A Velhice e a Mocidade
Nos umbrais da Eternidade
Viram-se um dia. A Velhice
Deteve a outra e lhe disse
Com toda a serenidade
E a mais perfeita meiguice:
“Tu és, encanto adorado,
O perfil do meu passado
E o meu primitivo encanto:
Devo explicar-te portanto
Da vida o mal condenado
E a negra origem do pranto”.
A Mocidade viçosa
Escuta maliciosa:
Prossegue a Velhice: “Evita
O amor que as veias excita,
E a fada misteriosa
Que dentro d’alma se agita:
As bocas rubras e belas
De mil milhões de donzelas
Mais terríveis que a ambrosia…”
– “E depois? depois?” – “Num dia,
Numa noite em que as estrelas
E a branca Lua erradia
Vogarem pelos espaços,
Sentirás talvez os braços
Do pecado traiçoeiro:
Cautela! no mundo inteiro
O inferno semeia laços
Ao pé incauto e rasteiro…”
A Mocidade imprudente
Inquieta, febril, contente,
Disse à velha parladora:
“Deus vos merceie, Senhora,
E vos dê eternamente
A santa luz redentora:
Deus vos pague estes instantes
De surpresas incessantes,
De gozo vivo, fecundo,
E de delírio profundo”.
Abriu as asas brilhantes
E – rindo – baixou ao mundo.
Luís Guimarães Jr.
Sonetos e Rimas
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Imagem: Emile Claus