À Sua Espera - DEGUSTAÇÃO

Oleh TamiresBarcellos

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OBS.: Disponível apenas 10 capítulos para degustação. O livro se encontra completo na Amazon. Sinopse: Dono... Lebih Banyak

Avisos + Personagens
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10

Capítulo 4

9.6K 1.6K 507
Oleh TamiresBarcellos


Cowgirls e cowboys do meu Brasil, cheguei! 

Quem aí está ansioso pelo capítulo? Algo me diz que nossos personagens vão começar a se aproximar...

Quero agradecer muito, muito, muito todas os comentários e estrelinhas! Hoje chegamos a 5.5k de leituras e estou feliz demais! 

Vi por aqui que vocês querem maratona, né. Maratona eu não posso prometer ainda, maaaaaas, se chegarmos a 8k de leituras até sábado, venho com mais um capítulo! Ou seja, tudo depende de vocês e nem estou pedindo muito, né? Hahaha. 

Beijos! <3


Após o café da manhã, Cissa me fez conhecer cada cômodo do casarão — exceto o quarto de Ramon, tendo em vista que aquele era o seu espaço pessoal. Se eu já estava chocada com o tamanho da casa anteriormente, agora, mal conseguia manter minha boca fechada. O casarão da fazenda do meu pai também era enorme, mas não se comparava ao da Fazenda Baldez e logo Cissa me explicou o porquê. Ramon havia feito uma obra gigantesca nos últimos anos, para conseguir recuperar não só a estrutura antiga da casa, como para ampliá-la e adicionar mais cômodos.

Cissa me contou que havia uma área da fazenda destinada às casas dos funcionários mais antigos. Alguns trabalharam para o pai de Ramon e quando ele tomou o comando da fazenda e a reergueu, fez questão de construir casas para esses funcionários e outros que não haviam sido dispensados. Ela também tinha uma casa ali, mas ficava mais perto do casarão e disse que me levaria para conhecer em algum outro momento.

Era engraçado ver Cissa me contar tudo, pois ela falava rápido e era bastante agitada. Também gostava de deixar claro a sua opinião. Ela sentia muito orgulho de Ramon e de tudo o que ele havia conquistado, mas também achava uma loucura ele ter ampliado tanto a casa, sendo que morava sozinho e raramente fazia festas ou recebia um grupo grande de amigos.

— O menino gosta de me fazer gastar energia. Essa é a única explicação para ter uma casa tão grande — falou ela. Apesar da careta cômica em seu rosto, seus olhos brilhavam de admiração enquanto chegávamos a enorme varanda na frente da casa.

— Ele deve ter pensado no futuro, Cissa. Um dia ele vai se casar, ter filhos... — comentei, enquanto olhava a fazenda se perder de vista.

— Eu torço mesmo para que isso aconteça, mas o homem é difícil de ser enlaçado por uma mulher! Nunca vi nada igual.

— Ele não tem uma namorada?

— Ramon nunca me apresentou uma namorada, acredita?

— Será que ele é gay? — perguntei em voz alta, sem pensar direito. Cissa me olhou e soltou uma risada alta.

— Pode ter certeza que não, menina. Ele nunca me apresentou uma namorada, mas isso não quer dizer que não se divirta por aí. Ele só não encontrou a mulher certa para fisgar aquele coraçãozinho ainda.

Fiquei me perguntando se Ramon era exigente em todos os âmbitos da sua vida. Provavelmente, sim. Isso explicaria o fato de ele nunca ter levado uma namorada para casa. Fomos caminhando pela extensão do casarão até chegarmos à primeira baia de cavalos. A alguns metros dali, podia ver um cercado enorme com dois homens dentro e um cavalo com a pelagem marrom bem escura. Mesmo de longe, pude perceber que um dos homens era Ramon e ele tentava manter o cavalo quieto, acariciando sua fronte e segurando sua rédea com o pulso firme.

— Esse cavalo vem dando trabalho para o Ramon. O bichinho parece ter o temperamento difícil.

— Que nem o dono?

Cissa me olhou e riu um pouco.

— Exatamente. Vamos chegar mais perto para observar.

Caminhamos para perto do cercado, mas ficamos alguns metros longe, apenas observando. O outro homem segurou mais firme a rédea do cavalo e Ramon conseguiu montar, mas o bicho ficou mais arredio e começou a pular sobre as patas dianteiras e dar coices no ar com as patas traseiras. Meu coração ficou na mão ao ver como Ramon tentava se equilibrar sobre o cavalo arisco, tentando domá-lo ao mesmo tempo em que lutava para não cair. Ao meu lado, Cissa parecia muito tranquila, como se aquilo fosse algo rotineiro.

— Deus do céu, Cissa, ele vai cair e quebrar a cabeça!

— Fica calma, menina. Ramon é acostumado com isso. Se tem alguém que vai conseguir domar esse cavalo, vai ser ele — disse ela segurando-me pelo pulso. Não era como se eu fosse sair correndo até lá, apesar da minha vontade.

Ramon conseguiu ficar apenas mais alguns segundos em cima do cavalo, antes que mais dois ajudantes pulassem a cerca e segurassem o animal para que ele pudesse descer. O cavalo relinchava alto, como se fosse um trovão, e se agitava com a respiração forte e irregular. Já tinha visto filmes com cavalos selvagens antes, mas nada chegava perto de presenciar tudo aquilo ao vivo, acontecendo bem na sua frente. Era insano e assustador.

Ramon ditou ordens e tirou o chapéu de caubói para poder limpar o suor que escorria pela sua testa. Quando levantou o rosto, encarou a mim e a Cissa e pulou a cerca para poder se aproximar de nós duas.

— E eu inocente, achando que você já tinha domado o bichinho. Ele quase te deu uma surra, menino — Cissa disse assim que ele se aproximou.

Eu só consegui seguir o rastro de suor que desceu pela lateral do seu rosto, pelo maxilar marcado e escorregou em queda livre pelo seu pescoço até se esconder sob a gola da camiseta branca que ele usava por debaixo da camisa xadrez. Não entendi o que havia de tão fascinante naquele homem suado, mas mal consegui piscar. Sua voz forte que me fez voltar à realidade.

Quase, mas não deu. Sinto que estou avançando com ele.

— Avançando para a selvageria, só se for.

— Cissa, pensei que você tivesse um pouco mais de fé em mim!

— E eu tenho! Só que você tem que admitir que o pobrezinho está dando trabalho.

— Muito trabalho — concordou ele, virando-se para mim. Antes de falar alguma coisa, olhou o relógio de pulso e franziu o cenho. — Gabriela, vou tomar um banho rápido e me trocar, em seguida, a gente passa na sua casa para que você possa pegar suas coisas e de lá vamos direto para o hospital, tudo bem?

O plano inicial era que Cissa me acompanhasse, mas não iria me opor de ir na companhia dele.

— Claro.

Ele assentiu e saiu sem pedir licença, caminhando rápido até o casarão. O acompanhei com o olhar, tentando descobrir porque ele me fascinava e intrigava ao mesmo tempo.

— O que você gostaria de comer no jantar, querida? — Cissa perguntou, cruzando o braço no meu enquanto voltávamos para o casarão.

— Não precisa se preocupar comigo, Cissa. Qualquer coisa que fizer, eu vou adorar.

— Soube que você ficou muito tempo em São Paulo, certo?

— Sim. Voltei para Santo Elias há poucos dias.

— Então, vou fazer um frango com pequi no capricho, para que você se sinta em casa! Nada como a comida da nossa terra para nos trazer de volta às nossas raízes.

Eu não podia deixar de concordar.

*

Cissa foi para a cozinha e eu fiquei na sala esperando por Ramon. João Marcelo havia me mandado uma mensagem, falando que chegaria ao hospital no horário marcado pelo médico e eu estava começando a ficar ansiosa novamente. Passar aquele tempo com Cissa havia me ajudado a distrair, mas, agora que estava chegando a hora de ver o meu pai, eu estava ficando mais preocupada. E se não tivéssemos boas notícias? O médico havia deixado claro que nos ligaria, caso houvesse alguma alteração em seu quadro, mas, e se ele tivesse deixado para falar pessoalmente? E se meu pai tivesse piorado?

— Vamos?

Dei um pulo do sofá assim que ouvi a voz grave de Ramon atrás de mim e guardei meu celular no bolso. O cheiro amadeirado do seu perfume me invadiu assim que me virei e o encarei. Ele estava sem chapéu, usava uma blusa de meia manga preta e uma calça jeans que lhe caía muito bem.

— Vamos.

Antes de irmos, Cissa veio se despedir e estimou melhoras para o meu pai. Ela não falou nada sobre ele enquanto estivemos juntas e acho que fez isso para que eu conseguisse relaxar, o que havia surtido efeito. Depois de me abraçar, ela se despediu de Ramon e, juntos, fomos em direção ao seu carro, que era um 4x4 enorme e robusto, todo preto. Passamos os primeiros minutos de viagem em silêncio e a falta de diálogo estava me deixando mais nervosa. Fazendo de tudo para que ele não percebesse que eu precisava conversar, ou iria surtar, falei baixinho:

— João Marcelo disse que vai visitar o meu pai também.

Olhando-o de lado, pude ver o seu cenho se franzir.

— Ele ainda está em Santo Elias?

— Sim.

— E onde ele fica quando vem para a cidade?

— No hotel. É mais cômodo, já que ele vive em Goiânia e não aqui.

— Sim, ele me disse que mora em Goiânia. Foi por isso que me pediu para que eu a acolhesse na fazenda.

— Eu espero que seja por pouco tempo. Não quero abusar da sua hospitalidade.

— Você pode ficar o tempo que precisar, Gabriela, não se preocupe com isso — disse, olhando-me rapidamente antes de voltar a atenção à estrada. — Eu torço para que seja por pouco tempo, porque estimo a melhora do seu pai, apesar de tudo.

— Apesar de tudo? — perguntei sem entender. Ramon batucou os dedos sobre o volante antes de me responder.

— Não somos amigos, exatamente. Apenas parceiros de negócios.

— Costuma fazer negócios com seus inimigos?

Ele me olhou com uma sobrancelha arqueada.

— Não disse que somos inimigos.

— Mas também não são amigos.

— Não ser amigo de alguém não me torna inimigo desse alguém — falou e eu sabia que ele tinha razão, apesar de sentir que havia algo mais por trás de suas palavras. — Se Deus quiser, vamos chegar ao hospital e receberemos boas notícias.

— Assim espero — concordei fechando os olhos rapidamente e fazendo uma prece. Com medo de que mergulhássemos no silêncio de novo, emendei em outro assunto. — Aquele cavalo que você estava tentando domar... Qual é a raça dele?

— Trovão é um Mustang.

— O nome dele é Trovão?

— Sim. Por quê?

— Foi exatamente isso que pensei quando ele começou a relinchar. Era alto e forte como um trovão. Foi por isso que escolheu esse nome? — perguntei com um sorriso, ficando animada com o assunto.

— Também. Foi uma série de fatores.

— Explique-me — pedi quando vi que ele tinha se calado. Ele me olhou como se não acreditasse que eu estava mesmo interessada em saber mais sobre o cavalo, por isso, falei: — Cavalos me fascinam, desde criança, mas depois da morte da minha mãe, meu pai me proibiu de chegar perto de um. Acabei tendo que deixar essa paixão de lado, principalmente quando me mudei para São Paulo.

— Sua mãe morreu em uma queda de cavalo, não foi?

Senti meu sorriso ir embora conforme me lembrava dos flashs que ainda guardava daquele dia.

— Sim. Eu tinha cinco anos, então, me lembro de pouca coisa, mas tenho na memória o momento exato em que ela caiu e bateu com a cabeça no chão. Houve uma grande correria dos funcionários e Margarida, nossa governanta, me tirou dali e me levou para o meu quarto. Eu não queria ir, lógico, queria saber se minha mãe estava bem, chorava e estava muito assustada, mas ninguém quis me deixar chegar perto dela. Depois disso, só lembro do meu pai me contando que ela não havia resistido. Anos depois, soube que, na verdade, ela morreu na hora. A queda foi fatal.

Ramon ficou alguns minutos em silêncio e eu também, enquanto sentia meu coração comprimido contra a caixa torácica. Tive poucos anos com a minha mãe, mas conseguia me lembrar de muitos momentos ao lado dela e todos eles eram especiais demais para mim. Cecília era uma mulher doce e me tratava como se eu fosse o seu maior tesouro. Era difícil não ficar imaginando como seria a nossa relação nos dias de hoje. Certamente, seríamos melhores amigas.

— Eu sinto muito. Quando soube da morte da sua mãe, fiquei muito chocado. Ela era tão nova, tinha a vida inteira pela frente.

— Verdade. Tenho certeza de que, se estivesse aqui hoje, meu pai não estaria na situação em que está agora.

Ramon assentiu e me olhou rapidamente enquanto passava a marcha.

— Escolhi trovão não só por ele relinchar alto daquela forma, mas por ser imprevisível — disse ele depois de alguns minutos. Agradeci silenciosamente por ter mudado de assunto. — Não sei se você sabe, mas minha fazenda é conhecida por conta dos cavalos da raça Quarto de Milha. Eles são dóceis e fáceis de lidar, são resistentes e se encaixam em inúmeras funções. No entanto, nos últimos anos, venho investindo mais em outras raças e uma delas é o Mustang. No momento, tenho apenas vinte cavalos dessa raça, doze machos e oito fêmeas e Trovão é o mais arredio de todos. Essa espécie é conhecida por ter um temperamento antissocial e independente, mas confesso que não estava preparado para lidar com tanta rebeldia. Então, Trovão, para mim, é uma tela em branco e eu sou o artista que está com o pincel e a tinta na mão, mas que não sabe exatamente por onde começar a pintar.

Era a primeira vez que Ramon falava tanto e de uma vez só na minha frente. Claro, nos conhecíamos oficialmente há pouco menos de vinte e quatro horas, mas não precisava ser um gênio para saber que ele não era do tipo falante. Até começar a declamar sua paixão pelos cavalos. Era lindo observar a forma como seus olhos ganhavam vida enquanto falava dos animais.

— Acho que você vai conseguir pintar um quadro bem bonito — segui com a sua metáfora. — Vi sua persistência com o Trovão, você vai conseguir o acalmar e fazer com que confie em você.

— Eu espero que sim — disse ele, virando levemente para a direita. A forma como as veias sobressalentes do seu braço aparecia quando ele apertava o volante, estava me distraindo. — Você disse que tem anos que não anda a cavalo. Quando quiser, é só me avisar e eu separo um bem dócil para você montar.

Ele disse essas últimas palavras no exato momento em que, por alguma loucura do meu inconsciente, eu descia o olhar pelo seu corpo até parar em seu colo. Quase engasguei com a minha própria saliva e virei o rosto para frente, temendo que eu fosse flagrada. Jesus Cristo, qual era o meu problema?

— Ouviu?

— Sim — respondi rápido, me repreendendo por ter prendido o cabelo naquela manhã. Se ele estivesse solto, estaria escondendo a minha cara deslavada. Limpando garganta, fiz de tudo para deixar aquele assunto de lado. — Mas tenho certeza que meu pai vai sair logo do hospital e vou poder voltar para casa. Acho que nem vai dar tempo de montar em lugar nenhum.

"Meu Deus, Gabriela, cala a boca!"

Pela minha visão periférica, vi Ramon me dar um olhar meio esquisito, mas ele não disse mais nada e eu agradeci por isso. Realmente, minha mente parecia entrar em curto-circuito quando estava perto daquele homem, essa era a única explicação. Avistei o brasão da família Rodrigues antes mesmo de enxergar os portões automáticos e nunca ansiei tanto por sair de dentro de um carro. Ramon dirigiu por mais alguns minutos depois que entramos na fazenda, até parar em frente ao casarão.

— Precisa de ajuda?

— Não, vou pegar pouca coisa. Prometo que serei rápida.

— Tudo bem, vou esperar aqui.

Consegui sair do carro sem correr e soltei todo o ar que prendia em meus pulmões quando pisei em meu quarto. Em que momento meus olhos começaram a ter vontade própria? Pois apenas isso explicava o fato de eu ter secado o corpo de Ramon minutos atrás! E foi justamente na hora em que ele falou sobre montar. Tinha como ser mais inapropriado?

— Tudo o que aconteceu foi inapropriado, Gabriela. Tudo! — falei para mim mesma, enquanto entrava em meu closet.

Ainda não havia terminado de desarrumar minhas malas, por isso, aproveitei que tinha algumas peças de roupas em minha mala de mão e só acrescentei mais algumas calcinhas e sutiãs, meus produtos de cabelo e maquiagem, chinelo, minhas botas — que eu só tinha oportunidade de usar na fazenda — e uma sandália. Não achava que precisava de mais do que aquilo, pois tinha esperança de que meu pai deixaria o CTI e logo voltaria para casa.

Deixei meu quarto para trás e encontrei Ramon encostado em seu carro, falando com alguém pelo celular. Seu rosto enfezado deixava claro que não estava gostando do que ouvia, mas não o encarei muito, pois não queria soar mal-educada. Assim que me aproximei, ele pegou minha mala e colocou na parte de trás, em seguida, abriu a porta do carro para que eu pudesse entrar. Tudo isso sem dizer uma palavra ou desamarrar a cara. Por fim, deu a volta e ocupou o banco do motorista.

— Preciso desligar agora, Marcos, nós conversamos sobre isso mais tarde. Passe na fazenda por volta das sete e meia — falou e desligou.

Observei discretamente enquanto ele colocava o celular no bolso e ligava o carro.

— Pegou tudo? — perguntou.

— Sim, peguei.

Não conversamos mais depois disso. Ele estava sério e muito pensativo e achei que era melhor não forçar nada, principalmente depois de ter encarado seu corpo. Eu só esperava que ele não tivesse percebido. Meia hora depois, chegamos ao hospital e uma recepcionista nos levou para a mesma sala em que ficamos na noite anterior. Aguardamos por mais alguns minutos, até o médico que estava de plantão vir falar conosco. Foi o tempo exato para que João Marcelo também chegasse e recebesse as últimas notícias ao nosso lado.

— Como o meu pai está? — perguntei assim que o médico entrou. Ele mexeu no tablet rapidamente e me olhou nos olhos.

— O estado do seu pai ainda é muito grave, porém, estável, o que significa que não houve alteração. Estamos monitorando minuciosamente a sua atividade cerebral, que é o que mais nos preocupa no momento.

— E ele pode ter alguma sequela? — perguntei, pois aquilo era o que mais temia. Meu pai não iria suportar viver com alguma sequela, fosse ela mínima. Vi que o médico hesitou um pouco, mas foi sincero.

— É provável que ele tenha, mas a seriedade das sequelas vai depender de quanto tempo seu cérebro vai demorar para reagir ao tratamento. No momento, só peço para que aguardemos a conclusão das primeiras quarenta e oito horas — disse o médico, passando o dedo pelo tablet novamente. — A visita está liberada, mas só pode entrar um por vez e é preciso que respeitem o tempo de dez minutos ao lado do paciente.

— Eu vou entrar primeiro — afirmei e nem Ramon ou João Marcelo ousaram contestar.

O CTI ficava no sexto andar e precisei colocar uma máscara e luvas antes de entrar. O médico deixou claro que meu pai estava entubado, com o braço esquerdo e as duas pernas engessadas e eu tentei visualizar tudo isso na minha mente, mas, mesmo assim, levei um choque ao entrar no quarto. Aquele não podia ser o meu pai. Abraão Rodrigues era conhecido pela sua altivez e personalidade ácida, ele jamais se permitiria ficar naquele estado. Mas ali estava ele, indefeso, preso a uma cama, lutando pela própria vida.

Senti meu peito se apertar em dor ao me aproximar e tocar em sua mão direita com cuidado. Seus olhos estavam inchados, havia muitas escoriações pelo seu corpo e o único barulho no quarto era o da sua respiração, que era bem artificial.

— Pai, eu estou aqui — falei baixinho, torcendo para que ele pudesse me ouvir. — Sei que ficamos distantes durante todos esses anos, mas quero que saiba que eu amo o senhor, independentemente de qualquer coisa, e estarei ao seu lado em todo momento. Por favor, não desista.

Nada aconteceu. Ele não deu qualquer sinal de que estava me ouvindo, seus batimentos cardíacos não aumentaram e sua respiração continuou artificial. Mesmo assim, continuei ao seu lado até o meu tempo acabar e, quando saí, encontrei Ramon do lado de fora, encostado contra a parede. Ele se aproximou de mim e me olhou com a expressão preocupada.

— Como você está?

Por um momento, pensei que ele tivesse se esquecido de que o doente ali era meu pai e não eu, mas entendi que deveria estar preocupado com o meu psicológico. Achei extremamente gentil da sua parte.

— Chocada. Não parece que é o meu pai que está deitado ali, sabe? Você o conhece, sabe que estar naquela posição, para ele, seria algo pior do que a morte. Ele jamais aceitaria isso.

— Sim, eu sei, mas é preciso que ele esteja ali, para que volte mais forte — disse ele, tocando em meu ombro. Senti um arrepio passar pelo meu corpo com o seu toque, a mão áspera e levemente calejada de encontro com a minha pele. — Vai dar tudo certo.

— Tenho certeza que sim. Vai entrar para visitá-lo?

Ele parecia meio indeciso, mas, por fim, assentiu e passou por mim para colocar a luva e a máscara e esperar que João Marcelo saísse. Aguardei enquanto ele fazia a visita e me despedi do advogado do meu pai, que disse que precisaria voltar para Goiânia na manhã seguinte, mas que estaria atento ao celular e voltaria correndo, se fosse necessário. Assim que as portas do elevador se fecharam, Ramon deixou o CTI e parou ao meu lado. Sua expressão não demonstrava nada do que estava passando em sua cabeça.

— Vamos embora?

— Sim. O médico disse que posso voltar amanhã para visitá-lo, se você não puder vir comigo, eu posso...

— Claro que virei com você, não se preocupe com isso — ele me interrompeu e apertou o botão do elevador. — Virei com você em todas as visitas que eu puder.

— Senhor Baldez, eu não quero incomodar...

— Primeiro, acho que podemos deixar de lado essa história de "Senhor Baldez". Não sou tão velho assim e nem meus empregados me chamam de senhor — falou entrando no elevador ao meu lado. Seus olhos bateram nos meus e eu me senti presa naquelas órbitas cor de mel. — Segundo, não será incomodo algum. Já está decidido.

— Tudo bem... Ramon — falei, vendo as portas se fecharem. Ele se virou para frente e me senti mais segura para falar: — Sabe, eu não estava te chamando de senhor por achar que você é velho ou coisa parecida. Você está bem longe de parecer um velho.

Ele me olhou com as sobrancelhas arqueadas e eu limpei a garganta, desviando o olhar. Certo, meu cérebro havia dado um nó hoje. Culpa da noite insone, eu tinha certeza.

— Era só uma questão de educação — completei.

Pelo menos consegui fechar com chave de ouro.

— Sim, eu entendi — disse ele.

Saímos juntos do hospital, enquanto eu ainda me sentia um tanto anestesiada com todas aquelas emoções. 

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