabalhar uma senhora muito bonita, a quem ele chamava Annie e que eu supunha ser sua filha; sem hesitações, ajoelhou-se no tapete para apertar os sapatos do doutor e abotoar-lhe as polainas, tarefa que realizou com muita prontidão e elegância. Quando acabou, no momento em que nos dirigíamos para a sala da aula, fiquei realmente muito admirado, ao ouvir Mister Wickfield dizer-lhe adeus, dando-lhe o nome de Mistress Strong e dizia de mim para mim que talvez fosse a mulher do seu filho e não do doutor, quando foi ele próprio quem me tirou todas as dúvidas.

— A propósito, Wickfield — disse ele parando num corredor e apoiando a mão no meu ombro. — Ainda não encontrou um lugar que convenha ao primo de minha mulher?

— Não — disse Mister Wickfield —, ainda não.

— O meu desejo era que isso se arranjasse o mais depressa possível, Wickfield — disse o doutor Strong — porque Jack Maldon é pobre e ocioso e isto são dois flagelos que muitas vezes geram maiores males ainda. E é o que diz o doutor Walts — acrescentou ele olhando para mim e meneando a cabeça. — Satanás tem sempre obra para as mãos ociosas.

— Em verdade, doutor — disse Mister Wickfield — se o doutor Walts conhecesse bem os homens, poderia dizer com a mesma exactidão: «Satanás tem sempre obra para as mãos ocupadas». As pessoas ocupadas tomam bastante parte no mal que se faz neste mundo, pode estar certo disso. O que é que fazem, há um ou dois séculos, as pessoas que mais atarefadas têm estado em adquirir poder ou dinheiro? Parece-lhe que também não tenham feito mal?

— Jack Maldon nunca se verá muito atarefado para adquirir um ou outro, creio — disse o doutor Strong, esfregando o queixo com ar pensativo.

— É possível — disse Mister Wickfield — e o senhor chama-me de novo à questão; peço-lhe perdão por me ter afastado dela. Não, ainda não me foi possível empregar Mister Jack Maldon. Creio — acrescentou ele com um pouco de hesitação — que adivinho o seu fito e não é o que torna a coisa mais fácil.

— O meu fito — disse o doutor Strong — é colocar duma maneira conveniente um primo de Annie, que é também para ela um amigo de infância.

— Sim, eu sei — disse Mister Wickfield — na Inglaterra ou no estrangeiro!

— Sim — disse o doutor — admirando-se evidentemente da afectação com a qual ele pronunciava estas palavras «na Inglaterra ou no estrangeiro!»

— São as suas próprias expressões — disse Mister Wickfield — «ou no estrangeiro!»

— Sem dúvida — respondeu o doutor — sem dúvida; ou uma ou outra coisa.

— Uma outra coisa? É-lhe isso indiferente? — perguntou Mister Wickfield.

— Sim — replicou o doutor.

— Sim? — disse o outro atónito.

— Perfeitamente indiferente.

— O senhor não tem motivo — disse Mister Wickfield — para querer dizer «no estrangeiro» e não «na Inglaterra»?

— Não — replicou o doutor.

— Sou obrigado a acreditá-lo e é escusado dizer que o acredito — disse Mister Wickfield. — A comissão de que me encarregou é, neste caso, muito mais simples do que eu imaginava. Mas confesso que tinha a esse respeito ideias muito diferentes.

O doutor Strong olhou para ele com um ar espantado, que se terminou quase logo por um sorriso e esse sorriso incutiu-me muita coragem, porque respirava bondade e indulgência, com uma simplicidade que se encontrava, de resto, em todas as maneiras do doutor, quando se quebrava o gelo formado pela idade e demorados estudos e essa simplicidade era bem de molde a atrair e encantar um jovem discípulo como eu. O doutor caminhava na nossa frente num passo rápido e desigual, repetindo sempre: «sim», «não», «perfeitamente» e outras breves palavras acerca do mesmo assunto, enquanto caminhávamos atrás dele. Eu notei que Mister Wickfield tomava um ar grave e falava sozinho meneando a cabeça, supondo que eu o não via.

A sala da aula era espaçosa e ficava a um canto tranquilo da casa, donde se via de um lado uma meia dúzia de grandes urnas de pedra e do outro um jardim bastante retirado, pertencente ao doutor; podiam-se mesmo distinguir os pêssegos que amadureciam num bardo exposto ao sul. Havia também grandes aloés, em caixões, em volta da relva e as folhas erectas e grossas dessa planta associam-se-me desde então no espírito com a ideia do silêncio e do retiro. No momento em que chegámos, uns vinte e cinco alunos ocupavam-se a estudar; todos se levantaram para dar os bons dias ao doutor e ficaram de pé na presença de Mister Wickfield e de mim.

— Apresento-lhes um novo aluno mais, senhores — disse o doutor. — Trotwood Copperfield.

Um deles chamado Adams, que era o primeiro da aula, saiu do seu lugar e veio dar-me as boas-vindas. A sua gravata branca dava-lhe o ar de um jovem pastor anglicano, o que não o impedia de ser muito amável e de um carácter jovial; indicou-me o meu lugar e apresentou-me aos diferentes professores com uma elegância que me teria posto à vontade, se fosse possível.

Mas parecia-me que havia muito tempo que não me encontrava com tais camaradas, que não tinha visto outros rapazes da minha idade senão Mick Walker e Fécula-de-Batata e experimentei um desses momentos de mal-estar que sempre me apoquentaram na minha vida. Sentia tanto dentro de mim próprio que tinha passado por uma existência de que não podiam fazer a menor ideia e que tinha uma experiência estranha à minha idade, à minha aparência e à minha condição, que me parecia censurar-me quase como se fosse uma impostura apresentar-me assim entre eles, sem outras maneiras, como um camarada habitual. Tinha perdido, durante o tempo mais ou menos longo que passara na casa Murdstone &

Grinby, todo o hábito dos jogos e dos brinquedos dos rapazes da minha idade; sabia que havia de estar desajeitado e pechoso. O pouco que eu poderia aprender noutro tempo tinha-se-me tão completamente apagado da memória por causa dos sórdidos cuidados que dia e noite me preocuparam o espírito, que quando me passaram um exame àquilo que eu sabia, apurou-se que eu não sabia nada e colocaram-me na última classe do colégio. Mas por mais preocupado que eu estivesse pela minha falta de aptidão nos exercícios corporais e pela minha ignorância nos estudos sérios, sentia-me infinitamente mais incomodado ao pensar no abismo mil vezes maior ainda que a minha experiência das coisas, que eles absolutamente ignoravam e que infelizmente eu não ignorava, cavava entre nós. Eu perguntava comigo mesmo o que é que eles pensariam, se viessem a saber que eu conhecia intimamente a pensão do Banco-do-Rei. Não revelariam as minhas maneiras tudo quanto eu tinha feito na companhia da Micawber, essas vendas no Monte-Pio, esses empréstimos sobre penhores e essas ceias que se lhes seguiam? Talvez que alguns dos meus camaradas me tivesse visto atravessar Canterbury, exausto e andrajoso e viesse a reconhecer-me? Que diriam eles, que tão pouco valor ligavam ao dinheiro, se soubessem como eu contava os meus pence para comprar todos os dias carne ou cerveja, ou as talhadas de pudim necessárias para a minha subsistência? Que efeito produziria isso sobre crianças que não conheciam a vida das ruas de Londres, se viessem a saber que eu tinha frequentado os piores bairros dessa grande cidade, por mais envergonhado que pudesse estar? O meu espírito estava tão impressionado com estas ideias durante o primeiro dia passado em casa do doutor Strong, que eu vigiava os meus olhares e os meus movimentos com ansiedade; ficava muito inquieto quando um dos meus camaradas se aproximava e fugi a toda a pressa logo que acabou a aula, com receio de me comprometer correspondendo às suas tentativas de amizade.

Mas a influência que reinava na velha casa de Mister Wickfield começou a agir sobre mim no momento em que eu batia à porta, com os meus novos livros debaixo do braço e senti que os meus alarmes começavam a dissipar-se. Ao subir para o meu velho quarto, tão simples e tão bem arejado, a sombra séria e grave da velha escada de carvalho expulsou as minhas dúvidas e receios e lançou sobre o meu passado uma escuridão propícia. Fiquei no quarto a estudar diligentemente até à hora de jantar (saíamos do colégio às três horas) e desci com a esperança de ainda ser um dia um aluno regular.

Inês estava na sala, esperava pelo pai que um negócio qualquer demorava no seu gabinete. Veio ao meu encontro com o seu sorriso encantador e perguntou-me o que eu pensava do colégio. Respondi-lhe que contava dar-me lá muito bem, mas que ainda não estava acostumado.

— A menina nunca esteve em colégio, pois não? — perguntei-lhe.

— Muito pelo contrário, estou lá todos os dias — disse ela.

— Ah! Mas é aqui em sua casa aonde aprende, é o que quer dizer, não é?

— O papá não poderia ver-se sem mim — disse ela sorrindo e meneando a cabeça. — Por isso conserva em casa a sua governanta.

— Ele ama-a muito, não é verdade?

Ela fez-me sinal que sim e foi à porta escutar se ele subia, a fim de ir ao seu encontro à escada, mas não ouviu nada e voltou para junto de mim.

— A mamã morreu quando eu nasci — disse ela com o ar doce e tranquilo que lhe era habitual. — Não conheço dela senão o seu retrato que está lá em baixo. Eu vi-o ontem a olhar para ele, sabia quem era?

— Sabia — disse-lhe — parece-se tanto consigo!

— É essa também a opinião do papá — disse ela num tom satisfeito. — Ah! Ele aí vem!

O seu rosto calmo e risonho iluminou-se de prazer indo ao encontro dele e entraram na sala juntos dando-se a mão. Mister Wickfield recebeu-me com cordialidade e disse-me que eu havia de passar admiravelmente em casa do doutor Strong, que era o melhor dos homens.

— Pode talvez haver gente... não sei nada... que abuse da bondade do doutor — disse Mister Wickfield. — Nunca faça como essa gente, Trotwood. Ele é a criatura menos desconfiada que pode haver e seja um merecimento ou seja um defeito, é sempre uma coisa que é preciso ter em consideração em todas as relações grandes ou pequenas que se podem ter com ele.

Pareceu-me que falava como um homem contrariado ou descontente de qualquer coisa, mas não tive tempo de atentar bem. Anunciou-se o jantar e descemos para tomar os nossos lugares da véspera.

Mal nos tínhamos sentado, quando Uriah apresentou a sua cabeça ruiva e a sua mão esquelética à porta.

Mister Maldon — disse ele — desejava dar-lhe uma palavra, senhor.

— Como? Não há um instante que me vi livre de Mister Maldon! — disse-lhe o seu patrão.

— É verdade, senhor — respondeu Uriah —, mas voltou atrás para ainda lhe dizer uma palavra.

Tendo sempre a porta entreaberta, Uriah olhou para mim, olhou para Inês, para as travessas, para os pratos e para tudo quanto a sala continha, segundo me pareceu, conquanto tivesse o ar de não olhar senão para o patrão, sobre o qual pareciam respeitosamente fitos os seus olhos vermelhos.

— Peço perdão. É somente para lhe dizer que reflectindo... — Aqui o novo interlocutor empurrou a cabeça de Uriah para a substituir pela sua. — Desculpe a minha indiscrição, faça favor. Mas já que não posso escolher, ao que me parece, mais cedo partirei e isso vale mais. Minha prima Annie disse-me, quando falámos deste caso, que preferia ver os seus amigos junto dela a vê-los exilados e o velho doutor...

— O doutor Strong, é o que o senhor quer dizer? — interrompeu vivamente Mister Wickfield.

— O doutor Strong, está claro. Eu chamo-lhe o velho doutor, o que vem a dar na mesma, não acha?

— Não acho — respondeu Mister Wickfield.

— Pois bem! O doutor Strong — disse o outro — parecia-me da mesma opinião. Mas segundo o que o senhor me propõe, o que me parece é que ele mudou de ideia; nesse caso, nada mais tenho a dizer; quanto mais cedo partir, melhor. Voltei atrás para lhe dizer que quanto mais depressa me puser a caminho, tanto melhor. Quando a gente tem de ir de mergulho ao rio, de que serve andar-se a paliar na prancha?

— Muito bem! Já que se anda a paliar, não se paliará. Mister Maldon pode contar com isso — disse Mister Wickfield.

— Obrigado — disse o outro — fico-lhe muito agradecido. A cavalo dado não se olha a dente; não seria amável; o que eu dizia é que poderiam ter deixado minha prima Annie arranjar as coisas a seu modo. Suponho que lhe bastaria dizer ao velho doutor...

— O senhor quer dizer que Mistress Strong bastaria dizer ao marido... não é assim? — disse Mister Wickfield.

— Perfeitamente — replicou o outro — bastava-lhe dizer que desejava as coisas arranjadas de uma certa maneira para que isso se fizesse muito naturalmente.

— E porquê «muito naturalmente», Mister Maldon? — perguntou Mister Wickfield, continuando tranquilamente o seu jantar.

— Ah! Porque Annie é uma encantadora moça e o velho doutor, quer dizer, o doutor Strong, não é precisamente um rapaz — disse Mister Jack Maldon rindo. — Não quero melindrar ninguém, senhor Wickfield. Quero somente dizer que suponho que é necessário e razoável que, num casamento deste género, ao menos se encontrem compensações.

— Compensações para a mulher, senhor? — perguntou gravemente Mister Wickfield.

— Para a mulher, sim senhor — respondeu Mister Jack Maldon rindo.

Mas percebendo que Mister Wickfield continuava o seu jantar, com o mesmo ar grave e impassível e que não havia esperança de lhe fazer distender um músculo do rosto, acrescentou:

— De resto, disse tudo quanto queria dizer, peço-lhe de novo perdão da minha indiscrição, vou retirar-me. É escusado dizer que seguirei os seus conselhos e que considerarei este assunto como devendo ser tratado exclusivamente entre mim e o senhor; não farei nenhuma alusão a isto em casa do doutor.

— Já jantou? — perguntou Mister Wickfield indicando-lhe a mesa.

— Obrigado — disse Mister Maldon — vou jantar a casa da minha prima Annie, adeus.

Mister Wickfield, sem se levantar, seguiu-o com os olhos bastante pensativo.

Mister Maldon era, segundo eu pensava, um rapaz estouvado, nada feio, de palavra desenvolta e de ar presunçoso e atrevido. Foi essa a primeira vez que o vi e ouvi; não contava vê-lo tão cedo, quando ouvira o doutor falar dele de manhã.

Depois de jantar fomos para a sala e tudo se passou como na véspera. Inês colocou o cálice e a garrafa no mesmo sítio, Mister Wickfield instalou-se e bebeu copiosamente. Inês tocou piano, trabalhou, conversou e jogou comigo algumas partidas de dominó. À hora exacta fez o chá, depois quando eu fui buscar os meus livros, relanceou os olhos sobre eles e evidenciou o que sabia, (sabia mais do que dizia) indicando-me a melhor maneira de aprender e compreender. Estou a ver ainda os seus modos modestos, pacientes, regulares; estou a ouvir a sua voz suave ao escrever estas palavras; a influência benéfica que mais tarde veio a exercer sobre mim começa já a fazer-se sentir na minha alma. Amo a Emilita e não posso dizer que amo Inês da mesma maneira, mas sinto que a bondade, a paz e a verdade habitam junto dela e que a suave luz desse vitral que de uma vez vi numa igreja, a ilumina sempre e a mim também, quando me encontro ao pé dela e a todos os objectos que nos rodeiam.

Chegou a hora de ela se ir deitar; acabava de se despedir de nós e eu estendi a mão a Mister Wickfield antes de me retirar também. Mas ele reteve-me para me dizer:

— Qual gosta mais, Trotwood, ficar aqui ou ir a qualquer parte?

— Gosto mais de ficar aqui — disse eu vivamente.

— Veja lá...

— Se o senhor me der licença e assim lhe convier...

— Olhe que é uma vida um pouco triste a que aqui passámos, meu rapaz, receio bem — disse ele.

— Não é mais triste para mim do que para Inês, senhor. Não é nada triste.

— Do que para Inês! — repetiu ele, caminhando lentamente para o grande fogão e encostando-se ao pano da chaminé. — Do que para Inês!

Ele tinha bebido nessa noite (talvez fosse ilusão minha) até ficar com os olhos injectados de sangue. Nesse momento não lhos via, pois que ele tinha o olhar fixo no chão e cobria os olhos com a mão; mas tinha reparado nisso momentos antes.

— Eu pergunto a mim mesmo — murmurou ele — se a minha Inês estará cansada de mim. Bem sei que eu não me cansarei dela, mas o caso é diferente... bem diferente.

Era uma reflexão que de si para si fazia, não era a mim que se dirigia; fiquei, pois, imóvel.

— Esta velha casa é um pouco triste e a vida que aqui se passa é bastante monótona, mas é preciso que ela fique junto de mim. É preciso que eu a conserve ao pé de mim. Se o pensamento de que posso morrer e deixar a minha querida filha, ou que esse tesouro pode vir a morrer e deixar-me também, perturba já, como um espectro, os meus momentos mais felizes; se não posso afogar esse pensamento senão em...

Não pronunciou a palavra, mas adiantou-se lentamente para a mesa em que estava a garrafa e o cálice; com ar distraído fez o gesto de deitar vinho da garrafa vazia, depois pousou-a e pôs-se a passear pelo aposento.

— Se esse pensamento é já tão cruel de suportar, quando aqui a tenho — disse ele — que seria se ela estivesse longe de mim? Não, não. Não posso resolver-me a isso.

Encostou-se ao pano do fogão e ficou tanto tempo mergulhado nas suas meditações que eu não sabia se devia arriscar-me a interrompê-lo retirando-me, ou deixar-me estar tranquilamente no meu lugar até que ele saísse da sua concentração. Enfim, como que acordou e os seus olhos procuraram-me.

— Quer ficar connosco, Trotwood — disse no seu tom habitual e como se respondesse sem intervalo a qualquer coisa que eu acabasse de lhe dizer — muito estimo. Far-nos-á companhia a ambos. É magnífico ficar aqui. Será bom para mim, para a Inês e talvez para si também.

— Para mim com certeza que sim, senhor Wickfield. Estou tão contente por ficar aqui!

— É um excelente rapaz, Trotwood — disse Mister Wickfield. — Enquanto lhe convier aqui estar, será sempre bem-vindo.

Deu-me um aperto de mão, depois, batendo-me no ombro, disse-me que quando eu tivesse qualquer coisa a fazer à noite, depois de Inês se retirar, ou quando me quisesse entreter a ler, que podia descer para o seu gabinete, se ele lá estivesse, e, se eu desejasse um pouco de companhia, para passar a noite. Agradeci-lhe a sua bondade e como, decorrido um momento, ele fosse para o gabinete e eu não precisasse de descansar, desci atrás dele com um livro na mão, para aproveitar uma meia hora da permissão que acabava de me dar.

Mas, descobrindo uma luz no pequeno gabinete circular, senti-me logo atraído por Uriah Heep que exercia sobre mim uma espécie de fascinação e entrei. Encontrei-o ocupado a ler um grande livro com uma atenção tão evidente que seguia cada linha com o seu dedo esquelético, deixando ao deslizar por cada página, segundo me pareceu, um rasto gosmoso, como o de um caracol.

— Trabalha hoje até muito tarde, Uriah! — disse-lhe eu.

— É verdade, senhor Copperfield.

Ao sentar-me num mocho defronte dele, para lhe falar mais à minha vontade, notei que ele não sabia sorrir; abria somente a boca e desenhava, ao abri-la, duas rugas profundas nas faces; era tudo.

— Não estou a trabalhar para o patrão, senhor Copperfield — disse Uriah.

— Então que está a fazer? — perguntei.

— Trato de me adiantar na ciência do direito, senhor Copperfield. Estudo neste momento a Prática, de Tidd. Ah! Que escritor é este Tidd, senhor Copperfield!

O meu mocho era um observatório tão cómodo, que ao vê-lo prosseguir na leitura depois desta exclamação de entusiasmo, notei, enquanto ele seguia as palavras com o dedo, que as suas narinas delgadas e bicudas, sempre em movimento com um poder de contracção e de dilatação surpreendente, serviam de intérpretes ao seu pensamento: piscava o nariz como toda a gente pisca os olhos; os olhos dele não tinham expressão alguma.

— Suponho que o senhor é um grande legista! — disse eu depois de o observar algum tempo silenciosamente.

— Eu, senhor Copperfield! — disse Uriah. — Oh! Não! A minha situação é tão humilde!

Notei que a estranha sensação que tinha experimentado ao contacto da sua mão não devia ser um fruto da minha imaginação, porque ele esfregava as mãos sem cessar, como se quisesse secá-las e aquecê-las e depois enxugava-as com o lenço, às escondidas.

— Bem sei que estou numa situação bem humilde — disse Uriah modestamente — em comparação com os outros. Minha mãe é muito humilde também, vivemos numa casa bastante pobre, senhor Copperfield e temos recebido muitos benefícios. A profissão de meu pai era igualmente muito humilde: era coveiro.

— Que é feito dele? — perguntei.

— É presentemente um corpo glorioso, senhor Copperfield. Mas temos recebido grandes benefícios. Que benefício do céu, por exemplo, estar em casa de Mister Wickfield!

Perguntei-lhe se lá estava há muito.

— Vai fazer quatro anos, senhor Copperfield — disse Uriah fechando o livro, depois de ter posto cuidadosamente uma marca no lugar em que ficou. — Entrei para cá um ano depois da morte de meu pai e que grande benefício ainda! Que benefício devo à bondade de Mister Wickfield, que me dá licença para eu estudar gratuitamente, o que seria superior aos humildes recursos de minha mãe e aos meus!

— É de supor então que logo que acabe os seus estudos de direito, fique procurador encartado! — disse-lhe eu.

— Com a bênção da Providência, senhor Copperfield — respondeu Uriah.

— Quem sabe se um dia não será sócio de Mister Wickfield — repliquei eu para o alegrar — e então será Wickfield & Heep, ou talvez Heep, Sucessor de Wickfield.

— Oh! Não, senhor Copperfield — disse Uriah meneando a cabeça. — Estou numa situação muito humilde para chegar a isso.

Parecia-se surpreendentemente com a figura esculpida no topo da trave, perto da minha janela, ao vê-lo assim, na sua humildade, lançando-me olhares de través, com a grande boca aberta e as faces enrugadas, à guisa de sorriso.

Mister Wickfield é um excelente homem, senhor Copperfield — disse Uriah —, mas se o conhece há muito tempo, há-de certamente saber muito mais do que aquilo que eu lhe poderia dizer.

Repliquei que estava bem convencido disso, mas que não o conhecia há muito, conquanto ele fosse um amigo de minha tia.

— Ah! Na verdade, senhor Copperfield — disse Uriah —, a sua tia é uma senhora muito amável.

Quando queria exprimir entusiasmo, Uriah contorcia-se da forma mais extravagante: nunca vi nada mais feio; assim, esqueci-me por um momento dos cumprimentos que ele fazia a minha tia, para reparar somente nas sinuosidades de serpente que imprimia a todo o seu corpo, desde os pés até à cabeça.

— Uma senhora muito amável, senhor Copperfield — prosseguiu ele. — Ela tem uma grande admiração por miss Inês, pois não tem, senhor Copperfield?

Respondi que sim, ousadamente, sem nada saber. Deus me perdoe!

— Espero que pensará como ela, senhor Copperfield — disse Uriah —, não é verdade?

— Toda a gente deve ser dessa mesma opinião — respondi eu.

— Oh! Agradeço-lhe esse reparo, senhor Copperfield — disse Uriah Heep. — O que o senhor acaba de dizer é tão verdadeiro! Mesmo na humildade da minha situação, sei que é tão verdadeiro! Oh! Obrigado, senhor Copperfield!

E contorceu-se por tal maneira que, na exaltação dos seus sentimentos, foi-se levantando do mocho e começou a fazer os seus preparativos de partida.

— Minha mãe deve esperar-me — disse ele consultando um relógio baço e ordinário que tirou da algibeira —, deve a estas horas começar a inquietar-se, porque por mais humildes que possamos ser, senhor Copperfield, temos muito afecto um pelo outro. Se quiser ir um dia visitar-nos e tomar uma chávena de chá na nossa pobre casa, minha mãe e eu ufanar-nos-emos em o receber.

Respondi que iria com todo o gosto.

— Obrigado, senhor Copperfield — disse Uriah pousando o livro sobre uma estante. — Suponho que se demorará cá em casa por algum tempo ainda, senhor Copperfield?

Disse-lhe que pensava residir em casa de Mister Wickfield durante todo o tempo que frequentasse o colégio.

— Ah! Deveras? — exclamou Uriah. — Parece-me que tem muitas probabilidades de acabar por ser sócio de Mister Wickfield, senhor Copperfield.

Protestei que não tinha a menor tenção e que ninguém tinha pensado nisso; mas Uriah teimava em responder polidamente a todos os meus protestos: «Oh! Sim! O senhor Copperfield tem muitas probabilidades» e «Sim, certamente, senhor Copperfield, não há nada mais provável!». Enfim, quando terminou os seus preparativos, pediu-me licença para apagar a vela e à minha resposta afirmativa, soprou-lhe imediatamente. Depois de me ter dado um aperto de mão (pareceu-me que acabava de tocar num peixe no meio da escuridão), entreabriu a porta da rua, deslizou para fora e fechou-a, deixando-me à procura do caminho às apalpadelas, o qual consegui achar com grande trabalho, depois de ter esbarrado com o mocho em que me sentara. Foi, sem dúvida, por isso que levei metade da noite a sonhar com ele e que, entre outras coisas, o vi lançar ao mar a casa de Mister Peggotty, para se entregar a uma expedição de pirataria, com uma bandeira negra em que se lia esta divisa: «A Prática, por Tidd» e arrastando-nos atrás de si, sob essa insígnia diabólica, à Emilita e a mim, para nos afogar nos mares das Espanhas.

No dia seguinte consegui, no colégio, vencer a minha timidez e no imediato portei-me ainda melhor e desaparecendo o meu acanhamento gradualmente, ao fim de quinze dias estava perfeitamente familiarizado com os meus novos camaradas, sentindo-me muito feliz no meio deles. Eu era um desastrado nos jogos e tinha-me atrasado nos estudos, mas contava com a prática para me aperfeiçoar nos primeiros e com um trabalho assíduo para progredir nos segundos. Por consequência, dediquei-me activamente ao trabalho, quer na aula, quer no recreio e não perdi o meu tempo. A vida que tinha passado na casa Murdstone & Grinby pareceu-me dentro em pouco tão longe de mim, que mal acreditava nela, enquanto que a minha actual existência tão habitual se me tornara que me parecia nunca ter feito outra coisa.

O colégio do doutor Strong era excelente e parecia-se tão pouco com o de Mister Creakle como o bem com o mal. Era dirigido com muita ordem e gravidade, seguindo-se um bom sistema: em todas as coisas se apelava para a honra e para a boa fé dos alunos, com a intenção confessa de se contar com essas qualidades da parte deles, enquanto não dessem provas do contrário. Esta confiança produzia os melhores resultados. Sentíamos todos que tínhamos a nossa parte na direcção do estabelecimento e que nos pertencia manter-lhe a reputação e a honra. Assim, éramos todos vivamente dedicados à casa; pela minha parte respondo eu e nunca vi nenhum dos meus camaradas pensar de outra maneira. Estudávamos com muito gosto para honrar o doutor. Jogávamos magníficas partidas nos recreios e gozávamos de uma grande liberdade. Mas lembro-me que com tudo isso tínhamos boa reputação na cidade e que as nossas maneiras e o nosso comportamento raras vezes prejudicavam o renome do doutor Strong e da sua instituição.

Alguns dos mais velhos de entre nós residiam com o doutor e por eles soube algumas minudências a seu respeito. Ainda não havia um ano que ele tinha casado com a linda senhora que eu vira no seu gabinete; fora da sua parte um casamento de amor; ela não tinha um penny, mas em compensação possuía, ao que diziam os meus camaradas, uma infinidade de parentes pobres, sempre prontos a invadir a casa do marido. Atribuíam-se as maneiras abstractas do doutor às investigações constantes a que se entregava acerca das raízes gregas. Na minha inocência, ou, antes, na minha ignorância, eu supunha que isso era no doutor uma espécie de mania botânica, tanto mais que andava sempre a olhar para a terra quando caminhava; só mais tarde é que vim a saber que se tratava de raízes de palavras com que ele tencionava fazer um dicionário.

Adams, que era o primeiro da aula e que tinha disposições para as matemáticas, calculara o tempo que ele gastaria a concluir esse dicionário, segundo o primitivo plano e os resultados já obtidos. Calculava ele que seriam precisos, para terminar a empresa: mil seiscentos e quarenta e nove anos, a partir do último aniversário do doutor, que já tinha feito sessenta e dois anos.

Quanto ao doutor, era o ídolo de todos os alunos e seria preciso que o colégio fosse bem mal dirigido para que sucedesse o contrário, porque era com certeza o melhor dos homens e tinha uma sinceridade tão simples que seria até capaz de sensibilizar o coração de pedra das grandes urnas que se viam pelo muro fora. Quando passeava de cá para lá no pátio, junto à grade, sob os olhares dos corvos e das gralhas, que o fitavam arrebitando a cabeça, com ar de compaixão, como se bem soubessem que estavam muito mais do que ele ao corrente das coisas deste mundo, se um vagabundo, atraído pelo estalido dos seus passos, se lhe aproximava e lhe chamava a atenção com uma narrativa cheia de lamentações, era certo que obtinha da sua caridade com que ficar ao abrigo da fome por dois dias. Sabia-se isso tão bem no colégio, que os prefeitos e os alunos mais velhos saltavam muitas vezes pela janela para enxotarem do pátio os mendigos, antes que o doutor desse deles fé e às vezes até se fazia isso apenas a alguns passos de distância dele, sem que pressentisse absolutamente nada do que se passava. Uma vez saído para fora de casa, sem a protecção dos prefeitos e dos alunos, era como uma ovelha desgarrada, presa do primeiro malfeitor que lhe tiraria a pele. Da melhor vontade desapertaria as polainas para as dar. Para dizer tudo, corria entre os colegiais uma história, que remontava não sei a que época e era baseada sobre não sei que autoridade, mas que ainda creio verdadeira: dizia-se que num dia de Inverno, em que o frio era de enregelar, o doutor tinha positivamente dado as suas polainas a uma mendiga, que excitou um certo escândalo na vizinhança ao apresentar, de porta em porta, uma criancinha embrulhada nesses cueiros improvisados, com geral surpresa, porque as polainas do doutor eram tão conhecidas como a catedral em toda a redondeza. Acrescentava a lenda que a única pessoa que as não reconheceu foi o próprio doutor, que as descobriu pouco tempo depois penduradas na baiuca de uma adela mal afamada, que recebia toda a espécie de artigos de vestuário em troca de um cálice de genebra e que parou para as examinar com um gesto aprovador, como se lhes notasse algum aperfeiçoamento novo no corte que lhes desse certa vantagem assinalada sobre as que trazia calçadas!

O que encantava era ver as maneiras do doutor para com a jovem esposa. Tinha uma forma tão afectuosa e paternal de lhe testemunhar a sua ternura, que de per si só parecia resumir todas as virtudes desse bondoso homem. Via-os muitas vezes a passear no jardim, perto das latadas e outras tinha ocasião de os observar de mais perto no gabinete ou no salão. Parecia-me que ela tinha muito cuidado com ele e que o amava muito; mas o interesse que ela tomava pelo dicionário afigurava-se-me bastante frouxo, conquanto os bolsos e o forro do chapéu do doutor estivessem sempre atulhados de tiras dessa grande obra cujo plano explicava à esposa quando com ela passeava.

Eu via muitas vezes Mistress Strong; ela ficara gostando de mim desde o dia em que Mister Wickfield me apresentara ao marido e continuou sempre a interessar-se por mim com muita bondade; além disso, gostava muito de Inês e ia muitas vezes vê-la; mas não estava bem quando via Mister Wickfield e eu achava que ela tinha sempre a aparência de ter medo dele. Quando lá ia à noite, evitava o aceitar-lhe o braço para regressar a casa e era a mim a quem pedia para a acompanhar. As vezes, quando atravessávamos alegremente juntos o largo da catedral, sem esperarmos por nenhum encontro, víamos aparecer Mister Jack Maldon, que ficava muito admirado de nos ver por ali.

A mãe de Mistress Strong alegrava-me infinitamente. Chamava-se Mistress Markleham, mas nós no colégio costumávamos chamar-lhe o «Velho Tarimbeiro», pela táctica com que ela fazia manobrar o numeroso exército de parentes que comandava em campanha contra o doutor. Era uma mulher baixa, com os olhos muito vivos. Usava sempre, quando em vestuário de gala, uma eterna touca enfeitada com flores artificiais e duas borboletas adejando sobre elas. Dizia-se entre nós que essa touca tinha vindo de França e que não podia vir de outra parte senão dessa engenhosa nação; tudo quanto sei é que tal touca aparecia à noite em toda a parte para onde fosse Mistress Markleham; que ela tinha um cabaz chinês em que a levava para as casas aonde tinha de passar a noite, que as borboletas tinham a faculdade de adejar nas asas tremulantes, tão ágeis, tão activas como «a abelha diligente», se não é que só despesas acarretassem ao doutor Strong.

Pude fazer observações à vontade acerca do «Velho Tarimbeiro», seja dito sem lhe faltar ao respeito, uma noite que se tornou memorável por causa de um outro incidente que vou contar. O doutor recebia nessa noite algumas pessoas, por motivo da partida de Mister Jack Maldon para as índias, aonde ia entrar como cadete num regimento, creio, visto que Mister Wickfield lhe tinha enfim arranjado colocação. Comemorava-se exactamente nesse dia o aniversário do doutor. Tivéramos feriado e havíamos-lhe dado um presente de manhã; Adams discursara em nome de todos os alunos e nós aplaudíramos a ponto de enrouquecermos, o que fizera chorar o bom do doutor. À noite, Mister Wickfield, Inês e eu fomos tomar o chá a casa do doutor, como visitas.

Mister Jack Maldon já lá estava; Mistress Strong, com um vestido branco enfeitado a fitas cor de cereja, tocava piano no momento em que chegámos e ele inclinava-se para ela, a fim de lhe virar os papéis da música. Pareceu-me um pouco mais pálida do que de costume quando se voltou à nossa chegada, mas estava linda, notavelmente linda.

— Esqueci-me de o cumprimentar pelo seu aniversário, doutor — disse a mãe de Mistress Strong quando nos sentámos. — De resto, creia que não são simples cumprimentos da minha parte. Permita-me que lhe deseje uns bons anos seguidos de muitos mais.

— Agradecido, minha senhora — disse o doutor.

— De muitos, de muitos mais — continuou o «Velho Tarimbeiro» —, não só para sua felicidade, mas também para a de Annie, de Jack Maldon e da restante companhia. Parece que foi ontem, John, que o senhor era ainda um rapazinho com menos cabeça do que Mister Copperfield, quando fazia declarações à Annie atrás das groselheiras, ao fundo do jardim. Parece que foi ontem!

— Minha querida mamã! — disse Mistress Strong — no que está a pensar?

— Vamos, Annie, nada de tolices — disse-lhe a mãe. — Se se envergonha agora que é uma velha matrona, quando deixará então de corar?

— Velha! — exclamou Mister Jack Maldon. — Annie velha! Ora adeus!

— Sim, Jack — replicou o «Velho Tarimbeiro». — É de facto uma velha matrona. Não quero dizer que seja velha na idade, suponho que não me julgam tão lorpa que pretenda que uma rapariga de vinte anos seja velha, mas sua prima é mulher do doutor e é por isso que merece o título respeitável que lhe dou. E foi muito bom para si, Jack, que sua prima casasse com o doutor, porque tem nele um amigo dedicado e influente, que não terminará por aí as suas bondades, se o senhor o merecer, estou certa disso. Não tenho orgulhos postiços e por isso não hesito em confessar francamente que há na nossa família pessoas que precisam de um amigo; o senhor, por exemplo, estava nesse caso, antes da influência de sua prima lhe ter procurado este amigo prestável.

O doutor, na generosidade do seu coração, fez um sinal com a mão como para dizer que não valia a pena falar nisso e para poupar a Mister Jack Maldon um novo apelo ao seu reconhecimento; mas Mistress Markleham mudou de cadeira para se ir sentar mais perto do doutor e aí encostou o leque ao braço de seu genro, dizendo-lhe:

— Não; sinceramente, meu caro doutor, peço-lhe que me desculpe se repiso muitas vezes este assunto, que em mim excita sentimentos tão intensos; é uma verdadeira monomania da minha parte, mas o senhor é uma Providência para todos nós. O seu casamento com Annie foi a maior felicidade que podíamos encontrar.

— Ora adeus! Ora adeus! — disse o doutor.

— Não senhor, não senhor; peço-lhe perdão — prosseguiu o «Velho Tarimbeiro» —, estamos sós, com excepção do nosso excelente amigo Mister Wickfield e não consentirei que se me tape a boca; reclamarei antes os meus privilégios de sogra para lhe ralhar, se não me quiser ouvir. Sou franca e tenho o coração nas mãos; o que eu disse agora, foi o mesmo que disse quando o senhor me lançou em tamanho espanto... Recorda-se da minha surpresa quando me pediu a mão de Annie? Não que a proposta fosse de si muito extraordinária, não sou tão lorpa que o diga, mas como o senhor lhe tinha conhecido o pobre pai e como, por assim dizer, a viu nascer, nunca me passou pela ideia que viesse a ser marido dela... nem marido de nenhuma, para melhor dizer, ora aqui está!

— Está bem! Está bem! — disse o doutor num tom de bom humor. — Não pensemos mais nisso.

— Mas quero pensar eu — disse o «Velho Tarimbeiro», tapando-lhe a boca com o leque —, e tenho de pensar nisso, quero recordar o que se passou, para que me contradigam se me enganar. O caso é que falei a Annie e contei-lhe o caso. «Minha querida, disse-lhe eu, o doutor Strong veio procurar-me e encarregou-me de lhe apresentar a sua declaração e de pedir a sua mão». Compreendem bem que eu insisti o menos que se pode insistir. «Annie, diga-me a verdade: é livre o seu coração?». «Mamã, disse-me ela a chorar, eu sou tão nova (e isso era verdade), que mal sei se tenho um coração». «Pois então, minha querida, pode estar certa de que o tem livre. Em todo o caso, filha, acrescentei eu, o doutor Strong está muito impaciente para que o façam esperar por uma resposta; não podemos deixá-lo na incerteza». «Mamã, disse Annie sempre a chorar, acredita que ele seja infeliz sem mim? Nesse caso, estimo-o e respeito-o tanto, que creio que casaria com ele». Era, pois, um assunto decidido e foi então somente que eu disse a minha filha: «Annie, o doutor Strong não será somente seu marido, mas representará ainda o seu defunto pai; representará o chefe da família; representará a circunspecção, a posição e posso dizer também a fortuna da família; numa palavra, será uma Providência para todos nós». Sim, foi as palavras que então empreguei e repito-as hoje. Se tenho algum merecimento, é o da constância.

Sua filha ficara imóvel e silenciosa durante este discurso, tendo os olhos fitos no chão; seu primo, em pé junto dela, tinha também os olhos baixos. Quando sua mãe pareceu ter terminado, Annie disse muito baixo e em voz trémula:

— Mamã, espero que tivesse acabado.

— Não, minha querida amiga — replicou o «Velho Tarimbeiro» — ainda não acabei completamente. Já que me faz essa pergunta, meu amor, respondo-lhe que não acabei. Tenho ainda a queixar-me de um pouco de frieza da sua parte para com sua própria família e como nada se lucra em a gente se queixar a si, é a seu marido que me queixarei de ora em diante. Agora, meu caro doutor, olhe para a tonta da sua mulherzinha.

Quando o doutor se voltou para ela com um sorriso cheio de bondade, Mistress Strong baixou ainda a cabeça. Notei que Mister Wickfield não a perdia de vista um só momento.

— Quando disse, no outro dia, a esta mazinha — continuou a mãe meneando a cabeça e designando Mistress Strong com a ponta do leque — que havia um pequeno caso de família de que ela podia e devia mesmo fazê-lo ciente, respondeu-me que se lhe falasse seria como se lhe pedisse um favor, porque o senhor era tão generoso que bastava pedir-lhe para obter e que por isso não lhe queria falar de nada!

— Minha querida Annie — disse o doutor — fez mal; privou-me de um grande prazer.

— Foi precisamente o que eu lhe disse — exclamou a mãe. — Palavra que para a outra vez, quando eu souber que é essa a razão que a impede de lhe falar e que se recusa a fazê-lo, terei muito gosto em me dirigir pessoalmente a si, meu caro doutor.

— Ficarei contentíssimo — respondeu o doutor — se assim proceder.

— Palavrinha? Pois bem! Então não o pouparei — disse o «Velho Tarimbeiro». — Fica combinado.

Ao que suponho, tendo-se saído bem do que pretendia, bateu docemente na mão do doutor com o leque, que tinha beijado primeiro e depois regressou com ar triunfante à cadeira que ocupava no começo da noite.

Chegaram algumas pessoas, entre as quais dois subprefeitos com Adams; a conversa generalizou-se e recaiu naturalmente sobre Mister Jack Maldon, sobre a sua viagem, sobre o país em que ia residir, sobre os seus projectos e sobre as suas esperanças. Partia nessa noite, depois da ceia, na mala-posta, para Gravesend, aonde embarcaria no navio que o devia levar; ia estar ausente, diziam, muitos anos, a menos que não pudesse obter uma licença, ou que a sua saúde não o obrigasse a regressar mais cedo. Lembro-me que se concluiu por que a índia era um país caluniado e que não havia outra coisa a recear senão algum tigre em vários lugares e um calor um pouco excessivo no sul. Quanto a mim, tinha Mister Jack Maldon na conta de um moderno Sindbad; afigurou-se-me o amigo íntimo de todos os rajás do Oriente, sentado sob um dossel e fumando por narguilés dourados, que teriam um quarto de légua de comprido, se os estendessem.

Mistress Strong cantava muito agradavelmente: eu sabia-o por a ter ouvido cantar só; mas ou fosse por ter vergonha de cantar perante um auditório, ou porque não estivesse disposta para isso, o certo é que nessa noite não o pôde conseguir. Ensaiou um dueto com seu primo Maldon, mas não pôde emitir a primeira nota e quando quis em seguida passar a um solo, a sua voz, puríssima, a princípio, cessou de repente e foi tal a sua perturbação, que ficou diante do piano, com a cabeça baixa sobre o teclado. O bom do doutor atribuiu o facto a nervoso e propôs, para a aliviar, um jogo de cartas, no que era, creio, tão forte como a tocar trombone. Mas notei que o «Velho Tarimbeiro» o escolheu logo para parceiro e que uma vez sob o seu domínio, a primeira instrução que ele recebeu foi passar-lhe para as mãos todo o dinheiro que tinha na algibeira.

O jogo foi muito divertido, graças sobretudo aos numerosos enganos do doutor, a despeito da vigilância das borboletas, muito irritadas com o seu mau êxito. Mistress Strong não quis jogar, alegando que não se sentia bem e seu primo Maldon desculpara-se sob pretexto de que tinha de preparar as malas. Estas foram, aparentemente, preparadas num instante, porque reapareceu quase logo na sala, para ir sentar-se no canapé, ao lado da prima. De tempos a tempos somente, Mistress Strong erguia-se para deitar uma vista de olhos pelo jogo do doutor e dar-lhe algum conselho. Estava muito pálida ao inclinar-se para ele e parecia-me que lhe tremia o dedo ao indicar as cartas; mas o doutor, satisfeito com as suas atenções, não notava estas pequenas minudências.

A ceia não foi muito alegre: todos pareciam sentir que uma separação desta natureza era qualquer coisa de apoquentador e o constrangimento aumentava à medida que se ia aproximando a hora da partida. Mister Jack Maldon fazia todos os esforços para sustentar a conversação, mas não se encontrava à vontade e deitava tudo a perder. O «Velho Tarimbeiro» aumentava ainda o mal-estar geral, segundo me parecia, recordando sem cessar episódios retrospectivos da mocidade de Mister Jack Maldon.

O doutor, convencido todavia, estou certo disso, de que tinha tornado, nessa última reunião, toda a gente muito feliz, estava radiante e não tinha a mais leve ideia de que não estivéssemos todos alegres a valer.

— Minha querida Annie — disse ele consultando o relógio e enchendo o seu copo — chegou a hora da partida de seu primo Jack e não devemos retê-lo, porque o tempo e a maré não esperam por ninguém. Mister Jack Maldon, o senhor tem diante de si uma longa viagem e vai para um país estranho; mas não é o primeiro nem será o último no decorrer dos tempos. Os ventos que vai arrostar conduziram milhares de homens à fortuna, como fizeram felizmente regressar milhares deles à pátria.

— É uma coisa bem emocionante — disse Mistress Markleham — por qualquer lado que se encare a questão, ver um mancebo que se conheceu desde a infância partir assim para o outro cabo do mundo, deixando atrás de si todos os seus amigos, sem saber o que lá vai encontrar; um mancebo que faz tal sacrifício merece apoio e protecção constante — continuou ela fixando o doutor Strong.

— O tempo passará depressa para si, senhor Jack Maldon — disse o doutor —; passará depressa para todos nós. Há entre nós quem mal poderá esperar razoavelmente, no curso natural das coisas, estar vivo para o felicitar no seu regresso, mas não é proibido esperá-lo e isso farei eu. Não o fatigarei com longos conselhos. Durante muito tempo teve diante de si um excelente modelo na pessoa de sua prima Annie. Imite as suas virtudes, tanto quanto lhe for possível.

Mistress Markleham abanava-se com o leque meneando a cabeça.

— Adeus, senhor Jack — disse o doutor levantando-se e com ele todos se levantaram —; desejo-lhe uma boa viagem, êxito na sua carreira e um feliz regresso ao nosso país!

Todos beberam à saúde de Mister Jack Maldon; trocaram-se apertos de mão, depois Jack despediu-se à pressa de todas as senhoras e saiu precipitadamente. Ao subir para o carro teve uma salva de saudações, homenagem prestada pelos meus condiscípulos, que para isso se haviam reunido no jardim. Corri a juntar-me a eles, para aumentar o número e vi perfeitamente, no meio da poeira e do ruído, Mister Jack Maldon encostado no carro e tendo na mão uma fita cor de cereja.

Depois dos hurras soltados pelo doutor e pela esposa, os alunos dispersaram e eu regressei a casa, aonde encontrei toda a gente reunida em torno dele. Discutia-se a partida de Mister Maldon, a sua coragem, as suas emoções e tudo o mais que se seguiu. No meio de todas estas observações, Mistress Markleham exclamou:

— Aonde é que está a Annie?

Annie não se encontrava na sala, nem respondeu quando por ela chamaram. Mas, quando saímos de tropel para a procurarmos, encontrámo-la estendida no pavimento do vestíbulo. À primeira vista foi grande o alarme, mas reconheceu-se logo que estava desmaiada e começou a voltar a si, graças aos meios que de ordinário se empregam em tais casos. Então o doutor, que tinha levantado a cabeça de sua mulher para a encostar aos joelhos, apartou com a mão os anéis dos cabelos que lhe cobriam o rosto e disse, olhando para nós:

— Pobre Annie! É tão afectuosa e tão constante! O motivo disto é ver-se separada do seu amigo de infância, do seu antigo camarada, do primo que ela mais amava. Ah! É pena! Sinto-me deveras incomodado.

Quando ela abriu os olhos e que se viu assim e nós todos rodeando-a, levantou-se amparada por nós, voltando a cabeça para a encostar no ombro do doutor ou para se esconder, não sei bem. Todos nós tínhamos entrado para a sala, a fim de a deixarmos a sós com o doutor e sua mãe, mas ela disse que se sentia melhor do que antes e que estimaria ir para o meio de nós; levaram-na então para a sala, sentando-se ela no canapé, bastante pálida e ainda bastante fraca.

— Minha querida Annie — disse sua mãe compondo-lhe o vestido —, olhe que perdeu um dos seus laços. Algum dos senhores faz favor de o procurar? É de fita cor de cereja.

Era o que ela tinha no peito do vestido. Procuraram-no por toda a parte; eu também o procurei, mas ninguém o encontrou.

— Lembra-se se o perdeu há muito, Annie? — disse sua mãe.

Perguntei de mim para mim como é que essa mulher, que eu acabava de ver tão pálida, ficara de repente tão vermelha como fogo, respondendo que o tinha ainda há um instante, mas que não valia a pena procurá-lo.

Tornou-se outra vez a procurá-lo, mas foi baldadamente. Ela pediu que não pensassem mais nisso e as investigações afrouxaram. Depois, enfim, quando ela se encontrou completamente bem, todos se despediram. Ao regressarmos a casa vínhamos muito devagar, Mister Wickfield, Inês e eu. Inês e eu admirávamos o luar, mas Mister Wickfield mal levantava os olhos. Quando, enfim, chegámos à porta de casa. Inês deu fé que se tinha esquecido da sua saca de trabalho. Encantado por poder prestar-lhe um serviço, voltei atrás buscar-lha.

Entrei na sala de jantar aonde Inês a deixara: estava tudo escuro e não vi ninguém, mas a porta que deitava para o gabinete do doutor estava aberta; vi luz e entrei para dizer o que vinha procurar e pedir uma vela.

O doutor estava sentado ao pé do fogão, na sua grande poltrona; a sua jovem mulher estava-lhe sentada aos pés num tamborete. Lia-lhe ele alto, com um sorriso de complacência, uma explicação manuscrita da teoria do famoso dicionário e ela tinha os olhos fitos nele. Mas nunca vi, num rosto, uma tal expressão, tão lindas feições pálidas como a morte, um olhar tão apagado e fixo; o ar alucinado de uma sonâmbula; um pavor de pesadelo; um horror profundo, não sei de quê. Tinha os olhos esgazeados e os lindos cabelos castanhos caíam anelados pelo seu vestido branco, viúvo do laço cor de cereja. Lembro-me perfeitamente tal qual ela estava. Perguntava de mim para mim o que ela queria dizer. Ainda hoje mesmo o pergunto, evocando esse quadro perante o meu juízo amadurecido pela experiência da vida. Arrependimento, humilhação, vergonha, orgulho, afecto e confiança? Havia de tudo isso e a tudo isso vinha misturar-se esse horror de não sei quê.

A minha entrada e a minha pergunta fizeram-na sair da sua divagação e mudaram também a corrente de ideias do doutor, porque, quando eu voltei a restituir o castiçal que tirara de cima de uma mesa, ele acariciava os cabelos de sua mulher com ar paternal.

— Eu não passo — dizia-lhe ele — de um velho egoísta por assim me deixar arrastar pela sua paciência, a ponto de lhe fazer tais leituras, em vez de a mandar deitar, o que bem mais valeria.

Ela, porém, pediu-lhe instantemente, conquanto numa voz pouco firme, que a deixasse ficar e sentir que tinha toda a sua confiança nessa noite; ela balbuciou estas últimas palavras e quando se voltou de novo para ele, depois de me ter lançado um olhar, no momento em que eu saía, vi-a cruzar as mãos no joelho do doutor e fitá-lo com o mesmo rosto que antes, conquanto com um pouco mais de tranquilidade, de passo que ele prosseguia na leitura.

Este incidente causou-me então grande impressão e lembrou-me muito tempo depois, como terei ocasião de relatar na devida oportunidade.

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