Amor Maluco

By alicejfsilva

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Apesar de crescer com a fama, Malu sempre procurou levar uma vida tranquila, morando em Hills City, uma peque... More

Aviso
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Parte 2 - Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Capítulo 80
Capítulo 81
Capítulo 82
Capítulo 83
Capítulo 84
Capítulo 85
Capítulo 86
Capítulo 87
Capítulo 88
Capítulo 89
Capítulo 90
Bônus Mike
Capítulo 91
Capítulo 92
Capitulo 93
Capítulo 94
Parte 3 - Capítulo 95
Capítulo 96
Capítulo 97
Capítulo 98
Capítulo 99
Capítulo 100
Capítulo 101
Capítulo 103
Capítulo 104
Capítulo 105
Capítulo 106
Capítulo 107
Capítulo 108
Capítulo 109
Capítulo 110
Capítulo 111
Capítulo 112
Capítulo 113
Capítulo 114
Capítulo 115
Capítulo 116
Capítulo 117
Capítulo 118
Capítulo 119
Capítulo 120
Capítulo 121
Capítulo 122
Capítulo 123
Capítulo 124
Capítulo 125
Capítulo 126
Capítulo 127
Capítulo 128
Capítulo 129
Capítulo 130
Epílogo
Agradecimentos

Capítulo 102

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By alicejfsilva


Sinto que meu travesseiro é mais sólido e quente que o normal, até parecem músculos. Pareço estar abraçando algo maior do que eu, mas bem aconchegante. Sinto o cheiro de algo masculino, uma mistura familiar. Muito familiar.

Não costumo acordar com meu corpo tão quentinho. Também sinto algo firme onde meu queixo está apoiado. Um peitoral nú? Um braço forte me mantém imóvel no lugar, assim como um par de pernas emaranhadas com as minhas.

Espera ai...

Arregalo meus olhos de uma vez, me mexendo com cautela. Primeiro vejo que estou embolada com alguém, pernas, braços e todo o resto. Extremamente agarrados. Não consigo nem me mexer direito, mas não é uma sensação ruim. É bem agradável e não me faz querer levantar.

É quando meu subconsciente sobressalta e desperta por completo, me fazendo reconhecer essa fisionomia que eu conheço muito bem.

Assustada, subo meus olhos para seu rosto sereno e a respiração tranquila. Mike está com o braço tão firme me mantendo no lugar que será impossível levantar sem acordá-lo. Aliás, como eu vim parar aqui? Quer dizer, aonde eu estou?! E...

Puta que pariu. Eu estou sem roupas?!

Antes que eu possa digerir qualquer ideia absurda, Mike se remexe e vejo o exato momento em que abre os olhos sonolentos. Ele sobressalta como eu ao ver o estado embolado que nos encontramos. Esfrega suas iris verdes antes de focar em mim, como se não fosse real.

No segundo seguinte, nós dois nos sentamos bruscamente. Eu abraço o edredom horrorizada ao ver que estou apenas de sutiã e Mike sem camisa, procuro pelas minhas roupas e me apavoro mais ainda ao ver todas elas espalhadas no chão, como se nós...

Ai meu Deus.

Olho para dentro do edredom, vendo que estou de calça. Pelo menos isso. Mas será que aconteceu algo?

- O que...? - murmuro.

Mike olha para os lados, parecendo reconhecer o lugar.

- Estamos no apartamento do seu irmão e... - ele olha para si mesmo.

Me pergunto porque estamos vestidos dessa forma em uma época tão fria, espero que não tenha sido ele a tirar minhas roupas e eu as dele. Cacete, por que eu não lembro de nada?

- Você lembra de alguma coisa? - Mike pergunta, para o meu desespero.

- Céus, não. - Levo uma das mãos ao rosto. - Será que...?

- Alguma coisa aconteceu entre a gente? - Mike se levanta, procurando por sua camiseta. - Acho que se tivesse acontecido você lembraria.

Encontro sua camiseta primeiro, entre meu casaco felpudo e minha camisa. Jogo depressa para ele e lhe dou as costas para me vestir o mais rápido que consigo, de pé em uma só perna.

- Nada mesmo? Tem certeza?

- Talvez, Malu. Só sei que começamos beber lá no Travis e simplesmente acordei aqui, contigo.

Esfrego minhas têmporas, minha cabeça está latejando e esse conflito logo cedo não ajuda. Não confio no meu corpo quando não estou consciente para controlá-lo, qualquer coisa pode ter acontecido e eu simplesmente não lembro de nada.

Não adianta, nada ilumina meus pensamentos. Só lembro que comecei beber bastante, precisava tirar as palavras que escutei do Mike da cabeça. Ele parecia tão aflito e... machucado enquanto dizia aquilo. Esteve me priorizando todo esse tempo? Não faz o menor sentido. Existem tantas perguntas na minha cabeça e não adianta pensar sobre esse assunto agora com essa ressaca gigantesca, além da dúvida me corroendo. Eu fiquei abatida com sua fala, não sei como agi bêbada.

- Por que está tão preocupada com isso?

- Por que você não está? - Rebato, indignada.

- Eu me conheço e sei que nem mesmo bêbado te tocaria dessa forma, ainda mais porque não existe nada entre a gente - Mike veste sua jaqueta depressa, em seguida dobra o edredom que usamos e arruma o sofá-cama.

Observo ele sumir em um corredor pequeno. Não conheço esse apartamento, aonde será que Melanie e Johnny estão? Será que já acordaram? O relógio na parede indica que são sete horas.

Enrolo meu cabelo em um coque alto, procurando minhas muletas pela sala. Não estão no meu campo de visão, será que eu apoiei minha perna no chão? Por favor, que eu não tenha feito uma cagada dessas.

Sento no sofá, estendendo minha perna lesionada. O joelho não parece inchado, um pouco dolorido, não consigo ver muita coisa por causa da calça.

Como eu vim parar aqui? Não acho que tenha vindo sozinha por razões óbvias. Será que vim com Mike? Estou ficando cada vez mais confusa. Senhor, o que foi que eu fiz? Acho que nunca mais vou beber. Pelo menos não com ele por perto.

Me apoiando nos móveis, vou pulando em uma perna só em direção outro corredor, diferente do que Mike foi. Começo escutar barulho de água correndo, como se uma torneira estivesse ligada e o tilintar de talheres.

Reconheço que se trata de uma cozinha e os ruídos são causados por Melanie que está lavando a louça.

- Bom dia? - Apoio minhas mãos na mesa, cansada de sustentar a perna no ar.

- Achei que iriam dormir mais - comenta, sem se dar ao trabalho de olhar para mim.

- Então você sabe o que aconteceu? - Acuso. - Como vim parar aqui?

- Você bebeu feito uma mula e te trouxe para cá. Johnny já havia trago o Mike. Como nosso quarto de hóspedes está interditado, vocês dois tiveram que dividir o sofá e aceitaram numa boa.

- Ele tava bêbado?

- Tanto quanto você, pareciam duas crianças.

- E o que mais? Só isso?

- Johnny e eu fomos para o quarto dormir, não faço ideia do que aconteceu entre vocês dois depois. Mas escutei muito ruídos, vocês são barulhentos.

- Como assim? Ai meu Deus, Melissa! - enrosco meus dedos no cabelo, sentindo que vou pirar se continuar com essa dúvida.

- Eu já disse que não sei - ela sacode as mãos dentro da pia, tirando o excesso de água. - Você acha que rolou algo? Levei um susto quando vi as roupas de vocês jogadas pela sala e os dois tão grudadinhos.

- Não. Não sei - pego uma xícara de café. Eu ainda não sou fã de cafeína, mas agora vai me cair bem.

- Pensei em te acordar, mas vocês estavam tão bonitinhos agarradinhos daquela forma.

Lhe lanço um olhar ameaçador, decidindo ignorar o comentário.

- Essa dúvida não vai me abandonar nunca e ele nem prece preocupado.

- Não é como se você pudesse culpá-lo, se tiver acontecido, aconteceu. Os dois não tinham consciência, não tem um culpado.

- É, você tem razão. Só tô um pouco indignada e confusa.

- Indignada por quê?

Melanie seca suas mãos em um pano de prato, olhando atentamente para mim.

- Não sabia que iria reagir de uma forma mais tranquila com ele, mesmo estando bêbada.

- No fundo, ainda tem um sentimento e você sabe disso - ela abaixa o tom de voz consideravelmente. - Uma pessoa alcoolizada costuma fazer coisas que não tem coragem quando está sóbria.

- Bobagem, nós nem sabemos o que aconteceu. - Passo as mãos no cabelo. -  Mike me deixa maluca.

- Você não tá com raiva dele, né?

- Por que a pergunta?

- Digamos que você se tornou alguém um pouco... Complicada, principalmente quando envolve ele. E, talvez, não me leve a mal, você esteja procurando razões para ficar com mais raiva dele para suprir algo que pode estar te afetando.

- Não estou brava com ele, claro que não.

E estou sendo sincera, se eu estivesse com raiva de alguém seria de mim mesma.

- Que bom, porque... - Melanie respira fundo. - Vocês se desentenderam de novo e isso está afetando bastante os dois, Mike deixou isso claro ontem, você viu, e eu sei que isso te desestabiliza também, mas sei que não vai assumir tão facilmente. Johnny está pirando com essa confusão. E realmente fico feliz que não esteja brava, seria injusto. 

Sempre apreciei a sinceridade de Melanie, ela sempre foi muito sensata.  Não estou chateada nem nada do tipo, um pouco preocupada, mas não com raiva.

- E o meu irmão? - mudo de assunto.

- Tá dormindo. Eu sou o único ser humano que acorda cedo em pleno domingo.

Ainda bem, imagino que faria muitas perguntas se tivesse visto como Mike e eu estávamos dormindo grudados como um casal de namorados.

Enxergo uma marca arredondada e arroxeada em seu pescoço, me fazendo rir. Pelo menos vou tirar a atenção de cima de mim.

- Olha só pra isso - indico seu chupão. - A noite foi boa.

- Não parece ter sido só a minha - Melanie aponta para o meu pescoço.

- Quê?! - Engasgo com o café, passando minhas mãos pela região.

Me estico para pegar seu celular na beirada da mesa, procuro por alguma coisa através da câmera frontal. Nada. Ao erguer meus olhos para Melanie, vejo que está rindo.

- Te peguei.

- Vai se foder. Que susto, sua baranga. Estava prestes a ter um infarto.

- Bem que você queria, né? Safada do jeito que é.

- Caramba, você fica tão linda calada.

Melanie apenas ri, olhando algo por cima do meu ombro. Ah, que ótimo.

Mike está encostado no batente da porta, esfregando os olhos de uma forma adorável. Seus cabelos estão um belo desastre. A aparência matinal combina com esse infeliz. Eu devia parar de reparar nele, certamente vou evitar mais um problema.

- Bom dia, Mel. Desculpa o incômodo, já arrumei a bagunça na sala.

- Relaxa, desde que não tenham deixado nada... - Aperto meus olhos em sua direção. - Deixa pra lá - se vira para esconder um sorriso. Cretina.

Mike não pergunta, deve imaginar que diria alguma porcaria e não quer piorar o clima constrangedor entre nós. Se ao menos eu tivesse acordado e saído de perto sem que ele despertasse, poderia fingir que nada aconteceu e que não dormimos agarrados feito dois carrapatos.

Observo ele dar a volta na cozinha e se servir de uma xícara de café também. Mike parece bem a vontade com Melanie, o que é novidade para mim, já que antigamente ele era bem tímido e reservado. Até mesmo abre a geladeira e pega uma caixa de leite como se estivesse na própria casa. Imagino que isso tenha se tornado comum, será que ele passa muitas noites aqui por causa de bebedeira?

Ontem todos me pareceram tão íntimos quando cheguei, parecem ter desenvolvido um elo muito forte. Devem ser frequentes essas reuniões aleatórias. Me senti um pouco intrusa.

- Quer comer alguma coisa, Malu? - Melanie coloca uma forma com bolo na minha frente. - Mike já é de casa, nem me preocupo em oferecer.

- Obrigada, tem remédio pra dor de cabeça? - fecho meus olhos, sentindo ela latejar.

- Ressaca, né? - provoca, se esticando para pegar uma caixa de remédios dentro do armário.

Ela tira uma cartela de dentro e deposita um na minha mão e outro na de Mike, que agradece com um gesto de cabeça.

- Já volto, vou acordar seu irmão pra ele te levar.

- Não precisa, eu posso pegar um uber ou algo do tipo.

- Fala sério, não inventa.

- Tá cedo, ele tá cansado.

- Eu posso te levar - Mike diz, virando um copo de água após ingerir o comprimido. - Tenho que trabalhar daqui a pouco, vou precisar passar em casa.

Melanie olha para mim, me dando a opção de escolher.

- Tudo bem, obrigada.

Os dois parecem surpresos com a minha decisão, mas não insisto no assunto. Quero apenas ir embora. Até poderia ficar aqui mais um pouco e esperar John acordar, mas realmente preciso tomar um banho, escovar os dentes, me livrar dessas roupas e do cheiro de bebida impregnado em mim. E claro, o cheiro do Mike também está presente, não é para menos.

- Suas muletas? - Mike pergunta ao me ver pular pela cozinha. Deixo o copo e a xícara dentro da pia.

- Eu deixei atrás da porta - Melanie responde.

Mike desvia de mim, indo até a pia. Ele começa lavar o que nós dois sujamos, não é muita coisa.

- Nossa, obrigada. Quando você casar a mulher é sua - Melanie brinca, acho que nunca a vi de tão bom humor. É esquisito ver ela sendo brincalhona, já que seu espírito normal é mais sério e intimidador. Morar com meu irmão está lhe fazendo muito bem.

- Espero que sim.

Imagino Mike casando algum dia, ele realmente leva jeito para ser um excelente marido. Apesar de tudo, devo reconhecer que o cara é uma pessoa muito parceira e gentil. A mulher que for sua esposa será uma garota de sorte. Ignoro o revirar que meu estômago dá, deve ser efeito da ressaca. Talvez Lizzie seja uma candidata, será que ainda são amigos? Eu era um empecilho no seu caminho, pode ser que tenha acontecido algo entre eles depois que parti. O engraçado é que ele terminou comigo no mesmo dia em que ela lhe confessou seus sentimentos.

- Obrigada, Mel - seguro em suas mãos para me equilibrar. - Adorei o apartamento de vocês, é tão aconchegante.

- Eu sei. Alex e você precisam tirar um dia para ficarmos jogando conversa fora antes de você ir embora.

É muito gratificante ver que os dois estão construindo uma base tão bonita, ver o crescimento deles e o que conquistaram. Não vejo a hora de ter um sobrinho bagunceiro para eu ser a tia legal.

Pulo até a sala, mas antes que chegue lá, Mike me encontra no meio do caminho com as minhas muletas. Agradeço sem olhar em seus olhos, acenando para Melanie antes de passar pela porta.

O silêncio constrangedor reina no elevador, o caminho vai ser longo. Depois da nossa briga, Mike sumiu do mapa. Fez exatamente o que lhe pedi e nem tive a oportunidade de digerir a grande confissão que ele jogou em mim. Pensava que com o seu afastamento, voltaria para minha fortaleza. O problema é que ver ele dizendo com todas as letras que ainda me ama afetou alguma coisa que fui incapaz de restaurar.

No carro dele a falta de interação continua, mas por sorte ele decide ligar o rádio e a música diminuí um pouco do vazio.

A voz de James Bay cantando bad ecoa pelo automóvel. Talvez o silêncio fosse a melhor opção, essa canção realmente parece estar falando da nossa história. Mike não parece minimamente incomodado, na verdade está até batucando os dedos no volante na melodia da música. Espero que ele não cante, com certeza não estou preparada para ouvir sua voz.

Melhor para de prestar atenção nele e focar na letra, não quero que me pegue o observando.

And then I crumble when you say you're getting over us

But the more I think about you, the more I keep the ghost alive
Yeah, the more that I'm without you, the less I know if I was right

I want you bad, but it's done
I'm bleeding out, 'cause we can't go on
I want you bad, 'til L shake
I want what we had, but what's broken don't unbreak.

Abro o vidro da minha janela, decidindo que também não é uma boa pensar na letra da canção. Com certeza não. Até pensaria que Mike fez de propósito, caso a música não estivesse tocando na rádio.

E então eu desmorono quando você diz que está nos superando

Mas quanto mais eu penso em você, mais eu mantenho o fantasma vivo
Sim, quanto mais eu estou sem você, menos eu sei se eu estava certo

Eu te quero tanto, mas está acabado
Estou sangrando, porque não podemos continuar
Eu te quero tanto, até eu tremer
Eu quero o que nós tivemos, mas o que está quebrado não se desquebra.

O mundo só pode estar de palhaçada com a minha cara, destino filho da puta. Sempre dificultando as coisas.

Mike abaixa o som quando a música chega ao fim, finalmente, sendo substituída pela voz do radialista. Estou desconfortável, não sei o que fazer e nem onde colocar as mãos.

- Se importa? - estendo o pacote de M&M que tiro do porta-luvas, agindo no impulso do desconforto. Fiz a primeira coisa que apareceu na minha mente.

- Não, - forço um sorrisinho, rasgando a embalagem com os dentes. - Sempre vão estar ai pra você.

No nervoso, acabei deixando algumas balinhas cairem no meu colo e outras no chão do carro. O que diabos ele acabou de falar?! E, aliás, que porra está acontecendo comigo? Parece que eu perdi totalmente a capacidade de pensar.

- Desculpa - recolho as bolinhas coloridas das minhas pernas, comendo depressa e sem vontade alguma. Pelo menos assim eu mantenho a boca ocupada.

- Deixa isso ai, depois eu pego - Mike diz quando me abaixo para pegar as que derrubei no tapete do carro.

Não discordo, voltando me sentar direito. Ainda bem que já estamos chegando, que caminho mais fatídico. Dá próxima vez eu prefiro voltar caminhando, pulando em uma perna só.

Praticamente pulo para fora do carro, antes mesmo dele ter desligado.

- Obrigada - abro a porta de trás para pegar minhas muletas com pressa.

Mike está parado do outro lado me assistindo com uma expressão diferente, não estou interessada em descobrir o que quer dizer. Não olho para trás nenhuma vez, mesmo quando me atrapalho nos pequenos degraus da varanda.

É esquisito sentir que estou nervosa perto dele, não faz o menor sentido. Talvez essa noite tenha me afetado mais do que quero admitir. Esperava que ele fosse ficar chateado comigo, após as coisas que disse no outro dia. Parece que nada o afeta mais.

- Bom dia, filha. Dormiu no apartamento do seu irmão, né? Como foi? - Escuto a voz do meu pai vindo da cozinha antes que eu termine de fechar a porta.

- Foi bem - ele e a mamãe estão acordados, preparando o café da manhã. - Bom dia.

- Se divertiu?

- Sim, foi legal.

- Isso é ótimo - minha mãe olha para mim com doçura. - Você ficou trancada aqui dentro desde que chegou, não se animou para sair e matar a saudade de todos.

- Achei que você fosse aproveitar ao máximo, antigamente não parava em casa.

- Não é como se as coisas fossem como antes. Muita coisa mudou. - Puxo uma cadeira para me sentar, deixando as muletas apoiadas na mesa. - Além do mais, não posso fazer muito por causa da lesão.

Os dois se entreolham, parecem conversar apenas com os olhares. Sei que pensam que eu estou solitária e deprimida, querem que eu saia e me divirta como antes. Só não sou mais uma adolescente e desde que ganhei minha liberdade, sair não parece tão emocionante quanto era aos dezessete anos.

- Você sabe, todo mundo sentiu muito sua falta. Sabe que não vai ficar aqui para sempre, esses meses vão passar voando. Devia aproveitar seus amigos - ela segura minha mão. - Nós também passamos por essa mudança, deixar as pessoas que amamos não foi fácil. Mas veja só, estão conosco até hoje.

- Meses? Não, com certeza não. Não vou ficar aqui por meses.

Enlouqueceria se fosse passar tanto tempo aqui, não faz nem um mês e já quero ir embora.

- O que quer dizer? - Meu pai para de adoçar o café, me olhando com atenção.

- Depois da cirurgia pretendo voltar para Manchester. Claro que vou esperar alguns dias, mas é certeza que irei.

- Pelo amor de Deus, Malu. O que custa ficar aqui até se recuperar? Quem vai te ajudar lá?

- Eu posso contratar uma equipe de médicos e uma ajudante. Isso não é um problema.

Isabella parece aborrecida, talvez pareça que eu não quero ficar com eles.

- Por que você quer tanto ir? Não se importa com a gente, é isso? - A voz do Peter me assusta.

Ele está parado na entrada da cozinha vestindo seu pijama de foguetes, não havia notado sua presença.

- Não é isso, eu amo estar com vocês. Mas a minha vida não pertence mais aqui.

- Não somos motivo o suficiente?

- Peter... - mas ele já havia me dado as costas e sumido da minha vista.

Ótimo, agora meu irmão está chateado comigo. Ele nunca vai entender, é uma criança, e só quer ter sua irmã por perto mais alguns dias.

- O que tanto está te afastando daqui? - minha mãe cruza os braços.

- Nada.

- Não minta para mim, Malu. Nós sabemos exatamente aonde está o problema.

- Então não me perguntem - me levanto. - Vou falar com o Peter.

- Nós nunca te ensinamos a fugir das dificuldades, filha - é meu pai quem diz, me fazendo parar no meio do caminho. - Fugir não vai solucionar o problema.

Não tenho o que dizer, apenas firmo minhas muletas no chão e saio da cozinha. Gostaria de poder ir para o meu quarto e ter privacidade. Mas desde o dia em que briguei com Mike, a sala se tornou meu quarto como o médico havia recomendado.

Abraço meu próprio tronco, esfregando meus braços diante da janela. Sabia que voltar para esse lugar era uma péssima idéia.

Preciso falar com o Peter, mas agora ele está lá em cima e não faço idéia de como subir sem precisar incomodar o meu pai.

Paro diante das escadas com as muletas, tendo um pensamento ridículo. Tudo bem, eu posso fazer isso.

Viro de costas e apoio minhas mãos em um dos degraus, sentando em seguida. Trazendo minhas muletas cada vez que subo um degrau sentada. Eu descia e subia às escadas dessa forma quando era pequena e tinha pernas minúsculas. Ainda bem que não tem ninguém vendo essa cena desastrosa. Pelo menos eu não corro o risco de ferrar meu joelho e vou chegar lá em cima com segurança. Deveria ter pensado nisso antes.

Seguro no corrimão quando chego ao topo e forço meu corpo com minha perna boa. Aqui estou eu.

Bato na minha bunda para limpar a poeira, contente por ter conseguido fazer isso sozinha.

Com minhas muletas, caminho pelo corredor até o quarto do meu irmão caçula. Mas não o encontro lá, aonde esse menino se meteu? Espero que eu não tenha subido por nada.

Avisto minha antiga porta no final do corredor, está aberta. Bingo.

Peter está deitado na minha cama, virado para a parede. Bato na porta para anunciar minha chegada, mas imagino que saiba quem é, já que sou ignorada completamente.

Abro espaço na cama, minha perna boa está doendo de tanto trabalhar sozinha.

- Então, você tá chateado comigo? - estico meu pescoço para tentar ver seu rosto, mas Peter o cobre com uma almofada.

Coloco minha mão na cama e me apoio nela, ficando inclinada na direção do meu irmãozinho.

- Vai me ignorar agora?

- Você vai embora de qualquer jeito, é bom que me acostumo.

Meu coração palpita, doendo com sua fala. Sei que Peter sentiu muito minha falta, as chamadas de vídeo não são a mesma coisa. E agora que estou de volta, com ele não sendo mais um bebê, não quer ficar longe de mim novamente. Nossa despedida anos atrás foi tão dolorosa, sinto que dessa vez será mais ainda.

- Não pensa assim, eu sempre vou te ligar. Como antes, lembra? E sempre que você quiser, no período de férias ou em algum feriado prolongado, sabe que é só me dizer que mando meu aviãozinho vir te buscar e assim passar todos os dias lá em Manchester comigo.

Peter sempre adorou viajar para minha casa, acho que é porque deixo ele bem a vontade. Saímos, comemos doce em qualquer horário e tenho um espaço de brinquedos unicamente feito para quando ele fosse me visitar.

- Tá, mas o que custa ficar esses meses com o papai e a mamãe? - ele afasta a almofada, olhando para mim sem se sentar. - Comigo?

- Eu gostaria mesmo de ficar com todos vocês, mas não consigo me sentir bem aqui - aliso seus cabelos loiros desgrenhados.

- É por causa do Mike, eu sei. Por que vocês dificultam tanto? Qual a dificuldade de simplesmente resolverem tudo?

- Não é tão simples assim.

- Claro que é, Malu! - Dessa vez ele se senta, agitado. - Vocês dois estão sempre tlistes.

- Tlistes? Ainda tem a língua presa? Meu Deus, você ainda é tão meu bebê.

- Às vezes e... Malu, para com isso. Não muda de assunto.

Esse moleque vai ser alguma espécie de gênio no futuro, não é possível que tenha essa mentalidade com apenas oito anos.

- Tudo bem, não vou mudar de assunto. Quem te disse que estamos sempre tristes?

- Eu vejo, todo mundo vê. O Mike eu sempre soube, mas como você estava longe não tinha certeza. Agora eu tô vendo que os dois sofrem por algo que eu não entendo.

- Como sempre soube do Mike? - engulo em seco, curiosa.

- É óbvio. Ele se tornou alguém triste! Tá sempre bebendo alguma coisa, se isolando, ficava o tempo todo procurando notícias suas e tem aquele papel que ele nunca larga e parece que sempre o faz chorar. Já o peguei chorando umas duas vezes lendo a mesma coisa repetidamente.

Papel? Do que exatamente está falando? Peter não deve ter percebido todas essas coisas sozinho, é muito para alguém da sua idade, talvez tenha escutado alguém dizer.

- Que papel?

- Eu não sei. Uma carta, algo do tipo. Está sempre com ele, pode ver algum dia.

Retorno para o momento que Mike me disse que havia lido minha carta, estávamos no seu carro discutindo. Na verdade, eu estava explodindo de raiva.

Como assim chora lendo isso? Não faz sentido. Se o afeta tanto, por que não veio me procurar em todos esses anos? Por que me ignorou naquela noite maldita? Peter só pode ter se enganado, não deve ser verdade. Pode ser que tenha entendido errado ou alguma outra coisa. Não pode ser, não tem lógica e nem explicação.

- Talvez tenha se enganado.

- Não, Malu. Pergunta pra quem quiser, todo mundo já viu meu padrinho com esse papel.

- Mas se for verdade, não faz sentido algum.

- Não vai fazer enquanto não for esclarecer suas dúvidas pessoalmente. Eu só quero que resolvam logo isso, por favor. O clima ruim de vocês afeta todo mundo, parece o efeito negativo do jogo.

Eu já fiz essas perguntas para o Mike, não tive minha resposta. Na verdade, ele me pediu para conversarmos, praticamente implorou. Estou tão confusa, não sei mais o que fazer.

- Não se preocupe, tudo bem? Não deve se frustrar com esse assunto de gente grande e chata.

- Mas...

- Tudo bem. Eu tenho muito orgulho de ver o garoto esperto que se tornou, sabia? - Coloco minhas pernas na cama quando ele abre espaço para eu me deitar. - Não quero que fique chateado comigo.

- Não tô, só é ruim ver as pessoas que eu amo tristes - ele olha para o outro lado.

- Eu te amo muito, tá? - Puxo Peter para meu colo, ele não reclama como pensei que faria. Apesar de ter crescido muito, ainda é pequeno o suficiente para caber em meus braços. - Você é a maior alegria da minha vida, desde que te segurei pela primeira vez.

Meus olhos ardem, pisco algumas vezes para afastar as lágrimas. Devia ter dito essas coisas para ele desde que cheguei, tinha que ficar mais perto. Mas estava tão preocupada comigo mesma que nem me toquei.

- Me desculpa por tudo? Ter sido uma irmã ausente e por ter te negligenciado por algo que não tinha culpa. - Peter apenas balança sua cabeça para cima e para baixo, se aninhando em meus braços.

Acabei afetando toda a minha família e amigos com esse meu medo de ser machucada, sempre quis protegê-los, mas dessa vez eu mesma estou os ferindo e nem me dei ao trabalho de reconhecer. Agora entendo o motivo do Johnny sempre bater na mesma tecla e brigar comigo para resolver as coisas com Mike.

- A irmã te ama mais do que tudo, ouviu? - beijo o topo da sua cabeça.

Quando coloquei meus olhos pela primeira vez nele no hospital, eu tinha apenas treze anos, nunca havia me sentido tão feliz. Nunca quis proteger alguém tanto até aquele dia. Aquela pequena vida diante dos meus olhos; frágil, dependente e pequena; precisava de alguém e eu queria ser essa pessoa.

- Eu também te amo, mana.

- Sempre vai ser meu bebê, sabe disso?

- Não conta pra ninguém, é constrangedor.

Finalmente dou risada, afastando o aperto em meu peito. Não quero nunca mais ver meu irmão nesse estado.

- Sua irmã mais velha te envergonha? Agora eu tô magoada! - Peter gargalha quando eu começo lhe fazer cócegas na barriga, ele se remexe feito uma minhoca. - Pede desculpa.

- Nunca! - grita, rindo ainda mais alto. Ele tenta se afastar, mas eu não permito.

- Agora vai ficar para sempre colado em mim.

- Para, Malu. Chega... chega!

Reduzo às cócegas ao ver que está ficando sem ar, lhe dando uma pausa para se recuperar.

- Tô esperando meu pedido de desculpas.

- Tá bom, tá bom - ele para, erguendo as mãos. Dou espaço para me olhar nos olhos. - Eu nunca vou me desculpar.

- Volta aqui, seu pirralho! - Seguro ele pela perna antes que fuja da cama. - Agora você vai sofrer o pior ataque de cócegas do mundo.

Afasto minha perna sensível para o caso dele acabar batendo nela sem querer enquanto o faço gargalhar.

- Desculpa, desculpa, desculpa - empurra minhas mãos, lágrimas estão escorrendo pelas suas bochechas de tanto rir. Acho que estou na mesma situação. - Cansei, chega. Vou fazer xixi na sua cama se continuar.

- Seu porcalhão - bagunço mais seus cabelos. - Vai logo tomar seu café da manhã e mijar.

- Como você é mal educada - ele pula para fora da cama, calçando suas pantufas do James Sullivan. Uma sensação esquisita me preenche, qual o problema agora? - Aliás, como você subiu?!

- Técnica secreta.

- Tô de olho - aponta para seus olhos e depois para mim. - Não desce, vamos assistir um filme depois que eu voltar.

- Sim, senhor.

Peter some do quarto em um segundo, apressado. Deixando uma atmosfera alegre e leve no ambiente, estou feliz pra caramba. Foi um bom momento e pretendo ter outros como este.

Me levanto para pegar o controle da televisão, mas acabo notando uma caixa fora do lugar em meu closet, chamando minha atenção.

Vou até ela, não consigo me lembrar do que se trata. A verdade é que meu closet está cheio de caixas que deixei para trás, preciso levar tudo para o meu apartamento.

Me arrependo no exato momento que abro a tampa, me deparando com uma quantidade absurda de fotos. Minhas e do Mike, pelo menos a maioria.

Agora eu me lembro.

São todas as fotos que guardei após o nosso término, aquilo foi tão difícil na época e agora ainda parece machucar.

Tem outras coisas também, como presentes pequenos que ganhei dele, um cartão de memória com músicas nossas e a caixinha de nossas alianças de compromisso. O problema é que está vazia, não me lembro de ter jogado a aliança fora. Será que perdi? Talvez tenha devolvido sem notar, mandando naquela caixa com suas camisetas.

Deixo minha mente viajar para o dia em que recebi a aliança, ele fez todo um suspense. Romântico. Oficializando tudo diante de todos os meus seguidores através de uma live. Sabia que era só uma questão de tempo até eu encontrar algo que me levasse de volta ao passado.

Seguro algumas fotos, aqui mais me chama atenção é de uma que estamos juntos, crianças ainda. Ali ele estava se tornando meu amigo. Meu melhor amigo.

Tem outra também, foi tirada no dia do nascimento de Peter. Mike estava com seus dezessete ou dezoito anos, era a época que eu me apaixonei por ele e não fui correspondida.

Uma lágrima pinga em um fotografia, foi uma das últimas que tiramos. Ele estava me abraçando por trás, com o rosto entre meu pescoço e ombro. Era tudo tão bonito.

É tarde demais para fugir, sei disso. Não queria vir para cá, pois estava com medo de me machucar. Mas só percebo nesse momento que não tinha como eu me ferir, porque eu já estava há muito tempo. Estava me escondendo dos meus próprios sentimentos ruins, sendo que eles nunca me deixaram.

Estava com medo de voltar porque isso me obrigaria encarar essas emoções das quais estive fugindo durante todos esses anos.

Nunca me fortaleci, apenas me acovardei. Me enganando até então. Voltar para Hills significava encarar essa realidade.

Agora eu sei que posso me fortalecer de verdade e não é fugindo, como meu pai acabou de dizer. Preciso encerrar esse jogo que abandonei, já estamos nos acréscimos e tenho que fazer meu lance decisivo antes do juiz apitar para o fim da partida.


Não se esqueçam de votar. Acho que a coisa vai começar ficar mais interessante haha.

Beijos

Alice.

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