Solace ϟ Potterverso

By EvanoraCaligari

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🐍 Vencedor do Prêmio Wattys 2020 na categoria Fanfiction 🏆 Com antigos seguidores de Voldemort ainda à solt... More

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By EvanoraCaligari

A criança fugiu do edifício sem olhar para trás, cruzando com uma Isis e um Snape invisíveis aos seus olhos. Os pés descalços e machucados esmagaram o gramado em frente à entrada do orfanato; os andrajos cobrindo o corpo magricela não eram tão diferentes dos que os elfos domésticos recebiam dos donos, embora a garota não fizesse ideia da existência dessas criaturas na época. Quando alcançou o chão áspero da estradinha de terra, as lágrimas caíram em profusão, criando sinuosidades no rosto sujo de poeira.

O céu era uma vastidão branca naquela tarde de dezembro, e os moradores do pequeno condado na Escócia escondiam-se sob casacos e cachecóis grossos. As passadas ágeis só pararam ao ver sinais de civilização, atravessando as longas fileiras de prédios geminados e se escondendo no vão entre dois carros, ao perceber a atenção dirigida a ela. Os cabelos escuros eram um emaranhado selvagem, crescendo em tufos irregulares após as freiras os cortarem durante um surto de piolhos.

— Essa foi a última vez em que fugi do orfanato — comentou Isis, estudando seu eu infantil —, pouco depois de descobrir que o meu melhor amigo havia morrido. A abadessa o fizera dormir ao relento, como uma forma de me punir. — Um casal de idosos cochichou ali perto e apontou para a garotinha acuada. — Minhas feridas cicatrizavam muito rápido e eu nunca ficava doente, já Rhys... — acrescentou ao notar o olhar indagativo de Snape.

"Implorei ao deus das freiras para que a cura parasse, que tirasse o demônio que a elas diziam se agarrar à minha alma, assim ninguém seria punido além de mim. E não é que 'ele' me atendeu? — Isis riu, embora o resto do rosto gritasse tristeza. — Porém tarde demais. Rhys morreu de hipotermia, sozinho, com medo..."

Isis não arriscou encarar Severus, conservando a atenção em si mesma até ver a pequena correr em direção ao canteiro central florido, após outras pessoas notarem a criaturinha arisca. Os acontecimentos seguintes arrancaram gritos da plateia; as freadas bruscas dos pneus precederam o estrondo da batida. A frente do carro virou um amontado de metal retorcido ao colidir contra uma parede invisível, responsável por proteger a criança do impacto. O povo não sabia se ficava estarrecido por ver a menina incólume ou com a visão do veículo deformado em um casulo ao redor do motorista.

O choque fora tanto que ninguém notou o homem bem-vestido do outro lado da rua, encarando a garota com um deslumbramento quase solene. Ninguém à exceção de Isis e Severus. Uma mecha dos cabelos castanhos caiu sobre a testa larga quando ele botou os pés no asfalto, aproximando-se do acidente sem fazer questão de disfarçar o interesse na cena caótica. O sobretudo preto, repleto de bordados intricados em dourado, movia-se com leveza ao seu redor.

Antes que se aglomerassem em volta do carro, ele puxou a menina para longe. Ela não ofereceu resistência, receosa pelo acontecido, olhando por cima do ombro a todo instante. A escuridão envolveu Isis e Severus, e a memória prosseguiu dentro de uma minúscula lanchonete trouxa. A garçonete encarava a dupla incomum — sentada em um canto afastado — com desconfiança, contudo, a julgar pela quantidade de pratos na mesa dos dois, a mulher estava preocupada demais com a gorjeta para questionar a cena atípica.

— Não coma tão rápido, ou vai se engasgar. — O desconhecido disse com suavidade, mas a criança parou o garfo a caminho da boca, corando até a raiz dos cabelos. — Por que não me diz o seu nome? O meu é Erastus Underhill. — Ele estendeu a mão na sua direção, recebendo uma encarada em resposta, hesitante. — Não precisa dizer se não quiser.

— Isolde — sussurrou, voltando a se concentrar no pedaço de torta.

Erastus sorriu e se reservou ao silêncio, deixando a xícara de chá esfriar no canto da mesa, até a menina terminar de comer.

— De onde veio, Isolde?

— Bourach Park. — Ela largou o garfo no prato, ignorando o semblante repreensivo da garçonete graças ao ruído. — Não vai me levar de volta, vai?! Não posso voltar. Não quero. Não vou aguentar.

— O que fez com aquele carro foi extraordinário — comentou ele, mudando de assunto ao ver o copo de leite tremer sozinho perto da mãozinha machucada. — Coisas formidáveis acontecem com frequência ao seu redor?

— A abadessa diz que é uma maldição e que serei condenada por não me arrepender do que faço — disse com um quê de frieza, muito inusitado para alguém de sua idade.

— Isso não é uma maldição, Isolde. — Erastus suspirou, contendo a irritação. — Não pode confiar no que dizem, afinal, olhe só o que fizeram com você. Quem tem coragem de ferir um anjinho inocente por ele ser especial? Porque sim, você é especial. — A garota negou com a cabeça, encarando as próprias mãos rachadas pelo frio. — Em breve, não terá que lidar com esse tipo de gente. Suas habilidades serão reconhecidas, admiradas, e nunca mais se sentirá sozinha.

Isis viu a esperança florescer na criança à medida que Underhill a envolvia com sua grandiloquência, e quis gritar para ela não o ouvir; que saísse correndo de volta ao orfanato ou qualquer outro lugar bem distante, onde a maldade não a agarrasse pelos calcanhares.

— Como? O senhor vai me ajudar? Por favor, eu não quero voltar para as freiras — insistiu, apesar de o desespero de antes ter perdido a intensidade.

— Eu posso ajudá-la a enxergar a magnitude dos seus dons. — Havia tanta compaixão artificial em Erastus que Isis quis vomitar. — O medo será uma lembrança distante, pois ninguém mais terá a capacidade de machucá-la. Se tentarem, pagarão por isso. Quer que eu a ajude, Isolde? — Ela assentiu, animada com o prospecto de uma vida livre de dor. — Isolde, Isolde... — repetiu com sua voz aveludada, absorto em pensamentos. — Esse nome é muito trágico para uma mocinha prodigiosa como você. Talvez se faça necessário que escolhamos outro, o que acha?

— Mesmo? Podemos fazer isso?

— Com o meu auxílio, você poderá tudo, minha garota.

— Já chega — murmurou a Isis do presente, e a lembrança se desfez em uma fumaça preta.

A escuridão os engolfou até se verem de volta na sala do professor. Isis puxou o fio de memória branco-prateado da penseira e o colocou no frasco de vidro, devolvendo-o à caixa de madeira reservada a ela. As ações foram mecânicas, realizadas sob as ordens de um cérebro alheio a tudo que não envolvesse a morte de Rhys, o acidente de carro e até mesmo o cheiro rançoso da maldita lanchonete, que parecia entranhado na sua pele.

— O retorno ao orfanato aconteceu? — Isis apoiou-se contra a mesa, dando as costas ao mestre de Poções.

— Sim. Eu implorei a Erastus que me levasse com ele, mas... — A bruxa deu de ombros. — Na mesma semana, após levar outra surra de açoite, é claro, um casal visitou Bourach Park. Os dois me viram sozinha, colocando flores no local onde Rhys fora enterrado. Devem ter sentido pena, ou sabe-se lá o que, para terem me escolhido. — Isis coçou os braços para tentar aliviar o formigamento irritante. — O Sr. Blakeley não podia ter filhos, mas gostava de colocar a culpa na esposa. Outro interesse dele era posar de filantropo, então por que não adotar uma órfã sem futuro, certo?

"Erastus reapareceu anos depois, quando eu já acreditava que ele não passara de uma criação estúpida da minha imaginação. O que não sabia, na época, era que ele não me visitara antes por estar muito ocupado apagando vestígios que o conectavam ao Lorde das Trevas, depois do fim da guerra. Entrei em Hogwarts no semestre seguinte."

Isis respirou fundo, irritada por ainda se deixar levar por uma memória tão antiga. Há anos vinha tentando se dissociar da culpa em sucumbir às belas promessas de Underhill, porém se via incapaz de não questionar qual rumo sua vida teria tomado caso a fuga do orfanato tivesse acontecido em outro dia ou horário; se o seu caminho não tivesse cruzado com o dele naquela ocasião fatídica de fragilidade profunda.

O ruído repentino de uma rolha sendo puxada fê-la se virar de sobressalto. Snape despejou o vinho dos elfos na única taça de vidro sobre a mesa e a deslizou na direção de Isis. Em uma situação diferente, ela certamente faria uma piada inapropriada para testar a paciência do professor, mas tudo o que elaborou para o momento delicado foi um agradecimento sincero.

Estava acostumada em ver sentimentos como pena e tristeza associados ao seu passado, diante disso ficou surpresa em não encontrar nem um nem outro em Severus. Quando os dedos se encostaram por um instante — aparentando tudo, menos descuido —, Isis captou uma centelha de compreensão em seu olhar, divergindo da indiferença costumeira. Não fazia ideia dos eventos que moldaram a personalidade taciturna do mestre de Poções, deixando-a em desvantagem. Entretanto, a pequena demonstração instigara sua curiosidade em desvendar os segredos por trás da couraça amedrontadora.

— Bom — ela devolveu a taça ao terminar —, não quero atrasá-lo para a partida, mesmo sabendo que Sonserina ganhará da Lufa-Lufa. Podemos discutir a memória depois, se quiser.

— Eu a chamarei se for preciso — respondeu sem qualquer vestígio de rispidez.

Isis assentiu, avaliando-o por alguns segundos antes de sair da sala. Com os alunos da Sonserina espalhados pelas masmorras, carregando bandeiras e binóculos, não foi uma tarefa fácil chegar à Torre de Astronomia. Desde a conversa noturna com Aurora, uma ideia se achegara de mansinho em sua mente fervilhante. Os riscos da empreitada eram gigantescos. Os possíveis danos para ela? Colossais. Isso não a impedia, contudo, de tentar.

— Não devia estar no estádio? — perguntou Sinistra ao deixá-la entrar. — E por que seu hálito está cheirando a vinho dos elfos?

— Andei bebendo com Snape. — Isis riu quando o queixo da astrônoma despencou.

— Não sei se essa foi uma das suas piadas ou se fala sério.

— Você nunca saberá. — A bruxa olhou ao redor, buscando o objeto de seu interesse. — Preciso de duas coisas, minha amiga: meu malão e sua ajuda.

— Por quê? — Isis inclinou a cabeça de leve para o lado, arqueando uma das sobrancelhas. — Certo — respondeu Sinistra, elevando as mãos em rendição.

A professora foi até um baú atrás da escrivaninha e o abriu com a varinha. Cliques e demais ruídos metálicos encheram o cômodo enquanto os mecanismos de proteção afrouxavam. Com um rápido feitiço convocatório, o malão saltou para fora e caiu com leveza no meio da sala. Isis se apressou em cobrir as janelas com as cortinas, por precaução, e destrancou o cadeado pesado com um floreio. O conteúdo estava do mesmo jeito que o deixara da última vez em que o vira.

Após tirar as pilhas de roupa do caminho, convocou os livros e manuscritos soterrados no fundo. Um a um eles voaram até o chão, alinhados na ordem em que os guardara. Quando o último saiu, trazendo consigo um cordão de prata enroscado na capa, Isis viu a amiga suspirar, desviando o olhar.

— Não posso ajudá-la. — Aurora cruzou os braços, negando com a cabeça. — Isso é loucura.

Isis não respondeu, puxando a corrente para longe do rosto de Erastus; o sorriso discreto na foto acima de sua biografia foi tão incômodo quanto rever o colar que ele a presenteara. Por um instante, foi como se a pedra verde cintilasse, contente em revê-la e clamando para ser usada mais uma vez.

— E é por ser loucura que preciso de sua ajuda. — Ela jogou a joia de volta no malão, cobrindo-a com as roupas. — Erastus chegou a me ensinar algumas técnicas de manipulação de sonhos, só tenho que treinar e desenferrujar.

— Então pretende entrar no jogo dele? Underhill é especialista nisso.

— Sim, e eu fui tutorada por ele. Vamos lá, Aurora! Com quem posso praticar isso além de você? — "Snape seria uma ótima cobaia", pensou. — Possuo trabalhos que nem chegaram a ser publicados aqui — disse, apontando para os manuscritos. — Erastus pode ser um dos melhores na área, mas também tem pontos fracos.

— Qual a sua intenção? Confrontá-lo do mundo dos sonhos?

— Ah, não. O confronto será desnecessário caso eu atinja meu objetivo principal. — Isis se levantou, colocando as mãos na cintura ao estudar os livros empilhados; a mente vagueando por toda sorte de hipóteses.

— Que é...

— Fazer esse maldito me contar onde ele está escondido.

Notas

Nem só de tensão vive esse casal... quero dizer, essa dupla =) Depois desse capítulo, fiquei "Minha cobrinha, você quer o mundo? Eu te dou!" 💚🐍✨ Será que o morcego se identificou com o passado trágico da Isão? E esse plano dela, hein? Destrua esse homem, Isão, mas tome cuidado u_u

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