David Copperfield (1850)

بواسطة WattpadClassicosLP

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Obra do inglês Charles Dickens. المزيد

Capítulo I - Venho ao mundo
Capítulo III - Uma mudança
Capítulo IV - Caio em desgraça
Capítulo V - Sou exilado da casa paterna
Capítulo VI - Aumento os meus conhecimentos
Capítulo VII - O meu primeiro semestre em Salem-House
Capítulo VIII - As minhas férias ...
Capítulo IX - Nunca esquecerei esse meu dia de anos
Capítulo X - Primeiro desprezam-me, depois empregam-me
Capítulo XI - Começo a viver por minha conta, do que não gosto nada
Capítulo XII - Não me agrada viver por minha conta; tomo uma grande resolução
Capítulo XIII - Executo a minha resolução
Capítulo XIV - O que minha tia fez de mim
Capítulo XV - Recomeço
Capítulo XVI - Mudo sob vários pontos de vista
Capítulo XVII - A quem a boa sorte favorece
Capítulo XVIII - Um olhar retrospectivo
Capítulo XIX - Olho em torno e faço uma descoberta
Capítulo XX - Em casa de Steerforth
Capítulo XXI - A Emilita
Capítulo XXII - Novos personagens num velho teatro
Capítulo XXIII - Corroboro a opinião de Mister Dick e escolho uma profissão
Capítulo XXIV - Os meus primeiros excessos
Capítulo XXV - Anjo bom e anjo mau
Capítulo XXVI - Eis-me caído em cativeiro
Capítulo XXVII - Tommy Traddles
Capítulo XXVIII - É preciso que Mister Micawber atire a luva à sociedade
Capítulo XXIX - Vou outra vez visitar Steerforth
Capítulo XXX - Uma perda
Capítulo XXXI - Uma perda mais grave
Capítulo XXXII - Começo de uma longa viagem
Capítulo XXXIII - Felicidade
Capítulo XXXIV - Minha tia causa-me um grande pasmo
Capítulo XXXV - Abatimento
Capítulo XXXVI - Entusiasmo
Capítulo XXXVII - Um pouco de água fria lançada no meu fogo
Capítulo XXXVIII - Dissolução de sociedade
Capítulo XXXIX - Wickfield & Heep
Capítulo XL - Triste viagem ao acaso
Capítulo XLI - As tias de Dora
Capítulo XLII - Uma nódoa negra
Capítulo XLIII - Ainda um olhar retrospectivo
Capítulo XLIV - A nossa casa
Capítulo XLV - Mister Dick justifica a predição de minha tia
Capítulo XLVI - Novidades
Capítulo XLVII - Marta
Capítulo XLVIII - Acontecimento doméstico
Capítulo XLIX - Acho-me envolvido num mistério
Capítulo L - Realiza-se o sonho de Mister Peggotty
Capítulo LI - Preparativos de uma mais longa viagem
Capítulo LII - Assisto a uma explosão
Capítulo LIII - Ainda um olhar retrospectivo
Capítulo LIV - As operações de Mister Micawber
Capítulo LV - A tempestade
Capítulo LVI - O novo e o velho golpe
Capítulo LVII - Os emigrantes
Capítulo LVIII - Ausência
Capítulo LIX - Regresso
Capítulo LX - Inês
Capítulo LXI - Mostram-me dois interessantes penitentes
Capítulo LXII - Fulge uma estrela no meu caminho
Capítulo LXIII - Um visitante
Capítulo LXIV - Um último olhar retrospectivo

Capítulo II - Observo

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بواسطة WattpadClassicosLP

Os primeiros objectos que eu encontro sob uma forma distinta quando procuro lembrar-me dos dias da minha pequena infância, são: primeiro minha mãe, com os seus lindos cabelos e o seu ar de moça. Depois, Peggotty; essa não tem idade, os seus olhos são tão pretos que lançam uma cambiante sombria por todo o seu rosto; as suas faces e os seus braços são tão duros e vermelhos que dantes, lembra-me, não compreendia como é que os pássaros não vinham debicá-la de preferência às maçãs.

Parece-me que estou a ver minha mãe e Peggotty colocadas uma em frente da outra; para se fazerem pequenas, inclinam-se ou ajoelham-se no chão, e eu vou cambaleando de uma para a outra. Resta-me uma recordação que me parece ainda muito recente: a do dedo que Peggotty me estendia para me ajudar a andar, um dedo todo picado da agulha e mais áspero do que um ralador de noz moscada.

É talvez uma ilusão, mas creio todavia que a memória de muitos dentre nós conserva mais impressão dos dias de infância do que geralmente se crê, da mesma maneira que creio na faculdade da observação muitas vezes desenvolvidíssima e exactíssima nas crianças. A maior parte dos homens feitos que são notáveis sob este ponto de vista conservaram, segundo penso, esta faculdade antes de a adquirirem; e, o que pareceria prová-lo, é que têm geralmente uma vivacidade de impressão e uma serenidade de carácter que são bem certamente neles uma herança da infância.

Acusar-me-ão talvez de divagar por me deter nesta reflexão, mas isso leva-me a dizer que tiro as minhas conclusões da minha experiência pessoal, e, se no decurso desta narrativa se encontrar a prova de que na minha infância eu tinha uma grande disposição para observar, ou que na minha idade madura conservei uma viva recordação da minha infância, menos admirado se ficará que eu me creia, de facto, com direitos incontestáveis a essas feições características.

Procurando, como já tenho dito, desenredar o caos da minha infância, os primeiros objectos que se me deparam são minha mãe e Peggotty. De que me lembro ainda? Vejamos.

O que sai primeiro da nuvem é a nossa casa, recordação familiar e distinta. Ao rés-do-chão, lá está a cozinha de Peggotty que deita para um pátio; nesse pátio há, na extremidade de uma vara, um pombal sem um único pombo; uma grande casota de cão, a um canto, sem o menor cachorro; mais, uma porção de pintainhos que me parecem gigantescos e que passeiam a grandes pernadas pelo pátio com o ar mais ameaçador e mais feroz. Há um galo que salta para o poleiro a fim de me examinar quando assomo a cabeça à janela da cozinha; faz-me tremer, tem o ar tão cruel! De noite, vejo em sonhos os gansos de pescoço comprido avançarem para mim, ao pé da grade; vejo-os sem cessar nos meus sonhos, como um homem rodeado de animais ferozes adormece sonhando com leões.

Cá está um longo corredor, mas não lhe vejo o fim; vai desde a cozinha de Peggotty até à porta de entrada. A despensa deita para esse corredor é muito escura, e de noite é preciso atravessá-la muito depressa, porque quem sabe o que se pode encontrar no meio desses cântaros, desses potes, dessas velhas caixas de chá? Um velho candeeiro ilumina-a com fraca luz, e pela porta entreaberta sente-se um cheiro extravagante a sabão, a alcaparras, a pimenta, a velas e a café, isto tudo amalgamado. Em seguida há duas salas; aquela em que passamos as noites, minha mãe, eu e Peggotty, porque Peggotty está sempre ao pé de nós quando estamos sós e logo que acaba o seu serviço; e a sala grande onde passamos os domingos é mais bonita, mas não se está lá tanto à vontade. Esse aposento tem um aspecto lamentável aos meus olhos, porque Peggotty narrou-me (não sei quando, provavelmente há um século), o enterro de meu pai minuciosamente; contou-me que era nessa sala que os amigos da família estavam reunidos todos de preto. Foi ainda lá que um domingo à noite minha mãe nos leu, a Peggotty e a mim, a história de Lázaro ressuscitado dentre os mortos; e tanto medo me causou que tiveram de me ir buscar à cama e mostrar-me da janela o cemitério profusamente tranquilo, o lugar em que os mortos dormiam em repouso, à pálida claridade da lua.

Não conheço em parte alguma relva mais verde que a desse cemitério; não há nada tão copado como essas árvores, nada tão tranquilo como essas sepulturas. Todas as manhãs, quando me ajoelho na minha pequena cama ao pé do quarto de minha mãe, vejo os carneiros a pastar essa erva verdejante; vejo o sol fulgente que se reflecte no relógio de sol, e espanto-me de que com tudo isso que o cerca ele possa marcar horas.

Cá está o nosso banco na igreja, o nosso banco com o seu grande espaldar. Ao pé fica uma janela donde se pode ver a nossa casa; durante o ofício divino da manhã, Peggotty olha para ela a cada momento, para se certificar que não vá arder ou ser assaltada pelos ladrões, na nossa ausência. Mas Peggotty não quer que eu faça como ela, e quando isso sucede, faz-me sinal de que devo de olhar para o pastor. Todavia, eu não posso estar sempre a olhar para ele; bem o conheço quando ele não tem vestida essa grande coisa branca, e tenho medo de que não se vá admirar de eu estar sempre com os olhos fitos nele; quem sabe se não vai interromper-se para me perguntar o que quer isso dizer. Mas que diabo hei-de fazer então? É bem feio abrir a boca, e no entanto é preciso fazer alguma coisa. Olho para minha mãe, mas ela finge que me não vê. Olho para um rapazito que fica quase ao pé de mim, ele faz-me carantonhas. Olho para o raio do sol que entra pelo pórtico e vejo uma ovelha desgarrada, não é um pecador que eu quero dizer, é um carneiro que por um triz está a entrar pela igreja dentro. Sinto que se olhasse mais tempo para ele acabaria por lhe gritar que se fosse embora, e então seria o bom e o bonito! Olho para as inscrições gravadas nas sepulturas em volta da parede e trato de pensar no falecido Mister Bodgers, natural desta paróquia, e na dor que devia ter sentido Mistress Bodgers, quando Mister Bodgers sucumbiu depois de uma longa doença em que a ciência dos médicos se tornou absolutamente ineficaz. Pergunto com os meus botões se consultaram para esse senhor o doutor Chillip; e se foi ele que foi ineficaz, desejaria saber se ele acha agradável reler em todos os domingos o epitáfio de Mister Bodgers. Estou a ver Mister Chillip com a sua gravata do domingo, depois passo ao púlpito. Como ali se brincaria bem! Que famosa fortaleza não se fazia desse púlpito; o inimigo precipitar-se-ia pela escada para nos atacar; e nós esmagá-lo-íamos com a almofada de veludo e com as suas borlas. Pouco a pouco vão-se-me cerrando os olhos; ouço ainda o pastor repetir um salmo; faz um calor sufocante, depois não ouço mais nada, até ao momento em que escorrego do banco com um ruído espantoso, e em que Peggotty me arrasta para fora da igreja mais morto que vivo.

Agora estou a ver a frontaria da nossa casa; a janela dos nossos quartos está aberta, e entra por ela um ar embalsamado; os velhos ninhos dos corvos balouçam-se ainda na copa dos olmos do jardim. Agora vejo-me por trás da casa, atrás do pátio aonde estão a casota e o pombal vazio: é um sítio todo cheio de borboletas, fechado por uma grande estacada, com uma porta que tem um cadeado; as árvores estão carregadas de frutos mais maduros e abundantes do que em qualquer outro jardim; minha mãe colhe alguns, e eu, que estou atrás dela, vou rabiscando algumas groselhas às escondidas, com um ar tão indiferente quanto possível. Levanta-se ventania, fugiu o Verão. Jogamos no salão por uma noite de Inverno. Quando minha mãe está fatigada vai sentar-se numa cadeira de braços, enrola nos dedos os compridos anéis dos cabelos, olha para o busto bem lançado, e ninguém sabe melhor do que eu que ela está contente por ser tão bonita.

São estas as minhas mais antigas recordações. Acrescentem-lhe a opinião, se é que eu já tinha uma opinião, de que tínhamos; minha mãe e eu, um pouco de medo de Peggotty, e que seguíamos quase sempre os seus conselhos.

Uma noite, Peggotty e eu estávamos sós na sala, sentados ao lume do fogão. Eu tinha lido a Peggotty uma história de crocodilos. Era preciso que eu tivesse lido com bem pouca inteligência ou que a pobre rapariga estivesse muito distraída, porque me lembra que não lhe ficou da minha leitura senão uma espécie de impressão vaga de que os crocodilos eram uma qualidade de legumes. Eu estava cansado de ler e a cair com sono, mas nessa noite tinham-me feito o grande favor de me deixarem esperar o regresso de minha mãe, que tinha ido jantar a casa de uma vizinha, e eu deixar-me-ia morrer mais depressa na cadeira do que ir-me deitar. Quanto mais vontade eu tinha de dormir, tanto mais Peggotty me parecia tornar-se imensa e tomar proporções desmedidas. Eu arregalava os olhos tanto quanto podia; examinava o bocadinho de cera com que ela encerava a linha e que estava riscado em todos os sentidos, e a choupanazinha figurada que continha o seu metro; e o caixão de trabalho cujo tampo representava a catedral de S. Paulo com um zimbório cor-de-rosa. Depois chegava a vez do dedal e por fim a própria Peggotty; achava-a encantadora. O meu sono era tal, que se cessasse um instante de ter os olhos abertos estava pronto.

— Peggotty — disse eu de repente —, você já foi casada?

— Deus do céu! Sr. Davy — respondeu Peggotty —, donde é que lhe veio essa ideia de falar de casamento?

Ela respondeu com tanta energia que me despertou completamente. Pousou a obra e olhou-me fixamente, sempre puxando a linha da agulha a todo o comprimento.

— Vamos, Peggotty, já foi casada? — tornei eu. — Você é uma lindíssima mulher, pois não é?

Eu achava a beleza de Peggotty de um estilo muito diverso do de minha mãe, mas no seu género parecia-me perfeita. Havia na sala grande um tamborete de veludo vermelho, sobre o qual minha mãe tinha pintado um ramo de flores. O fundo desse tamborete e a cor de Peggotty pareciam-me absolutamente semelhantes. O veludo era macio e a cara de Peggotty era áspera, mas isso não fazia nada ao caso.

— Linda, eu, Davy! — disse Peggotty. — Ah! Com certeza que não, menino. Mas quem foi que lhe meteu em cabeça essa ideia de casamento?

— Eu sei lá. Não se pode casar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, pois não, Peggotty?

— Com certeza que não — disse Peggotty no tom mais positivo.

— Mas se a pessoa com quem se casou morrer, pode-se casar com outra, não pode, Peggotty?

Pode — disse-me Peggotty —, querendo-se. É uma questão de opinião.

— Mas qual é a sua opinião, Peggotty? — disse-lhe eu.

Ao fazer-lhe esta pergunta, eu olhava para ela, como ela tinha olhado para mim um momento antes ao ouvir a minha pergunta.

— A minha opinião — disse Peggotty principiando outra vez a pontear após um momento de indecisão —, a minha opinião é que nunca fui casada, Sr. Davy, e que penso não casar nunca. Aqui tem o que eu sei.

— Não está zangada comigo, pois não, Peggotty? — disse eu passado um instante.

Eu receava que ela se zangasse; tinha-me falado tão asperamente; mas enganava-me; ela pousou a meia que estava a pontear, e agarrando-me com os braços a cabeça encaracolada, apertou-a com toda a sua força. Digo com toda a sua força, porque como ela era muito gorda, um ou dois colchetes do seu vestido rebentavam cada vez que ela se entregava a um exercício um pouco violento. Ora, lembra-me que no momento em que me apertou nos braços, ouvi dois colchetes estalar e irem cair na outra extremidade da sala.

— Agora leia-me outra vez alguma coisa dos cocodrilos — disse Peggotty, que não estava ainda certa deste nome. — Gosto tanto de saber o que eles fazem...

Eu não compreendia muito bem porque é que Peggotty tinha o ar tão distraído, nem porque tinha tanto empenho em prosseguir-se na leitura dos crocodilos. Atirámo-nos à história desses monstros com novo interesse; ora púnhamo-nos a chocar-lhes os ovos na areia ao calor do sol; ora fazíamo-los enraivecer correndo constantemente ao redor deles num movimento rápido que o seu feitio singular impedia de poder seguir com a mesma rapidez; ora imitávamos os indígenas e atirávamo-nos à água para enterrarmos compridos paus aguçados na goela desses horríveis bicharocos; enfim, chegávamos a saber os nossos crocodilos de cor e salteado, pelo menos eu, porque Peggotty tinha momentos de distracção em que estava continuamente a enterrar nos dedos e nos braços a sua comprida agulha de pontear.

Íamo-nos a atirar aos aligatores quando bateram à porta do jardim. Corremos a abri-la; era minha mãe, mais linda que nunca, ao que me pareceu; vinha acompanhada por um cavalheiro que tinha cabelos e suíças pretas soberbas; já nos tinha acompanhado da igreja no domingo antecedente.

Minha mãe parou na soleira da porta para me beijar, o que fez dizer ao cavalheiro que eu era mais feliz do que um príncipe, ou qualquer coisa parecida, porque é possível que neste ponto as minhas reflexões de uma outra idade fracamente coadjuvem a minha memória.

— Que quer isso dizer? — perguntei eu a esse cavalheiro por cima do ombro de minha mãe.

Ele afagou-me a face; mas não sei porque, não me agradavam nada nem a sua voz nem a sua pessoa, e eu estava irritadíssimo por ver que a mão dele tocava na de minha mãe enquanto me acariciava. Eu repelia-o com todas as minhas forças.

— Oh, Davy! — exclamou minha mãe.

— Querida criança! — disse o cavalheiro. — Compreendo bem o seu ciúme.

Eu nunca tinha visto cores tão bonitas no rosto de minha mãe. Ralhou-me docemente da minha falta de polidez e, apertando-me nos braços, agradeceu ao cavalheiro o incómodo que tivera em a acompanhar até casa. Falando assim, estendia-lhe a mão e, ao estender-lha, olhava para mim.

— Dê-me as boas noites, meu lindo menino — disse o cavalheiro depois de se ter inclinado para beijar a pequena mão de minha mãe, vi-o bem.

— Boa noite — disse eu.

— Venha cá, vamos, sejamos bons amigos — disse ele rindo. — Dê-me a sua mão.

Minha mãe tinha-me a mão direita presa na sua; eu estendi-lhe a outra.

— Mas essa é a mão esquerda, Davy! — disse o cavalheiro a rir.

Minha mãe quis que eu lhe estendesse a mão direita, mas eu estava resolvido a não o fazer, sabe-se pelo quê. Estendi a esquerda ao estranho, que a apertou cordialmente, dizendo-me que eu era um excelente rapaz; depois foi-se embora.

Vi-o voltar-se à porta do jardim e lançar-nos um olhar de despedida com os seus olhos negros e a sua expressão de mau agouro.

Peggotty não tinha dito uma palavra nem mexido com um dedo; fechou as portadas e entrámos para o salão. Em vez de ir sentar-se ao pé do fogão, como era seu costume, minha mãe ficou na outra extremidade da sala, cantarolando a meia voz.

— Estimo que tivesse passado agradavelmente a noite, minha senhora! — disse Peggotty de pé no meio da sala, com um castiçal na mão e hirta como uma vara.

— Muito agradavelmente, Peggotty — replicou alegremente minha mãe. — Obrigada.

— Uma cara nova é sempre uma mudança agradável — murmurou Peggotty.

— Muito agradável — respondeu minha mãe.

Peggotty permanecia imóvel no meio da sala, minha mãe recomeçou a cantar e eu adormeci. Mas não dormia muito profundamente, pois que ouvia o ruído das vozes, sem compreender todavia o que se dizia. Quando despertei dessa modorra, minha mãe e Peggotty desfaziam-se em lágrimas.

— Nem sempre um sujeito assim teria sido do gosto de Mister Copperfield — dizia Peggotty —, juro-o pela minha honra.

— Mas, Deus do céu! — exclamava minha mãe. — Quer-me fazer perder a cabeça? Nunca houve uma pobre rapariga mais maltratada pelos seus criados do que eu. Mas não sei porque me estou a chamar uma pobre rapariga! Não fui casada, Peggotty?

— Deus é testemunha que sim, minha senhora — respondeu Peggotty.

— Como é que então se atreve... — diz minha mãe. — Não é bem o que eu queria dizer, Peggotty... Como é que tem a coragem de me tornar tão infeliz e de me dizer coisas tão desagradáveis quando sabe que, fora daqui, não tenho um único amigo a quem me dirigir?

— Razão de mais — replicou Peggotty — para que eu lhe diga que isso não lhe convém. Não, isso não lhe convém. Nada no mundo me fará dizer que isso lhe convém. Não.

No seu entusiasmo, Peggotty gesticulava tão desembaraçadamente com o castiçal, que eu estava à espera do momento em que ela o atirasse ao chão.

— Como é que tem a coragem — tornou minha mãe, chorando cada vez mais — de falar tão injustamente? Como é que pode obstinar-se a falar como se se tratasse de uma coisa realizada, quando eu lhe repito pela centésima vez que tudo se limitou à mais banal polidez? Você fala de admiração; mas que hei-de eu fazer? Se caem na tolice de me admirar, a culpa é minha? Que hei-de eu fazer, ande, responda-me? Desejava talvez que eu cortasse os cabelos, ou que mascarrasse o rosto ou ainda que escaldasse uma face? Palavra, Peggotty, creio que assim o desejaria. Creio que isso lhe causaria prazer!

Esta arguição pareceu causar muita pena a Peggotty.

— É o meu pobre filho! — exclamou minha mãe aproximando-se da poltrona em que eu estava estendido para me acariciar. — Meu querido Davidzinho! Há quem se atreva a afirmar que não amo este pequeno tesouro, meu bom pequerrucho!

— Nunca ninguém fez semelhante suposição — disse Peggotty.

— Sim, senhora, fez, Peggotty — respondeu minha mãe —, bem o sabe. Era isso o que queria dizer, e todavia, sua má, sabe tão bem como eu que no mês passado se não comprei uma sombrinha nova, se bem que a minha velha sombrinha verde esteja toda rota, não foi senão por causa dele. Bem o sabe, Peggotty. Não pode dizer o contrário.

Depois virando-se ternamente para mim, encostou a sua face à minha.

— Serei uma má mamã para ti, meu David? Serei uma mamã egoísta ou cruel, ou ruim? Diz que sim, meu menino, e Peggotty gostará de ti: o amor de Peggotty vale bem mais que o meu, David. Eu não te amo, de todo o meu coração, pois não?

Neste ponto desatámos todos a chorar. Eu gritava mais alto que as duas, mas os três chorávamos como as vides talhadas. Eu estava desesperadíssimo, e no primeiro transporte da minha ternura indignada, receio de ter chamado a Peggotty «animal ruim». Essa virtuosa criatura estava profundamente aflita, lembro-me bem; e com certeza que não lhe ficou um único colchete no vestido, pois houve uma explosão terrível deles, no momento em que, depois de se ter reconciliado com minha mãe, veio ajoelhar-se ao lado da grande poltrona para se reconciliar comigo.

Fomo-nos todos deitar, moídos como uma salada. Durante muito tempo os meus soluços não me deixavam dormir, e de uma vez, ao abrir os olhos, com sobressalto, vi minha mãe sentada na minha cama. Ela inclinou-se para mim, eu descansei a cabeça no seu ombro, e adormeci profundamente.

Não poderia afirmar se tornei a ver o cavalheiro desconhecido no domingo seguinte, ou se decorreu mais tempo antes que ele reaparecesse. Não pretendo lembrar-me com exactidão das datas. Mas vi que estava na igreja e veio connosco até casa. Entrou sob o pretexto de ver um lindo gerânio que desabrochava na janela da sala. Não me parecia que lhe consagrasse grande atenção, mas, antes de se retirar, pediu a minha mãe que lhe desse uma flor do seu gerânio. Ela disse-lhe que a escolhesse a seu gosto, mas ele recusou, não sei porquê, e minha mãe colheu um ramo que lhe deu. Ele disse que nunca se separaria dele, e eu, achei-o bem tolo por não saber que dentro de dois dias esse ramo florido estaria completamente murcho.

Pouco a pouco Peggotty foi ficando menos vezes connosco, às noites. Minha mãe tratava-a sempre com deferência, talvez mesmo com mais que dantes, e fazíamos um terceto de amigos, mas todavia não era bem, bem, como noutros tempos, e não éramos tão felizes. Por vezes afigurava-se-me que Peggotty se zangava por ver minha mãe usar sucessivamente todos os lindos vestidos que tinha guardados nos gavetões, ou então que via com maus olhos ela ir tantas vezes a casa da mesma vizinha, mas eu não podia chegar a compreender donde isso provinha.

Acabava por me acostumar ao cavalheiro das grandes suíças pretas. Não gostava dele mais que em princípio e continuava a ter ciúmes, mas não pela razão que alguns anos mais tarde poderia dar. Era uma aversão de criança, puramente instintiva, e baseada numa ideia geral de que Peggotty e eu não precisávamos de ninguém que amasse minha mãe. Eu não tinha outro caso pensado. Sabia fazer de mim para mim as minhas pequenas reflexões, mas daí a reuni-las para realizar um todo, era tarefa superior às minhas forças.

Estava eu no jardim com minha mãe, por uma bela tarde de Outono, quando Mister Murdstone chegou a cavalo (eu acabara por saber o nome dele). Parou para cumprimentar minha mãe e disse-lhe que ia a Lowestoft ver uns amigos que ali tinham ido em digressão no seu yacht, e depois acrescentou alegremente que se prontificava a levar-me na garupa, se isso fosse do meu agrado.

O tempo estava tão puro e tão suave, e o cavalo tinha o ar tão disposto a partir, caracolava tão alegremente diante da grade, que eu tinha grande desejo de tomar parte no passeio. Minha mãe disse-me que fosse ter com Peggotty para me vestir, enquanto Mister Murdstone esperava por mim. Ele apeou-se, enfiou o braço nas rédeas e começou a passear vagarosamente ao longo da sebe de espinheiro que só o separava de minha mãe. Peggotty e eu estávamos a vê-los pela janelinha do meu quarto; eles inclinaram-se ambos para examinarem de mais perto o espinheiro, e Peggotty, ao ver isto, passou de repente da disposição mais tranquila a um estranho desabrimento, de tal guisa que se pôs a escovar-me o cabelo ao invés, com toda a força.

Partimos por fim, Mister Murdstone e eu, e seguimos o atalho verdejante a pequeno trote. Ele tinha-me passado um braço pelas costas, e não sei porquê, eu que em geral não era de natureza inquieta, tinha sem cessar desejo de me voltar para lhe ver a cara. Ele tinha destes olhos pretos amortecidos e côncavos (não acho outra expressão para descrever o seu olhar), destes olhos que parecem às vezes perder-se no espaço e olhar para a gente de esguelha. Muitas vezes, quando o observava, encontrava com terror esse olhar, e dizia com os meus botões em que podia ele pensar com um ar tão grave. Os seus cabelos eram ainda mais pretos e mais bastos do que se me tinha afigurado. Tinha o queixo perfeitamente quadrado, e o mento, todo coberto de pintinhas pretas depois que se barbeava todas as manhãs, dava-lhe uma semelhança surpreendente com as figuras de cera que se tinham exibido na nossa vizinhança alguns meses antes. Tudo isso junto a umas sobrancelhas muito regulares e a uma bela tez morena (diabos levem a sua recordação e a sua tez!), dispunha-me, apesar dos meus pressentimentos, a achá-lo um bonito homem. Não duvido que minha pobre mãe fosse da mesma opinião.

Chegámos a um hotel na praia: no salão encontravam-se dois sujeitos a fumar; vestiam jaquetões pouco elegantes e estavam estiraçados ao comprido sobre quatro ou cinco cadeiras. A um canto via-se uma porção de agasalhos e uma bandeirola de bote.

À nossa chegada puseram-se a pé, e, com uma sem-cerimónia que me impressionou, um deles exclamou:

— Até que enfim, Murdstone! Imaginávamo-lo morto e enterrado.

— Ainda não! — disse Murdstone.

— E quem é o pequeno? — perguntou um dos sujeitos agarrando-me.

— É Davy — respondeu Mister Murdstone.

— Davy quê? — perguntou o sujeito. — Davy Jones?

— Davy Copperfield — disse Mister Murdstone.

— Como! É o trambolho da sedutora Mistress Copperfield, da linda viuvinha?

— Quinion — disse Mister Murdstone —, tenha cuidado com a língua: é-se malicioso.

— E aonde está esse se? — perguntou o sujeito a rir.

Levantei vivamente a cabeça; tinha desejo de saber de quem se tratava.

— Não é ninguém: é Brooks de Sheffield — disse Mister Murdstone.

Fiquei encantado por saber que era Brooks de Sheffield: a princípio julguei que era de mim que se tratava.

Evidentemente era algum indivíduo patusco esse tal Brooks de Sheffield, porque ao ouvirem pronunciar esse nome os dois sujeitos desataram a rir a bandeiras despregadas, e Mister Murdstone fez outro tanto. Pouco depois, o que se chamava Quinion pôs-se a dizer:

— E que pensa Brooks de Sheffield do caso em questão?

— Creio que ainda não esteja humanizado — disse Mister Murdstone —, mas desconfio que há-de humanizar-se.

Houve nova explosão de gargalhadas; Mister Quinion anunciou que ia mandar vir uma garrafa de «sherry» para beber à saúde de Brooks. Veio a garrafa, Mister Quinion deitou no meu copo e, dando-me uma bolacha, fez-me levantar e entoar este brinde: «À confusão de Brooks de Sheffield!» O brinde foi recebido com grandes aplausos e tais risadas que eu também desatei a rir, o que ainda mais fez rir os outros. Enfim, o divertimento foi grande para todos.

Depois de passearmos pelos penedos, fomos sentar-nos na erva; eles distraíram-se a olhar por um óculo de alcance; eu não via absolutamente nada quando mo aproximavam dos olhos, dizendo aliás que via perfeitamente; depois regressámos ao hotel para jantar. Durante toda a passeata, os dois amigos de Mister Murdstone fumaram sem interrupção. De resto, a julgar pelo cheiro dos seus fatos, é evidente que não tinham feito outra coisa desde que esses fatos tinham saído das mãos do alfaiate. É preciso não deixar de dizer que fomos visitar o yacht. Esses três cavalheiros desceram ao beliche e puseram-se a examinar papéis; via-os perfeitamente do ponto em que estava. Ficara a fazer-me companhia um homem encantador, que tinha uma mata de cabelos ruivos, com um chapelinho de oleado; sobre a sua camisola às riscas estava escrito «Cotovia» em grandes letras. Afigurava-se-me que era o nome dele e que o trazia inscrito no peito, porque como vivia a bordo de um navio, não tinha porta da rua, aonde pudesse pô-lo, mas quando lhe chamei Mister Cotovia, disse-me que esse era o nome da sua embarcação.

Reparei que durante todo o dia Mister Murdstone estava mais grave e mais silencioso que os seus dois amigos, que pareciam alegres e descuidados e gracejavam livremente juntos, mas raras vezes com ele. Pareceu-me ver que ele era mais espirituoso e reservado do que eles e que lhes inspirava, como a mim, uma espécie de terror. Uma ou duas vezes percebi que Mister Quinion, sempre conversando, olhava para ele de soslaio, como para se certificar de que o que dizia não lhe tinha desagradado; noutra ocasião tocou no pé de Mister Passnidge, que estava muito animado; e fez-lhe sinal que olhasse para Mister Murdstone, sentado a um canto e guardando o mais profundo silêncio. Creio recordar-me que Mister Murdstone não riu uma única vez nesse dia, excepto na ocasião do brinde levantado a Brooks de Sheffield. É verdade que era um gracejo de sua invenção.

Regressámos cedo a casa. A noite estava magnífica; minha mãe passeou com Mister Murdstone ao longo da sebe de espinheiros enquanto eu tomava o chá. Quando ele foi embora, minha mãe fez-me contar tudo quanto se tinha passado e perguntou-me o que se tinha dito e feito. Referi-lhe o que se dissera a seu respeito; pôs-se a rir, repetindo que esses sujeitos eram impertinentes que faziam pouco dela, mas eu vi que isso lhe agradava. Então adivinhava-o tão bem como agora o sei. Aproveitei-me dessa ocasião para lhe perguntar se ela conhecia Mister Brooks de Sheffield; respondeu-me que não, mas que talvez fosse algum fabricante de cutelaria.

Será possível, no momento em que o rosto de minha mãe aparece diante de mim, tão distintamente como o de uma pessoa que eu reconheceria numa rua cheia de gente, que esse rosto já não exista? Eu sei que ele mudou, sei que morreu; mas ao falar da sua beleza inocente e infantil, poderei eu crer que ela desapareceu e que morreu, enquanto sinto junto de mim a sua doce respiração, como a sentia nessa noite? Será possível que minha mãe tenha mudado, quando a minha saudade ma recorda sempre assim; quando o meu coração, fiel aos afectos da sua mocidade, retém ainda presente na sua memória o que então amava?

Quando falo de minha mãe, vejo-a linda como ela era na noite em que tivemos esta conversa, quando me foi dar as boas noites. Pôs-se de joelhos alegremente ao pé da minha cama, e disse-me, encostando o seu queixo às minhas mãos:

— Que foi então que eles disseram, Davy? Repete-mo, não posso acreditá-lo.

— A sedutora... — comecei eu a dizer.

Minha mãe pôs-me a mão nos lábios para eu me calar.

— Mas não era sedutora — disse ela rindo —, não podia ser sedutora, Davy, sei bem que não.

— Era, sim! A sedutora Mistress Copperfield — repetia eu com energia — e também «a linda».

— Não, não, não era a linda, a linda não — replicou minha mãe, pondo-me outra vez os dedos nos lábios.

— Era sim, era, a linda viuvinha.

— Que doidos! Que impertinentes! — exclamou minha mãe rindo, tapando o rosto. — Que homens absurdos! Pois não são, meu Davizinho?

— Mas, mamã...

— Não o digas a Peggotty; zangar-se-ia contra eles. Eu, eu estou extremamente zangada com eles, mas antes quero que Peggotty não saiba.

Prometi, bem entendido. Minha mãe beijou-me ainda não sei quantas vezes; e adormeci logo profundamente.

Parece-me, à distância que disto me separa, que foi no dia seguinte que Peggotty me fez a estranha e aventurosa proposta que vou relatar; mas é provável que fosse dois meses depois.

Estávamos uma noite juntos como dantes (minha mãe tinha saído como de costume), estávamos juntos, Peggotty e eu, em companhia da meia, do metro, do bocado de cera, da caixa com S. Paulo na tampa, e do livro dos crocodilos quando Peggotty, depois de ter olhado para mim várias vezes e depois de ter aberto a boca como se fosse falar, sem todavia pronunciar uma única palavra, o que muito me teria assustado, se não julgasse que bocejava muito simplesmente, disse-me enfim num tom meigo:

— Ó senhor Davy, gostaria de ir passar comigo quinze dias a casa de meu irmão, em Portsmouth? Isso não o distrairia?

— O seu irmão é prazenteiro, Peggotty? — perguntei eu por precaução.

— Ah! Se é prazenteiro, creio bem! — exclamou Peggotty erguendo os braços ao céu. — E depois há lá o mar, e as barcas, e os navios, e os pescadores, e a praia e Am, que brincará consigo.

Peggotty queria falar de seu sobrinho Ham, que já vimos no primeiro capítulo, mas suprimindo-lhe o H do nome fazia uma conjugação da gramática inglesa.

Este programa de diversão encantou-me, e respondi que isso me divertiria perfeitamente: mas que diria minha mãe?

— Muito bem! Era capaz de apostar um guinéu — disse Peggotty olhando para mim atentamente — em como ela nos deixa ir. Pedir-lhe-ei, logo que ela regresse, quer? Que me diz?

— Mas que fará ela quando nós partirmos? — disse eu fincando os cotovelos na mesa, como para dar mais força à minha pergunta. — Ela não pode ficar sozinha.

O buraco que Peggotty se pôs de repente a procurar no calcanhar da meia devia ser tão pequeno, que, creio bem, não valia a pena ser ponteado.

— Mas, Peggotty, digo-lhe que ela não pode ficar sozinha.

— Deus o abençoe! — disse enfim Peggotty erguendo os olhos para mim. — Pois não sabe? Ela vai passar quinze dias em casa de Mistress Grayper, e Mistress Grayper vai ter lá muita gente.

Já que assim era, eu estava resolvido a partir. Esperava com a mais viva impaciência que minha mãe regressasse de casa de Mistress Grayper (porque minha mãe estava em casa dela nessa noite), para ver se ela consentia que executássemos esse belo projecto. Minha mãe ficou muito menos surpreendida do que eu imaginava e deu imediatamente o seu consentimento; ficou tudo arranjado nessa mesma noite e combinou-se o que se havia de pagar durante a minha visita para alojamento e alimentação.

O dia da nossa partida chegou brevemente. Tinham-no escolhido tão próximo que chegou depressa mesmo para mim, que esperava esse momento com uma impaciência febril e que quase receava que um tremor de terra, uma erupção vulcânica, ou qualquer outra grande convulsão da natureza, viesse transtornar a nossa excursão. Devíamos fazer a viagem na tipóia de um recoveiro que partia de manhã, depois de almoço. Eu daria fosse o que fosse para que me deixassem vestir na véspera à noite e deitar com botas e tudo.

Não penso sem uma profunda emoção, se bem que dela fale ligeiramente, na alegria que senti ao deixar a casa em que tão feliz tinha sido; por forma alguma desconfiava que tudo ia deixar para sempre.

Gosto de me lembrar que quando a tipóia estava diante da porta, e que minha mãe me beijava, pus-me a chorar, pensando, com uma ternura reconhecida, nela e nesse lugar que até então nunca tinha deixado. Gosto de me lembrar que minha mãe também chorava e que lhe sentia o coração pulsar de encontro ao meu.

Gosto de me lembrar que no momento em que o recoveiro se punha em marcha, minha mãe correu à grade e gritou-lhe que parasse, porque me queria beijar mais uma vez. Gosto de pensar na profunda ternura com que ela me estreitou de novo em seus braços.

Ela ficava de pé, sozinha na estrada, Mister Murdstone aproximava-se dela, e pareceu-me que a repreendia de se ter emocionado tanto. Eu via-o através das grades da tipóia, dizendo com os meus botões o que tinha ele com isso. Peggotty, que se virava também para o outro lado, tinha um ar muito pouco satisfeito, o que vi perfeitamente quando ela olhou para o meu lado.

Quanto a mim, fiquei muito tempo ocupado a contemplar Peggotty, pensando inteiramente numa suposição que acabava de fazer: se Peggotty tivesse tenção de me abandonar como ao Grão-de-Milho dos contos de fadas, não poderia eu dar sempre com o caminho, graças ao botões e aos colchetes que ela iria deixando cair pela estrada?

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me chamo s/n tenho 21 anos e sofro buliing pra saber mais só lendo.!!