O VOO DA INDÍGENA

By CoelhoDeMoraes

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O planeta Terra em desequilíbrio. Os derradeiros habitantes precisam partir; explorar outro mundo? partir p... More

CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPITULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPITULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
Capítulo 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50 - CAPÍTULO FINAL

CAPÍTULO 23

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By CoelhoDeMoraes

Shozzotink preocupava-se em adquirir conhecimentos com aquele parto humano. Seu escopo de pesquisador lhe dava diretrizes. Os astronautas da Kentaur tomaram aquele como evento máximo da viagem. Em meio a tanta destruição eis que o nascimento se faz presente. A sala verberava em murmúrios, burburinho e, na baixa luz, o piscar de luzes que determinavam que esse ou aquele equipamento estava em pleno funcionamento. Sob permissão, gravavam o parto de Tereza.

A mãe usava o método Le Boyer para parto sem dor. Sua preparação fora adequada. Ao mesmo tempo o investigador Álvarez anotava alterações orogênicas sem tirar os olhos das imagens que vinham da sala cirúrgica. Segundo ele a orogenia observada indicava o conjunto de processos que mantinham em ação a formação de cadeias de montanhas; o importante das anotações sugeria que isso era produzido pelos dobramentos e falhas da crosta terrestre; pela deformação da continental.

Placas tectônicas colidiam e na consequência, a formação de , outros continentes e terras . Por isso previa-se a ocorrência de a qualquer momento um ato anômalo. Esses afazeres o mantinham ocupado.

Através do vidro Tereza enviou um beijo a Clóvis que não cabia em si de contentamento.

No compartimento jupiteriano Shozzotink perguntava a Ruy Hernandez:

- Acontecimento ímpar.

- Novidade para vocês? - perguntou Ruy Hernandez através do aparelho tradutor, mostrando um ar cansado. Ele demonstrava parecer mais velho do que era.

- É novidade, sim... - respondeu o outro, - se bem que as fêmeas lesracomianas têm parto similar. Acredito que a Natureza direcionou-se nesse sentido de forma idêntica na nossa constelação, pelo menos. O par macho de Tereza deve ter seus planos de glória.

- Acredito que sim... - disse Ruy Hernandez, - acredito que sim, se bem que o futuro da criança coincide com o nosso, sei lá onde. Ela nasce e nós renasceremos, espero. A história do filho de Clóvis começa com um caminho atulhado de adversidades.

- Porém com a grandeza do espaço... - Shozzotink reforçou a oferta. - Daremos o apoio que necessitarem... – Lembrou-se repentinamente, - ainda sobra a opção de construírem uma colônia em Lesracom. Seria uma honra para todos nós, apesar de que seria, também, um tremendo sacrifício da parte de vocês. Algo como essa cúpula de proteção contra as nossas intempéries. Evidentemente, por outro lado, como vivemos em um sistema construído sobre a paz, a vida de vocês será muito mais fácil. Estaremos na retaguarda.

- Parecida com aquela de Marte... Robert Silverberg nos fala dela. Obrigado, Shozzotink. Muito gentil. Não está descartada essa possibilidade. O Navegador, porém, assinala um planeta similar ao nosso em outro quadrante. O planeta onde ele teve a primeira infância. Faremos, acredito, uma tentativa nesse sentido.

A imagem de Tereza na tela era plácida e tranquila. Esperava apenas que a natureza seguisse seu curso e, a natureza estava em seu favor.

No outro gabinete José Luiz entrou para falar com o Navegador que permanecia absorto olhando para Hi Su em seus movimentos médicos. A beleza da amada tinha que ser contemplada em todo momento.

- Precisamos falar... – José Luiz disse ao Navegador. Este virou, lentamente, e pôs-se atento.

- Sobre?

- Sobre os testes que fiz com alguns selecionados para as vagas de viajantes... – ele enfatizou a palavra 'selecionados'.

- Sim?

- Acredito que a Indígena corre risco grave, se se mantiver a ideia de levar os habitantes do patamar na mesma viagem e em lugar limitado.

O Navegador sentou-se adequadamente em sua poltrona ergonômica. Os argumentos lhe interessavam, pois, tinha ideia formada sobre a questão. Precisava de apoio. Virou a cabeça olhando José Luiz bem diretamente.

- O que surgiu de errado... agora?

- A comunidade de habitantes vem diminuindo. Isso é fato. Entre os cientistas somos trinta agora. O mesmo se dá com os habitantes do patamar. Observo que em uma velocidade brutal os valores mais naturais do ser humano vêm à tona por lá...

- Lá no patamar...

- Sim... no patamar. A capa civilizatória sai com facilidade, dilui-se, e ao que é de mais animal aparece à tona com força primitiva. O mesmo seria conosco caso não mantivéssemos os grupamentos sociais se apoiando mutuamente. A civilização teria desmoronado. Colapso.

- Teria?

- Bem... desmoronou... mas, sobramos nós.

- Estou seguindo sua linha de raciocínio.

- Sabemos... - continuou José Luiz, não antes de organizar os pensamentos, – que a civilização é apenas uma capa protetora que nós mesmos construímos, tentando compensar os impactos ambientais que viemos causando ao longos dos milênios... O animal domado, quando solto na mata, lhe volta a barbárie natural. Essas coisas, esses assuntos me são muito curiosos. Gosto disso, até... o retorno ao primitivo é, na verdade uma proposta minha. Retorno às origens... é um tema que me agrada e me prova a tese de que somos, como seres humanos, sapiens ou faber, apenas a superfície. O âmago é a animalidade.

- Entendo. O Navegador refletiu uns instantes.

- Sugiro que conversemos nos laboratórios, talvez com uma junta... com Ruy... o que acha? Não parece razoável...?

- Não me agrada nem um pouco levar esse pessoal em uma aventura que merece atenção redobrada em tudo, além de permanecer meses em um espaço exíguo; agrada-me saber que fogem continuamente, e, se tivéssemos tempo esperaríamos que todos se fossem... as últimas peças segmentares da Indígena já subiram... a data de partida se aproxima.

-... o número deles diminui, isso é correto, Navegador.

- Talvez seus informes convençam os outros cientistas de que essas pessoas devem permanecer na Terra. O que acha?

- Está bem. Concordo. Esperemos o parto de Tereza e marcamos nova reunião.

- Bem... é isso... porém, esse assunto nosso merece total atenção da junta de cientistas...

De súbito o Navegador olhou pensativo para o chão. Era como que um raio lhe tivesse passado pelos olhos dando-lhe imagens esquecidas. O cenho fechou-e. Antes de José Luiz sair o Navegador perguntou:

- Quem foi o responsável pela revista no patamar, nesses últimos quinze dias?

- Osvaldo Mendes.

O Navegador, então, mostrava-se imerso numa série de pensamentos. Em vez de mais pensar resolveu agir. Sem maiores explicações ele se levantou e puxou José Luiz pela manga. Este o seguiu pelos corredores. Com eles o Navegador carregou três outros cientistas que apareceram no meio do caminho e buscou novamente seu velho fuzil de plasma. No mesmo armário ele tomou de três bastões, muito velhos também, que lançavam cargas elétricas, como as antigas bobinas de Ruhmkorff, a não mais que metro e meio de distancia. Peça antiquada e de resultado pífio, mas era o que tinham. Pelo menos podia assustar. Armou os seus acompanhantes. Olhou para eles, que o seguiam sem questionar. Imediatamente adentrou o corredor cinza na direção do patamar subterrâneo.

*

A cabeça do bebê começou a surgir, coroando. As mãos das enfermeiras fluíam balsâmicas pela testa de Tereza, suavizando o calor através da gaze umedecida. A luz estava em seu ponto baixo, havia penumbra, e Tereza permanecia mergulhada em bacia com água. A criança mergulhará para a vida. Tereza apoiava-se muito bem nas beiradas de plástico do leito. Ela sorria. Previa a chegada feliz. Na penumbra a criança virá para a luz, dessa maneira, menos para a luz do dia, mas, para a luz da vida nova em outra dimensão. A dimensão Terra. E em curto espaço de tempo, a dimensão Espaço. Da mesma forma que o Navegador a criança terá sua primeira formação educacional entre constelações.

Clóvis, as equipes e os lesracomianos não perdiam um movimento de Hi Su. Esta pediu que se lançasse no gabinete a inefável música de Villa-Lobos. As peças para violão se elevaram no ar e facilitaram a solenidade de chegada do novo habitante.

A médica apenas dirigia a saída do garoto. O amparava na liberação, enquanto ganhava o morno meio aquático. Os lesracomianos estão boquiabertos; o nascimento alienígena. Tereza, seguindo instruções segredadas por Hi Su tinha seu parto facilitado.

*

Durante a corrida desabalada pelos corredores iluminados o Navegador, e, o grupo deparou-se com Pedro Lúcio que se encaminhava para ver e saber sobre Tereza. O Navegador, porém, não permitiu; o cooptou a seguir com eles. Pedro Lúcio armou-se de um porrete de metal. Pedro Lúcio estava surpreso, contudo, saiu na esteira do grupo e nem desejava pensar sobre nada. Era mero espectador.

- O que acontece, aqui? - Pedro Lúcio não aguenta e pergunta, já transpirando. Dobrava a rapidez da andadura para acompanhar o grupo. – Para que as armas e o porrete? – O que lhe segue, em resposta, é silencio e passadas. – Onde vamos? – não cessa ele de perguntar.

Percebendo a inutilidade de suas perguntas calou-se, mas, continuou seguindo. Agora a curiosidade aguçava seus instintos. Eram momentos angustiantes. Havia tensão naqueles rostos. Preocupação. Seguiam a voz de comando e as batidas do coração do Navegador. Era uma ligação que parecia telepática. O objetivo era o patamar.

*

A criança veio para a água e nadou por instantes.

O silêncio e a música pareciam exercer fascínio no nascituro que deu braçadas e abriu os olhos imensos observando o meio diverso do útero da mãe, porém, com sinais similares.

As mãos de Hi Su trabalhavam ágeis. Elevou a criança e a levou para os seios da mãe que sorria feliz no retornando à matriz. Clóvis estava muito contente. Tereza muito mais emancipada. Shozzotink lançara interesse naquele parto que usava uma parada intermediária em meio aquático. Ruy Hernandez esperava sucessos sem fim a partir dali, demonstrando alma romântica na viagem com novos seres a bordo.

O corpo do bebê dormitava sobre a mãe lançando gemidos de assentimento. Estava calmo. No intervalo entre duas obras musicais ele movimentou-se um tanto durante a pausa, mas, quando o violonista iniciou os Estudos, a criança retornou ao seu estado de paciente e tranquilo novo ser. Clóvis era cumprimentado por todos.

Hi Su preparava o corte do cordão umbilical.

*

O Navegador irrompeu no patamar fétido.

O odor de entranhas era peculiar e rotulava o mau cheiro do ambiente.

O portal, ao abrir-se, rangeu e gemeu lancinante; ampliou-se em um estrondo; parecia construído entre pântano, lama e fezes.

Os que se espalhavam pelo salão subterrâneo viram que seu pior inimigo entrava com a arma maldita. Que os outros também, vinham desaforados e seguiam armados. As pessoas recuavam, pois, não desejam permanecer na linha de choque com o comandante da Indígena. A maça de metal balançava nas mãos nervosas de Pedro Lúcio. Este esperava pelo pior. A turba abriu caminho como alas se abrissem para passagem de alguém. Por ali transitava o grupo armado. Atento. Um movimento em falso podia determinar o erro fatal.

Um contra ataque?

Uma surpresa pelo flanco?

Haveria quem se escondesse nas sombras?

Os Homens Novos eram tão poucos. Os Sub Homens, ainda que em fuga, ainda tantos.

Bento surgiu atrás, quase despercebido, afastando-se, lentamente, para as paredes do fundo, com total intenção de que não percebessem sua presença. Não desejava ser notado. Pretendeu se esconder na penumbra que vinha crescendo a cada dia no patamar. As luzes se iam perdendo e restavam, apenas, as mais próximas da porta.

O Navegador prendeu seus olhos sobre ele e foram como barras ferro. Como punhalada que Bento sentisse. Atingiu-lhe a alma e não o corpo. Ele baixou a cabeça. Tentou fugir pela frente, mas, Pedro Lúcio impediu-lhe o caminho. O Navegador percebeu e deu sinal de concordância a Pedro Lúcio. Pedro Lúcio olhava para todos, olhava para todo lado, cada quadrante era escrutinado.

Inesperadamente seus olhos se turvaram em lágrimas. Sua mão tremeu, ergueu-se muito lentamente e os dedos apontaram para a frente. Todos pararam nesse momento uma vez que a visão lhes era comum. Seus corações desejavam pular para fora do peito.

Debaixo de um dos bancos, ali jogado, coberto de sangue coagulado, já entregue aos primeiros estágios de decomposição via-se, parcialmente roído, comido, canibalizado, o corpo morto de Luzia Gimenez.

*

Quando a faixa passou de Villa-Lobos para Ravel a música que surgiu evanescente e inesperada era a Pavana Para Uma Criança Defunta. O filho de Clóvis e Tereza pareceu erguer a cabeça como se sentisse a incoerência. Nesse momento Hi Su cortou-lhe o cordão e seu choro ecoou por todo o prédio como em um adeus a Luzia.

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