HAG: Human Among Gods - LIVRO...

By taemeetevil

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[CONCLUÍDO] História vencedora do Premio Wattys 2020 LIVRO 1 - HUMAN AMONG GODS Zeus foi assassinado. Em um m... More

Avisos necessários
CAPITULO DOIS - TEORIA DA MEMORIA
CAPITULO TRÊS - O HOMEM DO MAR
CAPITULO QUATRO - ABAIXO DO CHÃO, ACIMA DO INFERNO
CAPITULO CINCO - NÃO PODE SER APAGADO
CAPITULO SEIS - SALA DO TRONO
CAPÍTULO SETE - ESTADO DE SÍTIO
CAPITULO OITO - CONTRA A CORRENTE
CAPÍTULO NOVE - SARGA, DE FUMAÇA E SANGUE
CAPÍTULO DEZ - CONFERÊNCIA DE PAZ
CAPÍTULO ONZE - VISITANTE INESPERADO
CAPÍTULO DOZE - CASA AZUL
CAPÍTULO TREZE - CONFLITO INTERNO
CAPÍTULO CATORZE - FESTA DA UNIFICAÇÃO
CAPÍTULO QUINZE - LEVADO EMBORA
CAPÍTULO DEZESSEIS - ENERGIAS E MEMÓRIAS
CAPITULO DEZESSETE - INVASOR VERMELHO
CAPÍTULO DEZOITO - SEFIRA
CAPÍTULO DEZENOVE - UM GRANDE RETORNO
CAPÍTULO VINTE - JANTAR DE CASAMENTO
CAPÍTULO VINTE E UM - INIMIGO NAS SOMBRAS

CAPITULO UM - O DEUS ESTÁ MORTO

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By taemeetevil

JEON JEONGGUK

HUMANO

12 DE ABRIL – UM ANO ANTES

As seletivas para as Forças de Paz eram as mesmas em qualquer lugar do país. Doze semanas de testes, uma para cada deus do panteão e ao fim delas o candidato podia fazer parte da equipe, cumprindo missões pelo mundo em nome do deus que lhe desse uma benção. Com 19 anos, no fim do meu tempo escolar, eu tentei a primeira vez. Com 20 tentei novamente. Também com 21, depois com 22 e tentei mais uma vez esse ano, com 23 recém-completos. Nunca tinha passado para além da terceira fase, por um grande problema.

Um que media 50 por 25 metros e tinha 3 de profundidade.

— Equipe Sigma, posição!

O tenente Moon era o responsável pela avaliação da terceira fase, ele foi o responsável pelos últimos dois anos além desse. Como oficial ele sempre usava o uniforme padrão: branco, com todas as medalhas de honra além dos três pendentes de Poseidon. Um junto ao peito, um preso no quepe e o último enrolado no pulso, como um cordão. O último era dado aos favoritos de Poseidon, que tinham um talento especial para com o oceano. Quando era criança, lembrava de meus colegas trazendo pingentes falsificados para exibir na aula - e até falsificações boas eram caras - e eu pensava se um dia eu teria uma, de verdade. O pensamento durava o tempo exato de me lembrar porque Poseidon sequer olharia na minha cara.

— Pra água! — mandou e um a um meus colegas de grupo foram pulando. Até chegar a minha vez — Jeon, pra água! — gritou pra mim, enquanto eu continuava parado, a um metro da borda, vendo a água agitada pelos movimentos dos outros rapazes e garotas, minha visão me sabotando enquanto via a piscina mudar de lugar, como se eu estivesse bêbado. Apertei os olhos com força, tentando fazer a tontura passar. Quando alguém começou a rir, percebi que estava tremendo. Claro que estava, eu era um covarde. Um completo covarde — Ei, Jeon... — uma mão apoiou em meu ombro, ergui os olhos para tenente Moon.

Ele não devia ser muitos anos mais velho que eu, talvez tivesse 27, no máximo. Seu rosto era bonito como uma pintura, e todos diziam que Eros o tinha abençoado quando nasceu.

— Você sabe que não precisa nadar, é um teste envolvendo magia, só pule. Ninguém aqui vai deixar que se afogue — assenti, eu sabia disso. Eu só precisava passar por isso, seguir para a fase seguinte e ser enviado para qualquer lugar sem rios ou mares por perto. Eu só precisava entrar na água — Acredito em você — disse, e assenti comigo mesmo, tentando dar um passo adiante.

Um passo de cada vez. Eu já tinha tentado tantas vezes, apenas um passo seguido de outro até a borda. Eu podia fazer isso. Ergui os olhos para o alto, tentando não olhar pra água, mas sentia os olhos úmidos antes mesmo do terceiro passo. Respirei fundo, tentando pensar com clareza, mas minha mente era uma confusão estranha de sons ecoando nos meus ouvidos, com a voz do meu irmão, gritando meu nome de muito longe. Forcei-me a dar mais um passo adiante, mas minha perna vacilou como se tivesse pisado no vazio, me fazendo cair no chão.

Me encolhi em minha vergonha, com receio de olhar para as pessoas em volta e elas começarem a rir mais ainda. Tinha sido patético, óbvio que tinha. Eu mal avancei trinta centímetros sem desabar feito uma criança amedrontada. Senti alguém me ajudar a levantar, literalmente me fazendo ficar de pé, e continuei com a cabeça baixa, na tentativa de ocultar minha humilhação mesmo que fosse a segunda vez que isso tinha acontecido - nos outros anos eu literalmente fugi do teste, desistindo antes mesmo de chegar a piscina - e orando para o deus que quisesse me ouvir que as pessoas esquecessem disso logo.

— Levem-no para enfermaria — tenente Moon disse, e não tive chance de dizer nada enquanto era apoiado por outros dois oficiais e era levado embora.

(...)

— Jeon... — a senhora Jung, da enfermaria, já era uma velha conhecida depois de tantas tentativas frustradas para entrar na corporação. Em algum momento eu sempre corria pra lá, pedia algo para fazer minhas mãos pararem de tremer e ficava deitado numa das macas até ter dignidade o suficiente pra voltar pra capital — Você de novo, hum? — ela caminhou pra perto, parando ao meu lado. A senhora Jung era bem idosa, mas serviu aos deuses mais da metade de sua vida, como os consagrados pelos 12 tinham direito de escolha na hora de se aposentar, ela preferiu permanecer trabalhando até quando conseguisse — Por que vem todos os anos se nunca conseguiu curar seu problema? Passa na seletiva de Zeus e Hera, mas na de Poseidon...

— É complicado.

— Claro que é, especialmente quando você não deixa nenhum deus te ajudar — me entregou o comprimido e um copo d'água, tomei de uma vez, deitando de volta — Continue como policial, é um serviço digno como qualquer outro.

— Eu preciso ir embora. Não tem como ir sem as missões de paz, eu não tenho dinheiro — senti o corpo pesar, em parte eu amava e odiava como os remédios tinham efeitos rápidos, eu conseguiria ficar 3 minutos acordados no máximo.

— Pra que precisa ir embora, Jeon? Do que está fugindo?

— Não estou — apertei os olhos quando um ponto de luz brilhou diretamente sobre meu olho direito, afastei o rosto vendo alguém parado perto da porta, a luz da janela tinha entrado e atingido o pingente de ouro. O tridente de ouro era usado somente por Poseidon. Meus olhos pesaram, e eu não sabia se ficava com raiva do remédio funcionar logo quando o deus chegou ali, ou dava graças aos céus por me poupar.

— Ele foi o único reprovado? — ouvi a voz grave dizer, e era estranho eu poder ouvir o oceano ao fundo, mesmo que o mar estivesse a quilômetros dali — É uma pena, você disse que o queria na sua equipe?

— Sim — ouvi a voz do tenente Moon — Mas o garoto não se dá com água, não sabe nadar e recusou as aulas de natação... não tem muito que possa fazer — nesse momento eu só queria que o remédio me apagasse de vez e me poupasse da conversa deles, porém provavelmente apaguei logo depois disso, porque não pude me lembrar de mais nada.

+++

Os "palácios de treinamento", eram grandes casarões consagrados a deuses. Os de Poseidon e Hades ficam em Daegu, já que era a cidade de nascimento de ambos. Deixar o prédio no dia seguinte foi frustrante assim como era todos os anos, eu tinha de passar pelo grande pátio da entrada, onde todos os selecionados ficavam aguardando até que fossem levados para o palácio de Hades. Ninguém sabia bem onde ficava, as histórias contavam que era uma grande casa de mil quartos em pedra negra que refletia a noite e que lá, as pessoas aprendiam a entender a morte, e parar de fugir dela. Eu nunca saberia se era verdade, porque não tinha coragem o bastante pra pular numa maldita piscina.

— Jeon — a voz soou do meu lado e pulei de susto quando vi tenente Moon — Como está hoje?

— Bem, senhor — disse, baixando a cabeça e desejando que o chão me tragasse.

— Desde que assumi essa função, você tenta quase todos os anos, inclusive nas 3 eletivas do ano passado e continua travando na mesma prova — "Por favor, qualquer deus que manipule a terra... me engula" — Dê mais uma chance pra polícia, eu sei que patrulhas e recolher bêbados na rua não é empolgante, mas talvez algo bom esteja esperando você lá.

— Isso é uma tentativa de me fazer sentir melhor?

— Se estiver funcionando, sim — abriu um sorriso, e me arrisquei a encará-lo — Eu sempre estou na capital no final do ano — enfiou a mão no bolso, tirando um pedaço de papel dobrado — Se quiser companhia para uma bebida... — permaneci um momento chocado, olhando dele para o papel, até ter coragem de pegar e abrir, vendo o óbvio: Um número de telefone.

— I-Isso é... Eu não, eu n-.

— Jeon — falou, me fazendo calar — Não precisa significar muito — sorriu mais uma vez.

— Moon! Se apresse — alguém o chamou, mas quase todo o pátio se virou para ver, a voz se projetava alta como num microfone, mesmo que não usasse. Só deuses soavam assim.

Kim Taehyung era seu nome humano. Poseidon.

Tudo nele parecia belo, grandioso e distante. Diziam que era um homem bom e gentil, como sua imagem divina nunca foi. Entre os deuses encarnados era o mais amado - junto de Eros e Apollo -, porém diziam ser o mais emocionalmente afastado dos humanos, seus favoritos eram o laço mais forte que mantinha. Eu somente sabia o que me diziam sobre ele, sobre todos eles, porque nunca tive interesse de realmente conhecê-los, o máximo que fiz foi decorar os 12 nomes para não chamá-los de forma errada caso fosse convocado.

Aquele era meu último ano tentando passar para as Forças de Paz, tinha decidido isso quando acordei de madrugada, quando o efeito do remédio se foi e não tive muito o que fazer além de rever meus fracassos nos últimos cinco anos. Simplesmente não funcionava.

— Até logo, Jeon — Moon se despediu.

— Até... — murmurei, vendo-o seguir adiante, em direção às grandes portas da entrada do casarão, onde o deus o esperava.

Em todos meus anos de vida, aquela foi a segunda vez que vi Kim Taehyung. E de todo coração acreditei que seria a última.

Eu estava errado.

+++

DIAS ATUAIS

19 de abril

Às quatro da manhã começavam as patrulhas na capital. As quatro e trinta e sete daquele dia eu ainda não tinha saído de casa, enquanto engolia meu café e o telefone tocava, provavelmente Jaebum-hyung em todo o seu ódio, querendo gritar pela ligação que eu tinha me atrasado mais uma vez. Isso sempre acontecia nesse período, todo mês de abril eu tinha pesadelos frequentes que me assombravam a noite toda, não me deixavam dormir e consequentemente me faziam perder a hora pra patrulha.

Quando larguei a xícara na pia e corri para a porta, atendi o telefone.

De novo, Jeon? — o hyung gritou raivoso no telefone e me encolhi - mesmo que ele não estive ali de verdade pra me dar uns tapas -, fechando a porta com força, porque a parte de baixo estava emperrando — Todo dia a mesma coisa, eu não vou mais bater seu ponto, entendeu? Você não é uma criança.

— Eu tô' chegando, hyung — comecei a descer pelas escadas porque o elevador estava quebrado — Cinco minutos.

Eu vou cronometrar — ele iria mesmo. E desligou.

Pulei os dois últimos degraus, passando como um foguete pelo porteiro Lee que parecia ter acabado de acordar e falou qualquer coisa sobre eu ter correspondência, mas eu podia ver isso depois que voltasse. A delegacia ficava a três quarteirões, não tão era longe - foi o único motivo que me fez alugar um apartamento no meu prédio atual -, mas do modo que o Jaebum estava puto, eu estava correndo pela minha vida. As ruas sempre estavam vazias nesse horário, a iluminação vinha dos postes e letreiros luminosos sobre o show de Agust D que aconteceria em Peloponeso dali uns dias.

Quando alcancei o prédio da corporação, todos os patrulheiros estavam parados na porta, olhando pra mim com a mesma expressão de quase todos os dias. Se a polícia fosse uma instituição um pouco mais relevante eu provavelmente já teria sido chutado de lá há muito tempo, mas foi perdendo cada vez mais importância desde que deuses tiveram mais liberdade de agir pela sociedade em geral. E todo mundo tinha medo de ir pro inferno agora que sabiam que ele existia. Delegado Im, não disse nada quando cheguei, só acenou para que eu assumisse a formação ao lado de Jaebum.

— Agora que estão todos aqui — disse, me lançando um olhar acusador — Podemos começar o trabalho — Delegado Im era um homem velho, devia ter pouco mais de 60 anos. Sobrepeso, problemas nas articulações, olhos cansados, cara de poucos amigos, achava que deuses eram um mal necessário. Era da época que a polícia ainda tinha um papel mais ativo, quando as pessoas não recorriam às divindades para tudo. Ele ainda agia como se vivêssemos nesse momento, e esperava que fizéssemos o mesmo — Song e Chang, Salamina. Kim e Park, Peloponeso, Moon e Kim número 2, Termópilas, Jeon e Im, Acrópole... — parei de prestar atenção quando ele disse pra onde eu iria. Geralmente as patrulhas por entre as zonas aconteciam apenas duas ou três vezes no ano e era ainda mais raro enviar policiais para Acrópole, que tinha a própria patrulha e quase nunca recebia oficiais de fora — Fiquem atentos a qualquer chamado, não importa do que seja, nenhum serviço é insignificante. Estejam de volta às onze, bom trabalho. — nos dispensou, seguindo pelo corredor em direção a sua sala e nós saímos para as viaturas.

— Eu dirijo — Jaebum disse, e não argumentei contra, levando em conta o quão pouco eu dormi, pegar um carro não era mesmo uma boa ideia, mesmo com os sistemas de segurança. Entrei, afivelando o cinto ao sentar e permaneci em silêncio, o chiado do rádio das chamadas era a única coisa que podia ouvir — Falei com o delegado. Ele arrumou uma consulta pra você com Hoseok.

— O que? — me virei para ele, sentindo a alça do cinto apertar meu pescoço — Eu não- porque fez isso? Não é como se fosse sempre, você sabe que esse mês é...

— Sim, todo mundo sabe. Mas você precisa de ajuda, Jeon. Você entrou em pânico enquanto a gente limpava o tanque d'água da delegacia, isso não é comum, quantos anos você fez tratamento? 10? Em dez anos você conseguiu ficar pior — ele apertou o volante com mais força — Um dia vai me agradecer por isso — não respondi.

Ao longe, na rua principal, era possível ver os arcos da entrada de Acrópole. Virei para o lado, querendo ignorar a sensação de embrulho em meu estômago. No relógio marcava 05:02 da manhã.

Havia uma regra implícita no mundo que impedia que deuses atuassem o tempo todo, tinha algo relacionado ao equilíbrio do próprio universo, que às vezes fazia com que grandes tragédias acontecessem, ou pessoas ainda morressem de fome, porque o universo não podia ser bom com todo mundo. Em Seul, era possível ver isso nas zonas da cidade. Acrópole era a zona mais rica, o centro comercial da capital, toda a arquitetura era um misto entre as construções monumentais greco-romanas e casarões orientais clássicos, para que uma cultura não apagasse a outra. Tudo era rico, limpo e absurdamente caro.

O limite entre Salamina e Acrópole delimitava perfeitamente o conceito de ricos e pobres, o "nós e eles".

O carro reduziu muito a velocidade, Jaebum ligou o piloto automático, deixando que a máquina seguisse o percurso traçado por si só e começamos a olhar as ruas, verificando qualquer possível movimentação estranha, roubos ainda aconteciam aos montes, especialmente por ali, onde era muito mais fácil conseguir furtar turistas ou moradores distraídos. O veículo passou por baixo da estrutura suspensa do metrô que percorria a cidade, virando na avenida A, a principal rua da zona, já que no fim dela havia o maior hotel do mundo conhecido, o Arcádia.

Não chegamos a ver o hotel de perto, entretanto, já que uma chamada soou no rádio. Eram 06:39.

"A guarda do Han tirou um corpo do rio, ponte do Partenon em Acrópole, precisam de reforço para tratar com a família. Patrulha mais próxima?"

Jaebum aceitou a chamada.

— Estamos á 5 minutos da ponte.

"A ocorrência é de vocês. A família já foi contatada"

— Certo.

"E oficial?" fez uma pausa antes de continuar "Cuidado lá. Foi um dos Kim" a chamada encerrou e Jaebum-hyung me lançou um olhar confuso antes de redirecionar a rota.

Meu primeiro pensamento sobre um corpo no rio foi se tratar de um suicida. Acontecia num número frequente, especialmente em Peloponeso e os mais cruéis culpavam a influência de Hades, já que ele vivia lá. O protocolo era sempre o mesmo: Contatar os familiares, amigos próximos e inclusive o próprio Hades para saber o que causou a morte. O governo tentava dar algum apoio aos familiares e tentavam prevenir que coisas assim voltassem a acontecer, seja dentro da família ou no círculo social em geral. Mas havia um "porém" estranho naquele caso específico.

"Foi um dos Kim"

Qualquer pessoa que vivesse no país saberia quem eram os Kim. Na verdade, qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo os conhecia. Eles foram os primeiros entre os deuses que se tornaram conhecidos, foram heróis da Segunda Guerra, ajudaram a reconstruir o país, provavelmente toda a Ásia tinha uma dívida de gratidão com eles, o que tornou as divindades tão fortes mesmo depois de mais de 100 anos de seu ressurgimento. Ao dizer que era "Um dos Kim", queria dizer que um deles cometeu um crime? Somente a possibilidade fez meu cérebro entrar em pane.

O que faríamos exatamente? Prender um deus? A ideia soava quase ridícula, não havia nenhuma forma humana que os mantivesse cativos. Quem iria julgá-los? Como poderiam puni-los?

Jaebum-hyung desligou o piloto automático, ele mesmo assumindo a direção, acelerando em direção a ponte e nem precisava perguntar para perceber que ele também estava nervoso.

Era muito raro lidar com casos de assassinato, o último que surgiu em Salamina foi de uma mulher que era espancada pelo marido, mas ela mesma foi se entregar, na esperança de conseguir o perdão divino. Isso era o que geralmente acontecia, havia apenas uma investigação simples, somente para ter certeza do que aconteceu, mas às vezes a própria vítima conseguia confirmar, porque Hades podia contatar as almas que não passaram por um rio no submundo que as fazia perder as memórias. Mas e sobre um assassinato cometido por um deus? Mesmo que a vítima confirmasse no submundo, o que faríamos em seguida?

A ponte Partenon era assustadora mesmo de longe, porque parecia pronta para cair. As colunas eram de mármore e se erguiam há quase vinte metros, ligadas por ligas de cobre que parecia metal enferrujado. Diziam que era sustentada por magia, porque só o mármore e o cobre que a sustentava não era a composição mais segura enquanto estrutura, mas ela existia, muito bem, desde o fim dos anos 50. A patrulha do rio estava a esquerda, era possível ver o amontoado de oficiais junto à margem, provavelmente ainda tentando tirar o corpo da embarcação da patrulha, a vantagem de ainda ser bem cedo, era ter pouquíssimos carros circulando nas ruas.

Jaebum parou a viatura perto de uma da equipe de Acrópole o que me fez questionar porque tinham nos chamado se o pessoal da própria zona já tinha chegado ali, quando descemos do carro, eu pude finalmente entender o porquê. Havia quase vinte pessoas ali, puxando cabos para elevar o corpo da embarcação e ainda não parecia o suficiente, a ponta da arma foi a primeira coisa que pude ver, o cabo de ouro de uma espada, ainda fincada no peito da última pessoa que me ocorreria estar ali. Jaebum-hyung olhou pra mim, completamente desnorteado, assim como quase todos os humanos presentes, porque era impossível disfarçar a expressão de surpresa e medo no rosto de todos eles.

O corpo foi colocado no concreto da margem, a espada reluziu sobre a luz do sol e enfim vi as duas figuras paradas a poucos metros de onde estávamos. A família veio ver o corpo, o oficial disse, e não era mentira. Era tão inacreditável que agora que tinham o trazido pra cima, ninguém sabia muito bem o que fazer, alguns se afastaram, evitando olhar, outros pareciam a ponto de cair em lágrimas.

Era Zeus. E ele estava morto. Um deus foi assassinado.

— Vá falar com eles — Jaebum disse num sussurro pra mim, e o olhei pronto pra protestar — Pelos deuses, Jeon. Só fale com eles, você sempre teve mais tato com essas coisas e preciso contatar as patrulhas para fechar as rotas pra cá. Alguém tem de ir.

Eu queria ter um bom argumento contrário, mas em hierarquia, Jaebum tinha mais autoridade que eu. Respirei fundo, caminhando até a dupla. Eu nunca tinha visto Kim Seokjin, Hera. O pouco que me lembrava das minhas aulas de história, diziam que era o homem mais bonito do mundo, que era um conciliador ouvido por líderes de todo o mundo, ele inclusive que delimitou os acordos de rendição e paz no pós-guerra, mas também diziam ser muito tendencioso para a raiva. Ao lado dele estava Poseidon, e mesmo que ele provavelmente sequer se lembrasse de já ter colocado os olhos em mim alguma vez na vida, baixei os olhos e puxei o boné pra baixo, como se para impedir que olhasse meu rosto melhor.

— Eu lamento muito por sua perda, senhor Kim — disse, e isso pareceu rasgar o véu da realidade. Um soluço cortou o ar, e ergui os olhos para Seokjin. Ele chorava, olhando para o corpo do marido e eu desviaria o olhar se no instante seguinte as lágrimas em seu rosto não tivessem mudado. O líquido translúcido adquiriu um brilho dourado escorrendo pelo seu rosto e a pele num rastro brilhante. Ele chorava ouro.

— Em quanto tempo acharão o responsável? — disse, com a voz embargada, mas forçando-a a soar firme.

— O senhor espera que- — calei quando vi seus olhos brilharem num tom dourado como de suas lágrimas, era belo, mas obviamente ameaçador — É... nós- a polícia fará o melhor — emendei — Mas... como foi possível? Matar um deus?

— Até onde se sabe só um deus pode matar outro. Nenhuma outra criatura tem poder o bastante para o fazer — Poseidon respondeu, ouvi o som de água revolta e antes de considerar seu efeito de sua própria voz, percebi a agitação estranha do rio, fazendo as pessoas no barco deixarem-no, antes que fossem os próximos a morrer também — E é claro, havia a espada. — lancei um olhar para trás, vendo o objeto por entre os oficiais que observavam o corpo, havia poucos agora, o restante começou a fechar as ruas, para impedir que pessoas e a imprensa chegassem muito perto — É a forma física de um antigo espírito. God Killer. Assassina dos deuses.

— Alguém tem de investigar... — Seokjin disse, a voz tão baixa que mal podia ouvi-lo — Não confio em nenhum dos nossos. Você o fará — olhou pra mim, limpando os olhos com as mãos e a raiva em sua voz tornando-se mais evidente — Você vai achar o assassino.

— Eu n-

— Você é policial, assassinatos ainda estão sob a jurisdição de vocês. É sua obrigação investigar.

— Mas e-

— Prometa que irá — insistiu, o brilho dourado em seus olhos se tornando mais vivido e resisti ao impulso de sair correndo. Talvez eu pudesse prometer, em nome da corporação e outro assumiria, havia policiais muito melhores e até alguns investigadores que provavelmente se matariam para enfim serem úteis numa investigação real.

Então eu cometi o pior erro da minha vida:

— Eu prometo. Vam- Aaarg! — foi rápido, sem um mínimo intervalo onde pudesse me preparar, apenas senti minha pele queimar feito brasa, como se uma lâmina quente tivesse riscado meu rosto de cima a baixo, fazendo meus olhos lacrimejarem e encolhi para o lado, tentando me afastar da força invisível que me machucou. Olhei para os dois antes de erguer a mão esquerda até meu rosto, sentindo o relevo da cicatriz — O... O que foi isso?

Vi a confusão nos olhos de ambos até Poseidon se manifestar.

— Você não sabe? Realmente não sabe?

— Não? P-Por que eu tenho uma cicatriz no meu rosto? O que- que foi isso? — percebi minha voz se elevar, e parecia bem estúpido levando em conta que tinha dois deuses diante de mim, mas eu estava em posição de exigir respostas.

— Nunca viu uma aula de história na vida?

— O que quer dizer? O que isso diz sobre meu rosto?

— Acabou de fazer uma promessa a um deus. A marca simboliza a promessa, permanecerá em seu rosto até que cumpra — Poseidon disse e pela expressão dele, minha falta de conhecimento no assunto custaria caro — Se não conseguir, sua alma será condenada.

— É... Isso é sério?

O olhar de Seokjin era um "Sim" mais sonoro do que seria se o fizesse em voz alta.

— O que? C-Como que- isso n- — continuei apertando o rosto, como se isso fosse fazer a marca sumir — Eu não sou- não é minha jurisdição, eu- eu nunca fiz nada disso, sou um patrulheiro.

— Você é da polícia — o deus argumentou.

— Mas eu não sou investigador... sério, eu não p- eu não... — como eu tinha me colocado nisso?

— Jin... — Poseidon tocou seu ombro e voltando a prestar atenção no rosto do deus, pude notar que Seokjin estava chorando de novo, enquanto ainda olhava para o corpo do marido — Jin, é só um garoto, não tem experiência, livre-o da prom-...

— Não — disse, voltando os olhos pra mim — A vida em risco vai motivá-lo o suficiente. Você vai achar o assassino. Ou eu mesmo vou levar sua alma pra queimar nos abismos — ele sequer me deu chance de argumentar um pouco mais, apenas saiu andando em direção a um Maserati preto, perto de uma das viaturas da patrulha de Acrópole.

Eu queria poder raciocinar o que tinha acontecido, mas eu tinha realmente vendido minha alma em meio segundo, sem sequer me dar conta. Olhei de volta para Zeus. O líder dos deuses foi assassinado e de todas as pessoas, eu era a pior escolha para investigar. Sentia como se o universo estivesse rindo de mim numa piada friamente elaborada. Aquilo tinha de ser um sonho. Não tinha possibilidade de algo assim estar mesmo acontecendo. Virei-me para Poseidon, vendo sua expressão fechada, sem transparecer coisa alguma.

— Eu não posso...

— Não se pode quebrar promessas a um deus — olhou para o corpo e vi seus olhos marejarem, em sua aura inabalável era difícil lembrar que Zeus e Poseidon eram irmãos. Provavelmente era tão doloroso para ele quanto era para Seokjin — Eu lamento, não posso livrá-lo — olhou para o nome bordado em meu casaco e depois para meu rosto — Que Gaia tenha piedade de você, Jeon Jeongguk.

E foi embora. Eu queria poder fazer algo, gritar com ele, com Seokjin, talvez pular no rio e adiantar a morte certa que me aguardava. Tudo parecia inacreditável demais, como um delírio ou um sonho realista bizarro. A primeira vez que falei com um deus foi para ter minha alma condenada na tentativa de encontrar um assassino que provavelmente nem eles saberiam dizer quem era. Em mais de 23 anos de más decisões, eu precisei de um minuto pra arruinar toda minha vida.

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