CAPÍTULO 26

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Um fino bocejo aéreo resvalou pelas paredes do lado Este da cúpula, embaçou-a e turvou ainda mais a paisagem. Quem olhava para fora nada via.

Da brisa úmida que surgira o clima se transformou em aragem cortante e fria. Esse mesmo vento, passando pelas ruínas externas, cedia ares de pavor e medo. Atmosfera de terror acompanhada pelos gritos das mortes recentes.

Barulhos e sons noturnos, como vozes, construíam coros fúnebres, intercalados com sussurros de tessituras graves; arrancava-se do seio da noite a melodia macabra que, caso tivesse letra teria uma só palavra: Liberdade.

O vento derrubou objetos pendentes. Derrubou paredes e fez rolar surpreendentes coleções de folhas e galhos que arquejavam nas ruas.

Dos restantes postes os fios chacoalhavam, e, pareciam guizos de cobras. Era como se centenas delas se arrastassem pela poeira à procura de alimento ou de fuga.

Muita vez em lugares calmos, escuros, soturnos, enclausurados em ladeiras, o ruído de vozes era similar a ocas vozes de almas que pediam permissão para retornar ao campo dos vivos. Tons lastimosos e chorosos.

Terrenos cediam, buracos surgiam, grandes massas de automóveis e residências esboroavam-se, fragorosamente, uns contra os outros.

A nebulosa noite mergulhava horas adentro, tingindo-se de madrugadas sem calor.

No Centro de Reuniões a falta de harmonia entre as pessoas era marca registrada, então. A reunião do pequeno grupo era tão fria quanto o ambiente exterior. Fora Tereza, que amparava sua criança, e, Clóviz que amparava Tereza, os demais cientistas estavam na sala. Contando, agora, com as fugas, mortes e acidentes não eram mais do que vinte pessoas. Vinte cientistas. Dos quarenta e três iniciais apenas vinte chegavam àquele ponto da jornada.

- Sugiro que partamos hoje, agora, nessa mesma noite, - o Navegador disse sem preâmbulos ao adentrar a sala. – Agora que a animália desenvolveu manobras para nos afastar paulatinamente, é obrigatório que os deixemos aqui definitivamente. Corremos perigo. Isso é evidente.

- Convenhamos, Navegador, precisamos seguir a metodologia que traçamos, - falava Ruy Hernandez...

- Com o equipamento que está em órbita, com os robôs astronautas, que trabalham ativamente... - o Navegador não lhe dava muita atenção, - ...e com menor número de cientistas não temos mais desculpas. Além disso, os Lesracomianos nos cederam tecnologia de ponta para cruzar qualquer região espacial... - o Navegador foi incisivo. – Permanecer aqui é assinar sentença de morte.

- Podemos tomar novas medidas de seguranças...

- Mas que medidas de segurança, Ruy? E para que? Não podemos mais perder tempo com isso. Eu... não quero perder tempo com isso! Perderemos, sim, mais amigos. Construiremos prisões? Teremos guardas nas portas? Não! – enfatizou – ...que fujam, que saiam... que ganhem as ruas, para mim tanto faz... Além disso, eles não irão conosco. Tenho o aval de José Luiz.

Ao receber atenção dos demais José Luiz falou pausadamente, escolhendo cada palavra:

- Sim... dei esse aval... os relatórios estavam em fase de finalização. Todos vocês os receberiam a tempo caso não acontecessem os últimos desastres. Uma e outra pessoa, dentre eles, talvez... sob controle em tempo integral poderiam seguir viagem... mas, carregar a multidão do patamar é jogar fora o projeto e a expedição, - disse isso, e, calou-se como ponto definitivo, para ele, das questões.

- Eles têm um líder... uma pessoa intermediária que calcula e arquiteta isso tudo. Um sujeito incontrolável e desequilibrado que assim se tornou com o tempo, como alguns dos nossos cientistas que optaram por morar no patamar. Creio que estados de tensão mental ajudaram nisso, contudo, não há tempo para observarmos o desenvolvimento desse quadro, agora... não há tempo, na verdade, para nada.

O VOO DA INDÍGENAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora