De Volta à Primavera • yoonmin

By zettaiwa

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Depois de cumprir o serviço militar obrigatório de dois anos e voltar para casa para descobrir da pior maneir... More

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By zettaiwa

Oi, gente!! Passando aqui no início pra deixar um aviso bem rápido que o Jimin tá bem mal nesse capítulo, mas nada que não tenha acontecido na fanfic até agora. Mesmo assim, acho importante preparar todo mundo antes de ler.

Boa leitura!! <3

___

Jimin nunca havia sido muito religioso.

Mesmo quando era garoto e era arrastado por seus pais para todos os lugares que ele nunca quis visitar, ele nunca foi obrigado a ir à igreja com frequência. Em ocasiões especiais, sim; em casamentos, sim; em algumas datas religiosas, sim; mas todos os domingos de manhã? Não, isso não. No entanto, sua mãe costumava mandá-lo ir rezar quando ele não conseguia voltar a dormir depois de um pesadelo, ou quando ele não se sentia bem em relação a algo.

Naquele momento, ainda segurando o celular com tanta força que sentia seus dedos começando a doer, com a vista embaçada fixada na janela entreaberta, Jimin considerou a opção de se ajoelhar no chão de sua sala e começar a rezar para que tudo não passasse de mais um de seus pesadelos.

— Jimin? — Eunju perguntou, sua voz menos hesitante e mais preocupada. Jimin sentiu como se tivesse levado um soco no estômago, perdendo toda a fome que sentia enquanto procurava por algo para comer em sua geladeira. — Você está aí?

— Estou. — Jimin respondeu, trincando seu maxilar logo em seguida. Precisava se controlar, precisava manter sua respiração calma. Não podia começar a chorar com Eunju ainda na ligação. — O que houve?

— Desculpa te ligar de maneira inesperada. — Eunju murmurou, e Jimin quase conseguia imaginá-la coçando as sobrancelhas, mostrando de maneira sutil que se sentia nervosa. Ele ouvia o nervosismo em sua voz. Ela sabia que aquela ligação seria difícil para ambos. — Eu nem sei se você tem mais meu número, mas eu não estou ligando do meu celular? Enfim, estou ligando do celular do–

— O que houve, Eunju? — Jimin perguntou de novo, dessa vez mais firme. Não queria ouvir nomes. Não queria lembretes dolorosos do que havia acontecido.

— Seus livros ainda estão aqui. — Eunju sussurrou. Se não estivesse tão abalado, Jimin teria debochado do tom culpado que a ex-esposa tinha usado para falar. — Da faculdade. Eu separei tudo em caixas, coloquei outros na estante.

— Tinha me esquecido deles. Você podia ter dito isso para o seu advogado. — Jimin manteve o tom impassível, ainda tentando controlar sua respiração. Sua mão tremia menos, mas a impressão era de que seus músculos tinham virado pedra. — Quando posso pegá-los?

— Quando você puder. — Eunju coçou a garganta, como se escondesse algo em seu tom de voz. Jimin nunca havia sido tão duro com ela. Eunju devia estar estranhando, apesar de, no fundo, saber que merecia. — São três caixas bem pesadas. É bom trazer ajuda.

— Vou levar Taehyung e Hoseok. — Jimin respondeu. Uma calma respiração saiu de sua boca, devagar, apenas por ter mencionado os nomes de seus amigos. Um lembrete de que ele não estava sozinho. Um lembrete necessário naquele momento. — Devo ir essa semana.

— Certo. — Eunju disse, o tom mais firme do que esteve durante a chamada inteira, mas forçado. Querendo mostrar que era forte, como sempre. Jimin tirou os olhos da janela e os levou aos seus pés, cansado de ver luzes embaçadas por suas lágrimas. A chamada ficou em silêncio por longos segundos até o suspiro cansado de Eunju ecoar entre eles, e Jimin prendeu a respiração. — Até, Jimin.

Jimin desligou a chamada e correu para o banheiro, sentindo seu estômago revirar de maneira perigosa mesmo que estivesse completamente vazio. Sua respiração saía pesada de sua boca, e a posição em que estava de joelhos de frente para o vaso sanitário o davam a impressão de que suas náuseas estavam ainda mais fortes que o normal. Lágrimas grossas escorriam por seu rosto e caíam na porcelana, embaçando sua visão. Jimin não sentia vontade de vomitar, mas sentia o suor frio escorrer por suas costas e molhar seu cabelo, agora completamente despenteado. Seus soluços ecoavam pelas paredes cobertas de azulejos, e, ao fundo, sua vizinha cantava despreocupada enquanto tomava seu banho.

Os ovos que ia usar para fazer sua omelete ficaram em cima da pia. A frigideira ficou em cima do fogão, fria. Jimin foi para a cama cedo, mas só conseguiu pegar no sono poucos minutos antes de seu despertador para ir à academia começar a tocar incansavelmente.

Seus olhos ardiam quando o último alarme tocou. Seu corpo parecia pesar mais que o normal, assim como sua cabeça. Tudo que ele sentia era dor, em todos os músculos, ossos, órgãos, tudo. Um peso imaginário o cobria dos pés à cabeça, impedindo-o até mesmo de esticar o braço para pegar seu celular e fazer o som irritante do despertador parar. Ele fechou os olhos, sentiu dificuldade em respirar. De repente, as lembranças da noite anterior, da maldita ligação, voltaram com força e lágrimas começaram a escorrer desenfreadas, molhando seus lençóis. Em cima da mesa de cabeceira, o celular vibrou duas vezes.

Yoongi [07:01]: hoje vai ser quente

Yoongi [07:01]: mas se prevenir nunca é demais!

Jimin não pegou um blazer para se prevenir de possíveis mudanças de tempo à noite, como Yoongi sugeriu.

Jimin nem saiu de sua cama naquele dia.

A garganta seca ajudou a dar um ar doente à sua fala quando ele ligou para o trabalho avisando que faltaria. Seu estômago protestou ao longo do dia, insistindo para que ele colocasse o mínimo de nutrientes em seu corpo, mas Jimin o ignorou e se forçou a dormir para evitar todas as dores que sentia, tanto as físicas quanto as emocionais. Virando de um lado para o outro, mudando a posição do travesseiro para que seu rosto não encostasse na parte molhada, ocasionalmente pegando o celular para responder às mensagens de seus amigos dizendo que estava bem. Se a mentira saía fácil em suas palavras ditas, saía ainda mais fácil nas digitadas.

Park Jimin [09:44]: bom dia para você também, hoseok hyung.

Park Jimin [12:26]: estou almoçando com o pessoal, tae.

Uma mentira em particular doeu mais do que deveria. Era uma mentira nova, algo que ainda não estava acostumado a fazer. Era uma mentira para uma pessoa que, normalmente, o ajudaria a pensar em uma solução para suas honestidades.

Yoongi [13:19]: jeongguk me contou o que houve. Melhoras.

Park Jimin [14:02]: estou me cuidado. Obrigado, hyung.

Jimin não estava se cuidando. Jimin estava deixando que seu corpo se deteriorasse assim como sua mente. Ele sabia que, enquanto se recuperava e se esforçava para melhorar daquela angústia que parecia ser permanente, haveria sempre altos e baixos. Mas os baixos eram baixos demais, e o altos não eram altos o suficiente. Sua felicidade momentânea durou pouco, o calor de Yoongi não foi capaz de permanecer ao seu lado depois de uma simples ligação. E agora Jimin estava ali, em um de seus momentos mais baixos desde que havia voltado do exército.

— Amanhã. — Jimin murmurou, a voz quebrada pelas lágrimas que o sufocaram durante o dia inteiro. Suas mãos tremiam de leve, seus braços se agarravam ainda mais a uma almofada antiga. Do lado de fora, já anoitecia. O ex-soldado respirou fundo, sentiu o ar ser quebrado por seus soluços. Fechou os olhos com força, como se quisesse gravar suas palavras na mente. — Amanhã eu recupero. Amanhã. Mas hoje não dá.

No dia seguinte, o primeiro alarme para ir à academia tocou. Jimin resolveu ignorá-lo, optando por dar um passo de cada vez. Hoje já seria uma vitória levantar de sua cama para ir ao trabalho, amanhã ou depois, quem sabe, ele poderia retomar sua rotina de exercícios. Quando o último despertador tocou e Jimin não tinha outra opção senão se levantar, um suspiro cansado saiu de sua boca. Seu corpo estava com um odor forte de suor, seus olhos estavam inchados e ele sentia dificuldade em abri-los. Ao redor, seu quarto estava exatamente igual, com as mesmas roupas que usou dois dias antes espalhadas pelo chão.

Jimin olhou para frente, sacudiu a cabeça. Levantou-se e começou a murmurar um mantra, querendo manter-se positivo para o resto de seu dia. Ele conseguiria. Ele iria ao trabalho, faria o que tivesse que ser feito. Aos poucos, ele melhoraria. E até que estivesse pronto para ver Eunju depois de tanto tempo, Jimin se recuperaria na medida do possível, sabendo que seria necessário guardar suas energias para o que viria depois.

Algumas poucas bolachas de água e sal e uma barra de cereais serviram como seu café da manhã. Seu estômago não roncava e nem doía, e ele sabia que precisava de muito mais para manter sua energia, mas, como estava dizendo desde que acordou: aos poucos. Deixaria para arrumar seu cabelo de novo outro dia, cuidaria de suas olheiras em outro momento. Agora, queria ir devagar. Faria tudo aos poucos, no seu tempo, do jeito que conseguia sem nenhuma ajuda externa.

— Você voltou.

A voz de Jeongguk parecia mais suave que o normal quando o gerente parou ao lado da mesa de Jimin, um pequeno sorriso simpático em seu rosto. O funcionário tentou devolver a gentileza, mas não deve ter saído nada muito agradável de se ver. Depois de engolir em seco, Jeongguk olhou para os lados e puxou uma cadeira para se sentar, assumindo uma postura um tanto intimidadora, apesar de Jimin ter a impressão de que seu chefe não estava ali para lhe dar uma notícia ruim ou até mesmo uma bronca.

— Está tudo bem com você? — Jeongguk perguntou, seus olhos se arregalando de tal forma que o deixou mais jovem em questão de segundos. Jimin piscou algumas vezes, confirmou com a cabeça, e o gerente fez igual, tomando um tempo para pensar. — Você nunca faltou antes. Fiquei preocupado quando soube que não viria ontem. E também... Desculpa, mas sua aparência não está das melhores.

— Acho que comi alguma coisa estragada. — Jimin deu de ombros, ignorando o comentário sobre sua aparência e focando em inventar uma desculpa para seu chefe. Seu eu de três anos antes ficaria incomodado de mentir de maneira tão fácil, mas o seu eu atual não sentia nem uma leve coceira fazendo aquilo. — Fiquei indo ao banheiro o dia inteiro. Sabe como é.

— Sei. — Jeongguk fez uma leve careta e riu fraco, sentando-se com a costas retas na cadeira, deixando que suas mãos descansassem sobre suas coxas. — Eu ia te convidar para almoçar, mas...

— Eu trouxe de casa. — Jimin respondeu rápido, lembrando-se das três barras de cereais que serviriam como seu almoço. Não queria sair. Daria um passo de cada vez. Não estava pronto para ver Yoongi, não ainda. — Quem sabe amanhã, ou depois. Vou cuidar do meu estômago por hoje.

Já havia se passado um tempo desde a última vez que Jimin esteve ali, na copinha, comendo suas barras de cereais enquanto alguns outros colegas faziam refeições de verdade. Ele aproveitava os minutos de descanso para checar suas redes sociais, mal vendo o tempo passar enquanto via postagem atrás de postagem, até que uma foto em especial o lembrou da ligação de segunda-feira. Sua respiração parou por breves segundos vendo a foto de uma amiga da faculdade ao lado de Eunju, ambas sorrindo e segurando coquetéis em suas mãos. Quatro anos antes. Jimin lembrava-se daquela ocasião, mas agora mal se lembrava da voz da amiga, ou do motivo para ter sido convidado para comemorar algo.

Porém, naquele momento, ele se lembrava do que havia dito ao telefone para sua ex-esposa.

"Devo ir essa semana".

Pegar três caixas de livros pesadas. Com Taehyung e Hoseok, exatamente como havia dito para Eunju.

Park Jimin [12:41]: vai ao Hoseok hyung hoje?

Kim Taehyung [12:41]: vou só porque você perguntou

Park Jimin [12:42]: ótimo, tenho algo importante para falar. E precisa ser ao vivo. Desculpa, eu sei como você fica curioso com essas coisas.

Jimin começou a arrumar seus pertences um pouco mais cedo do que estava acostumado naquele dia. Sabia que, apesar de não ser algo oficial, Yoongi passaria em seu andar dentro de vinte minutos e ambos iriam para casa lado a lado. Infelizmente, Jimin ainda não se sentia pronto para vê-lo. Sabia que o advogado não o faria mal, pelo contrário, seria capaz até de ajudá-lo – como sempre fazia –, mas Jimin não queria ele visse seu estado. Com olheiras, cabelo levemente bagunçado, rosto ainda inchado mesmo que tenha acordado muitas horas antes. Ainda não era o momento. Jimin achava que corria o risco de se lembrar de tudo que aconteceu e acabaria desabando em cima de Yoongi.

Seus passos apressados o levaram até a estação do metrô, e, já dentro do vagão, Jimin recebeu a tão familiar ligação de Hoseok o convidando para jantar, dizendo que Namjoon havia levado sobras do restaurante. Um sorriso (pequeno, mas sincero) surgiu em seu rosto enquanto confirmava ao amigo que iria, mas o peso imaginário em seu peito não permitia que ele respirasse direito. Não seria só um jantar entre amigos. Jimin tocaria em uma ferida que ainda estava bem aberta, e seria obrigado a mostrá-la para todos os presentes. Falaria de Eunju, de visitá-la. Falaria sobre fazer algo que o dava tanto medo, que o deixava tão fraco.

— Meu amigo mais gato acabou de chegar.

Assim que Jimin passou pela porta da frente do apartamento do amigo, Hoseok notou como sua aparência estava cansada. Sua expressão se suavizou no mesmo instante, o sorriso animado virou um sorriso calmo. Qualquer um com olhos funcionando conseguia ver que o ex-soldado estava abalado com algo. Sem dizer nada, nem insistir em animá-lo a qualquer custo, Hoseok deixou Jimin entrar e comentou em um tom de voz muito mais ameno que o seu normal sobre o que Namjoon havia trazido do restaurante. Jimin sabia que ele estava tentando apenas deixar o clima mais leve antes de precisarem tocar em um assunto delicado, e ficava imensamente grato pela percepção do dançarino.

Jimin conseguia enganar seu chefe e seus novos amigos dizendo que sua aparência estava abatida por conta de uma comida estragada, mas aqueles amigos, os de anos, os que viram Jimin em seus melhores e piores momentos, esses sabiam reparar quando algo estava o deixando emocionalmente abalado. Bastou um olhar de Namjoon para que ele fosse mais cauteloso com suas palavras, mais suave. Jimin não queria ser tratado como uma criança indefesa, mas, naquele momento, ele apreciava o cuidado de seus amigos. Ele precisava ir com calma. Precisava respirar fundo e encarar seu problema de frente.

Nada de pensar no passado. Era melhor pensar no futuro.

— Não foi só o Namjoon hyung que trouxe comida hoje! — Taehyung entrou no apartamento de Hoseok em um pulo, segurando uma sacola plástica no alto para todos os presentes conseguirem ver o que carregava. — Foi aniversário de uma professora lá na faculdade, e eu ganhei bolo!

— Agora nós temos sobremesa também. — Namjoon comentou, um sorriso pequeno crescendo em seu rosto enquanto ele encarava Jimin. De alguma forma, era como se ele estivesse tentando animar o ex-soldado com a promessa de comer bolo mais tarde. Jimin sorriu também, fraco, e observou o movimento dos amigos pela sala. — É sempre bom comer alguma coisa doce.

Um assunto leve ia e voltava na mesa enquanto os quatro jantavam, mas Jimin não prestava atenção em uma única palavra dita. Ele repassava a conversa que teve com Eunju, ensaiava dentro de sua cabeça mil e uma maneiras de fazer um pedido como aquele aos seus amigos, mas nada saía de sua boca. Ele terminava de mastigar, entrelaçava seus dedos, dando-se tempo para começar a falar e– nada. Nada saía. Mais comida entrava, e o processo começava todo de novo. Às vezes, quando olhava para o próprio colo para refletir e criar coragem para fazer seu pedido, Jimin sentia os olhares pesados de seus amigos o encarando, na expectativa que ele falasse logo o que tivesse para falar.

— Aparentemente não foi nada muito sério, ele só traumatizou um osso–

— A Eunju me ligou na segunda-feira.

Jimin interrompeu o assunto na mesa, não importava qual fosse, e resolveu que jogaria a bomba de maneira inesperada, sem preparar ninguém antes; exatamente como havia sido com ele assim que atendeu à ligação da ex-esposa. Hoseok parou sua frase no meio, prendeu a respiração. Namjoon e Taehyung largaram seus talheres no prato, virando toda sua atenção para o amigo e tentando esconder as expressões de surpresa em seus rostos. Jimin não os encarava. Seu colo era muito mais interessante, dava-o a sensação de que tinha tudo sob controle. Um, dois. Ele respirou fundo, olhou para cima, e não se deixou abalar pelos três pares de olhos que esperavam por respostas, esperavam por uma continuação para sua declaração repentina.

— Disse que ainda tem uns livros meus lá em casa. — Jimin disse, fez uma careta. Não era mais sua casa, não era mais onde morava. Ele umedeceu os lábios com a ponta da língua, engoliu em seco para continuar a falar. — Na casa dela, aliás. Três caixas bem pesadas, aparentemente.

— E por que ela não avisou isso para o advogado? — Taehyung perguntou, seu cenho se franzindo levemente. Jimin lembrava-se de ter visto o amigo irritado quando falavam sobre o que Eunju tinha feito, alguns meses antes. Foram Hoseok e Namjoon que o acalmaram, dizendo que se estressar não adiantaria de nada. Jimin queria dizê-lo o mesmo naquele instante, mas não conseguia porque entendia sua raiva. — Ele separou os bens de vocês dois, seu advogado também. Tudo que era seu voltou para você, como ela se esqueceu de livros?

— Isso não importa agora, Tae. — Namjoon fixou o olhar em Taehyung, arqueando uma sobrancelha. Um pedido mudo para que ele se acalmasse. O professor fechou a boca em uma linha fina, cutucou a bochecha com a língua. Jimin apenas encarava entre eles, até notar que Namjoon estava o olhando. — O que você disse para ela, Jimin?

— Eu disse que ia lá buscar. — Jimin murmurou, lembrando-se do motivo para estar contando aquilo aos seus amigos. Sua respiração ficou presa em seus pulmões por longos segundos, e ele tomou aquele tempo para observar cada uma das reações de seus amigos. Leve irritação de Taehyung, curiosidade de Hoseok, e entendimento de Namjoon. — E disse que levaria vocês. São três caixas, eu teria que ir e voltar várias vezes para pegar tudo e colocar no carro se eu fosse sozinho.

— E nós não queremos estender nossa visita, claro. — Taehyung completou o raciocínio do amigo. Jimin concordou e soltou a respiração aos poucos, sentindo-se mais calmo agora que tinha falado um pouco sobre aquilo. Se uma ardência subiu ao seu nariz e seus olhos, ele a ignorou completamente; agora não era hora para chorar. — Nós vamos com você. Mas quando?

— Essa semana. — Jimin se apressou em dizer, desviou a atenção para Hoseok, que concordou e abriu um de seus sorrisos calmos, daqueles que suavizavam todo e qualquer momento tenso. O coração de Jimin bateu mais leve. — Quando vocês puderem. Eu só queria muito a companhia de vocês.

— Pode ser sábado? — Namjoon olhou ao redor da mesa, pegando seus talheres de novo para voltar a comer e dar o assunto como encerrado depois que os três concordaram com sua sugestão. — Então perfeito. Nós vamos sábado, pegamos os livros e saímos para fazer alguma coisa depois.

— Gente, não precisa–

— O aquário da cidade reabriu recentemente depois da reforma! — Hoseok sugeriu, seus olhos brilhando com a possibilidade de eles fazerem aquele passeio. Jimin se pegou sorrindo fraco, agradecendo aos céus por ter amigos zelosos como aqueles. — Nós podemos ir. Eu bem lembro do Taehyungie reclamando que queria visitar, mas não podia porque estava fechado...

— Eu topo. — Taehyung concordou, dando uma leve cotovelada nas costelas em Jimin, que voltou a atenção para o amigo ainda com um sorriso no rosto. — Vai ser bom. Se distrair, ver peixes, turistar um pouco.

Se o início de sua semana tinha sido tomado por um caos de sentimentos, o final de sua semana estava mudo. Quieto, neutro. Quase como uma calmaria antes da tempestade. Jimin ainda fugia de Yoongi a todo custo, mandando-lhe mensagens vez ou outra para mostrar que ainda gostava do advogado, mas sem querer vê-lo no estado em que se encontrava. Naquele meio tempo, na quinta e na sexta-feira, Jeongguk foi o único que viu o estado beirando o deplorável de Jimin, e foi apenas porque o ex-soldado não tinha escolha senão vê-lo. Ele ainda não ia à academia. Ainda usava os minutos extras de sono para descansar não só seu corpo, mas também sua alma.

Yoongi [22:09]: descansa bem esse fim de semana

Yoongi [22:09]: e cuidado com o que você come!

Jimin não queria pegar no sono na sexta-feira. Se dormisse, acordaria no dia seguinte, e o dia seguinte era sábado. Jimin estava aproveitando demais a calmaria, não queria que a tempestade chegasse logo. Nos últimos dois dias, ele conseguiu fingir que não via as nuvens cinzas se aproximando, conseguiu fingir que o vento não ficava cada vez mais forte, mais assustador. Jimin queria pensar em tempos abertos, em céus claros e dias ensolarados de verão. Mas sua realidade era um pouco pior do que aquilo. A lembrança de que veria de novo sua ex-esposa depois de meses o apavorava. A lembrança de que colocaria os pés de novo em um lugar que um dia chamou de lar fazia seu coração parar de bater por alguns instantes. Ambos o traziam péssimas memórias, e Jimin não se sentia pronto para reviver tudo aquilo.

Park Jimin [22:11]: obrigado, hyung. Vou me cuidar.

O despertador de Jimin no sábado não passou de uma única vibração de seu celular. Um susto o fez abrir os olhos, tentar entender o que estava acontecendo, e ao assimilar o som que ouviu com o que poderia significar, Jimin pegou o aparelho e checou suas notificações. Era Taehyung dizendo que tinha acabado de acordar, e que, assim que estivesse pronto, era só Jimin mandá-lo uma mensagem dizendo que iria buscá-lo. Enquanto se espreguiçava e se preparava mentalmente para seu dia, ainda ignorando as nuvens e o vento que pioravam com a tempestade se aproximando, Hoseok mandou avisos similares, acompanhado de diversos rostos sorridentes e uma foto de sua careta logo após acordar (com um bônus de Namjoon ainda roncando ao seu lado na cama do casal).

Jimin sabia que seus amigos estavam tentando acalmá-lo. Antes mesmo de se levantar e ir comer alguma coisa, ele já preparava seus tímpanos para a gritaria que aconteceria em seu carro enquanto todos ignoravam a tempestade se aproximando. Ele queria adiar o inadiável pelo máximo de tempo possível. E se isso significasse empurrar todos os seus problemas para o lado ao invés de reconhecê-los e tentar acabar com eles, que assim fosse. Jimin se permitiria sorrir enquanto seus amigos cantavam músicas bregas, e deixaria para pensar em Eunju e seus livros quando já estivesse de frente para seu antigo prédio.

— Eu já tracei uma rota de todos os lugares que eu quero visitar quando chegar no aquário. — Hoseok disse como forma de cumprimento, entrando no carro e sendo seguido por Namjoon logo depois. Jimin olhou para seu amigo pelo espelho retrovisor e sorriu, assentindo. — Vocês não vão escapar de mim.

— Escapar? — Taehyung perguntou, uma sobrancelha se arqueando enquanto ele virava a cabeça para trás para encarar melhor o amigo. — Eu também tracei minha rota. Nós vamos brigar para quem vai ver os peixes primeiro, isso sim.

O volume da música estava razoável enquanto Jimin fazia o caminho em direção ao seu antigo apartamento. Ele ainda conhecia as ruas e sabia em quais esquinas virar, mas, ao invés de se sentir bem seguindo seu mapa mental, seu estômago começava a se revirar de maneira desconfortável dentro de seu corpo. Taehyung acompanhava a letra das canções que tocavam na rádio, vez ou outra prestava atenção no amigo dirigindo, e continuava sua cantoria como se não tivessem um lugar para visitar antes de ir para o aquário. Namjoon e Hoseok conversavam em tons de voz baixos no banco de trás, quase dando a Jimin a sensação de que estava em casa, mas nada era capaz de mascarar o nervosismo que só crescia dentro dele.

Nada.

Em uma sensação terrivelmente desconfortável de déjà vu, Jimin achou uma única vaga em frente ao prédio onde um dia já havia morado, exatamente o lugar onde costumava estacionar tantos anos antes. Com a respiração presa em seus pulmões, ele desligou o carro e segurou a chave com força, sem querer tirá-la da ignição. A sensação era de que ninguém respirava ali dentro. Ninguém tinha coragem de olhá-lo, preferindo encarar os próprios pés ou o movimento do lado de fora. Uma família passava com um carrinho de bebê, uma idosa caminhava logo atrás deles. Jimin, por dois segundos, sentiu falta daquele lugar. Mas, como um choque de realidade, lembrou-se do que tinha acontecido da última vez em que esteve ali, e uma náusea incômoda subiu em seu corpo sem dar espaço para a nostalgia envolvê-lo por completo.

— Jimin, nós somos três. — Namjoon comentou, tirando Jimin de seus devaneios e o fazendo olhar para trás, prestando atenção no que ele dizia. — Eu subo com o Hoseok e com o Taehyung qualquer coisa. São três caixas, não são? Vai ser rápido. Você não precisa fazer isso.

— Eu quero fazer. — Jimin murmurou, sentindo muito mais firmeza do que esperava em sua voz. Sim, ele queria. Só não tinha certeza se já estava pronto. Na verdade, não tinha certeza se um dia estaria. — Eu agradeço, hyung. Mas eu realmente quero fazer isso.

— Tudo bem. — Namjoon assentiu e abriu um pequeno sorriso reconfortante. Jimin sorriu por um milésimo de segundo, sem conseguir deixar o nervosismo longe de sua expressão. — Eu fico no volante, então. Quando vocês voltarem eu só piso no acelerador e nós vamos sair daqui. Aquário, certo?

— Aquário. — Taehyung confirmou, atraindo a atenção de Jimin no mesmo instante. O professor tinha um leve sorriso no rosto, querendo passar toda a calma que o ex-soldado não sentia naquele momento. — Nós vamos acabar com isso de uma vez por todas e vamos para o aquário.

A sensação de familiaridade estava escalando a pele de Jimin como fogo, deixando-o incomodado a cada passo que ele dava em direção à portaria, aos elevadores, até finalmente apertar o botão do sétimo andar. Seus olhos estavam fixados no chão, em seus próprios sapatos, e ele mal sentia a mão reconfortante de Hoseok em seu ombro, apertando e massageando a região, querendo lembrá-lo a todo instante que ele não estava sozinho. Jimin tentava se concentrar naquele mínimo detalhe, tentava a todo custo deixar sua mente presa no agora, mas ele não conseguia se esquecer do dia em que passou as mãos pela cabeça raspada, sorrindo ao encostá-la no espelho que estava atrás dele. Suas roupas normais eram muito melhores que as roupas do exército, e a sensação de estar finalmente voltando para casa para ver sua esposa de novo e voltar a viver sua vida normal era boa demais, quase mentira.

O elevador chegou no sétimo andar, Jimin passou uma mão pelos fios de cabelo agora longos. A mão de Hoseok ainda estava em seu ombro, dando-lhe conforto, uma maneira de mantê-lo ali, no presente, mas, para Jimin, era como se tudo estivesse acontecendo em câmera lenta. A mesma caminhada no corredor escuro, o mesmo vizinho ouvindo jazz durante o dia inteiro. A porta de madeira escura o encarando de longe, quase como se estivesse tirando sarro de sua situação. Taehyung se colocou ao seu lado, e, assim como Hoseok, fez questão de colocar uma mão em seu ombro para mostrar que estava ali. O corpo de Jimin estava ali, vivendo aquele momento, caminhando lado a lado com seus amigos.

Mas ele se sentia como o Jimin de meses atrás, que tinha acabado de sair do exército e ainda tinha cabelo curto. Seu serviço terminou alguns dias mais cedo, mas ele escolheu não contar a ninguém, preferindo fazer uma surpresa. Ele se imaginava pegando Eunju em seus braços, rodando-a e murmurando sobre o quanto sentiu falta da esposa, de sua casa. Naquele dia, quando a cidade ainda se preparava para se despedir do inverno, Jimin estava sorrindo por finalmente estar voltando para seu lar. A porta de madeira escura o encarou e pediu a senha para entrar. A data de casamento de Jimin e Eunju, como sempre havia sido. E, quando ele ouviu um clique que indicava que podia entrar, Jimin o fez.

E encontrou Eunju acompanhada de uma pessoa.

Jimin olhou de novo, de cenho franzido, tentando entender o porquê da decoração de sua sala ter mudado tanto.

Duas. Duas pessoas. Eunju estava acompanhada de duas pessoas.

— Você acha que eles mudaram a senha? — Taehyung perguntou, quando os três estavam parados em frente à porta, e Jimin encarava o painel com os números, lembrando-se da última vez que tinha o usado tantos meses antes. — Será que é indelicado demais tentar entrar sem bater?

— Eles devem ter mudado. — Jimin murmurou, desviando a atenção do painel para a campainha, hesitando por alguns segundos antes de apertá-la com força e ouvir o som familiar ecoando do lado de dentro do apartamento. — Era a data do nosso casamento. Acho que continuar morando no lugar onde ela já morou comigo antes já é lembrança o suficiente do que ela fez.

Levou exatamente sete segundos para a porta se abrir e Jimin imediatamente fechar os olhos com a claridade que vinha do lado de dentro. Quando os abriu novamente, acostumando-se com a luz aos poucos, ele não soube dizer se sentiu seu coração despencar de alívio ou raiva. Não era Eunju que estava ali, diante dele, com o cabelo bagunçado e um pijama velho. Jimin não precisava inclinar a cabeça levemente para baixo para olhar para a ex-esposa, não. Mas ele certamente precisava desviar o olhar um pouco para cima, deparando-se com uma barba malfeita e olhos arregalados, claramente surpresos por estarem recebendo justo aquela visita num sábado de manhã.

— Jimin.

— Yunbok.

O atual – namorado, marido, Jimin não queria saber – de Eunju o encarava, perplexo, até perceber que o que estava fazendo era no mínimo indelicado. Recuperando-se do susto, o homem, que era alguns bons centímetros mais alto que Jimin, fechou a boca e umedeceu os lábios com a ponta da língua, assentindo por um segundo, mesmo que não houvesse nada para ele concordar. O silêncio entre eles era desconfortável, claro, mas nenhum dos dois sabia o que dizer para quebrar aquele clima constrangedor. Discretamente, Jimin olhou para dentro do apartamento, mas não encontrou ninguém. Sua expressão se contorceu em confusão, e ele voltou o olhar para Yunbok, que parecia bem mais constrangido agora do que no dia em que Jimin voltou do exército.

— A Eunju está?

— Não. — Yunbok se apressou em responder, e absolutamente nada em sua postura e sua entonação mostrava que ele se sentia bem com aquela conversa. Jimin sentia que seu rosto estava sério, e estava surpreso com o fato da sua voz também estar. — Foi ao mercado.

— Claro. — Jimin concordou e segurou a risada debochada que se formou em sua garganta. Claro que Eunju estaria no mercado no momento em que ele decidiu aparecer. — E a...

— Foi com ela. — Yunbok respondeu rápido, sem dar a chance para Jimin completar sua frase, apesar do ex-soldado não ter planejado terminá-la. O homem limpou a garganta e olhou para o lado de dentro, pensando no que dizer a seguir. — Ela disse que você viria, aliás. Pegar os livros, né?

— Sim. — Jimin assentiu, dando um passo para frente. Pela primeira vez desde que aquela conversa constrangedora tinha começado, ele se lembrou da presença de seus amigos, que se moveram ao seu lado, prontos para pegar os livros. — Onde estão as caixas?

Receber a permissão de alguém para entrar em seu antigo apartamento era no mínimo estranho. Andar pela sala que um dia ele conheceu tão bem, mas agora parecia completamente diferente, deixava uma sensação incômoda em seu peito. Não de saudade, não de que aquilo ainda era para ser seu, mas sim de que ele não queria estar ali. Aquele não era seu lar, não o pertencia mais. Os livros de arquitetura que ocupavam sua antiga estante não o traziam nada além de desconforto, então Jimin parou de olhar para os lados, focando completamente nas caixas empilhadas uma em cima da outra no canto do cômodo. Taehyung foi o primeiro a se agachar, soltando uma arfada ao sentir o peso do que carregava. Hoseok o imitou, e Jimin foi logo em seguida, sentindo o desespero para sair daquele lugar crescendo mais e mais.

— Você não quer esperar a Eunju voltar? — Yunbok perguntou, uma certa hesitação em sua voz. Jimin já estava com um pé fora do apartamento, mas se virou para trás para dar total atenção ao homem com uma sobrancelha arqueada em uma incredulidade quase explícita. — Ela ficou tensa durante a semana inteira se perguntando quando você viria.

— Não era nem para eu estar aqui para início de conversa. — Jimin disse, deixando um pouco de veneno escapar em sua voz. Ele ouviu um passo indo em sua direção, de Taehyung ou de Hoseok, e respirou fundo antes de continuar. — Eu não vou esperar a Eunju. E se tiver mais alguma coisa minha de valor aqui, diga para ela falar com meu advogado.

Yunbok assentiu, derrotado, e era como se entendesse o lado de Jimin. Se não estivesse tão confuso com seus sentimentos, querendo entender por que Yunbok e Eunju tinham feito aquilo com ele, ao mesmo tempo em que ele queria sair correndo daquele lugar, Jimin teria sido capaz de começar uma discussão ali mesmo. Não sabia se estava sendo dramático ou não, e nem ligava se estivesse, mas não conseguia afastar a ideia de como foi insensível de Yunbok perguntar se ele queria ficar. Depois de tudo que aconteceu, depois de esconderem um relacionamento sólido por fora de um casamento, depois da maneira que Jimin descobriu e de como se sentiu – e ainda se sentia – acerca da traição, Yunbok teve a coragem de perguntar se Jimin queria ficar porque Eunju estava tensa.

— Babaca. — Jimin murmurou já dentro do elevador, controlando sua respiração ao mesmo tempo em que engolia as lágrimas que queriam sair. Seu nariz ardia, seus olhos também, mas ele não chorou. Não se permitiu chorar. — Babacas, os dois. Que merda.

Jimin não se lembrava muito bem de como tinha sido o resto de seu sábado. Algumas partes de sua memória o mostravam que ele tinha entrado em seu carro de novo, com as caixas guardadas no porta-malas, e Namjoon tinha dirigido em direção ao aquário da cidade enquanto Taehyung brincava com seu cabelo. Ele se lembrava vagamente de uma discussão boba entre Hoseok e Taehyung para decidir qual parte do lugar visitariam primeiro, e se lembrava também de se despedir dos peixes quando seus pés estavam cansados e o mundo parecia ter se acomodado em seus ombros. E a única certeza de que seu dia tinha realmente acontecido foi a pilha de caixas que encontrou em sua sala no dia seguinte, "livros do Jimin" escrito com caneta preta e traços fortes, quase agressivos.

Assim como a calmaria antes da tempestade havia deixado Jimin quieto, silencioso, a inundação logo depois não o permitiu fazer nada a não ser seguir o fluxo conforme a correnteza mandava. Segunda-feira, de manhã cedo, quando o sol ainda nem havia nascido e ele calçava seu tênis esportivo para ir à academia, Jimin esbarrou na pilha de caixas e soltou um suspiro, pensando em onde poderia colocar todos aqueles livros. Eunju havia o mandado uma mensagem no dia anterior agradecendo por ter ido pegá-los, mas não mencionou a conversa constrangedora que tinha acontecido e ela não pôde presenciar. Jimin não a respondeu. Tinha mais o que fazer, tinha outras coisas mais importantes para se preocupar.

— Ei, você voltou. A academia fica meio vazia sem você.

Talvez por perceber que Jimin estava dividido entre o plano terrestre e uma galáxia distante, Seokjin não fez tantas piadas, e nem tentou fazer o ex-soldado rir enquanto ele fazia algum exercício mais intenso. O advogado permitiu que Jimin ficasse imerso em seus pensamentos, por mais que estivesse mais quieto e mais distante do Jimin que ele estava voltando a ser aos poucos. Reparar que Seokjin estava respeitando sua privacidade era reconfortante, ao mesmo tempo em que era uma surpresa. Jimin não achou que arrumaria novos amigos que saberiam ler seu humor tão bem, muito menos amigos que saberiam respeitar isso. Ainda mais quando aquele amigo era o mesmo que havia o dado uma experiência desastrosa em um restaurante no fim da primavera.

Jeongguk também pareceu notar seu estado aéreo, e, ao invés de chamar por seu nome de maneira agressiva quando ele demorou a responder, o gerente sacudiu Jimin com leveza para chamá-lo para almoçar. O ex-soldado concordou, passou no banheiro para ajeitar seu cabelo e sua gravata por dois minutos, e caminhou ao lado de seu chefe em direção ao restaurante. Ele não ria tanto, não sorria muito, mas só de ter conseguido voltar à sua rotina, já sabia que estava um pouco melhor em comparação à semana anterior. Só de conseguir ver seus novos amigos sem querer sumir por tempo indeterminado, Jimin já considerava uma vitória pessoal. Mesmo com a sensação de que estava apenas seguindo o fluxo com a inundação após a tempestade, ainda era uma vitória.

Assim que colocou os pés no restaurante, Jimin procurou por alguém. Ele tentava se convencer de que não era ninguém em específico, que ele estava apenas tentando achar seus amigos, mas ele sabia que não era isso. Ele sabia que não era só isso porque suas mãos começavam a suar, e seu coração começava a bater mais forte. E então, quando achou exatamente o que procurava, seu corpo relaxou por completo. Voltou a flutuar na inundação, seguindo a correnteza, olhando para o céu, mas sabendo que alguém flutuava ao seu lado. Yoongi abriu um pequeno sorriso quando o viu, e, apesar de ainda acreditar que estava dividido entre o plano terrestre e uma galáxia distante, Jimin sentiu algo o puxar para baixo, mantendo seus pés fixos ao chão.

— Ele finalmente voltou a dar o ar de sua graça na hora do almoço. — Yoongi comentou assim que Jimin se sentou na cadeira de frente para a sua. O ex-soldado abriu um sorriso fraco e olhou para as próprias mãos em cima da mesa, evitando contato visual com o advogado. — Eu não te via desde semana passada.

— O que importa é que ele voltou, não é mesmo? — Seokjin disse com a voz um pouco mais alta, e quando Jimin se virou para olhá-lo, o advogado deu uma piscadela e abriu o cardápio. — Você fez falta, Jimin.

Enquanto esperavam a comida chegar, Jimin se contentou em ouvir seus amigos conversando, sem querer entrar no assunto. A voz de Yoongi era pouco ouvida em meio às discussões de Jeongguk e Seokjin, mas ainda era agradável ouvi-lo, como uma confirmação de que ele estava bem ali, diante de Jimin. Em algum momento, com risadas ecoando entre os quatro, a mão de Yoongi descansou sobre a mesa, os dedos espalhados mostrando o quão relaxado o advogado se sentia. Jimin resolveu imitá-lo, colocando a própria mão de frente com a de Yoongi, até que seus dedos médios se tocassem de maneira tão delicada que mal dava para sentir. Yoongi pareceu ter notado seu movimento porque não muito tempo depois, o dedo médio dele cobriu o de Jimin.

O ex-soldado, que apoiava seu queixo em sua outra mão, resolveu desviar a atenção da mesa para olhar para cima, na direção de Yoongi. O advogado estava fazendo uma pose parecida com a sua, mas, ao contrário de Jimin, ele mantinha o olhar preso aos seus dedos. Jimin sentia agora que Yoongi estava segurando seu dedo médio com seu polegar e indicador, brincando com sua unha, completamente imerso na ação como se aquilo fosse a coisa mais interessante do mundo. Mas Jimin não conseguia prestar atenção naquilo. Parou para olhar por breves segundos, mas escolheu encarar Yoongi novamente, encarar a maneira que seus lábios formavam um bico, mostrando toda a concentração que o advogado sentia ao brincar com seus dedos.

Jimin, ainda flutuando na correnteza, sentia que estava mais atento ao seu redor, sabia para onde estava indo, apesar de não conhecer muito bem aquela região. E, pela primeira vez, viu Yoongi flutuando ao seu lado, parecendo muito mais certo do que estava fazendo do que o ex-soldado. Com aquela imagem na cabeça, ainda sentindo o carinho que Yoongi fazia em seus dedos, Jimin só conseguiu sorrir. Um sorriso pequeno, mas sincero. Um sorriso que fez suas bochechas doerem, bem pouco, e que as deixaram rosadas. E como ele poderia ignorar a forma como seu coração disparou em seu peito? O sol se abria de novo depois da tempestade, depois de dias nublados por uma longa semana.

Yoongi deixava Jimin feliz, mesmo com tão pouco.

As mãos de Jimin, principalmente seus dedos, formigaram pelo resto do dia enquanto ele escrevia e-mails e fazia tudo que seu chefe o mandava. Sua pele parecia mais sensível a cada toque, fazendo-o notar tudo, até mesmo a maneira que sua camisa de algodão deslizava por seus braços e tronco. Seus ouvidos estavam mais atentos a tudo que acontecia ao seu redor, e ele não deixou de notar quando seus colegas começaram a juntar suas coisas para ir embora. O homem que passava o dia sentado ao seu lado se despediu com um grunhido descontente, mas Jimin não se deixou abalar por aquilo. Jeongguk soltava suspiros mais longos, e também com mais frequência. Do lado de fora, o sol descia pelo horizonte, fazendo feixes de luz invadirem o escritório e iluminarem tudo em seu caminho.

— Ei, Park.

A voz de Jeongguk chamando seu sobrenome o fez tirar a atenção da tela do computador, dando preferência ao seu chefe. Mas quando o gerente indicou com a cabeça que ele olhasse para trás e Jimin o obedeceu, a leve confusão que estava estampada em seu rosto deu lugar a um sorriso assim que ele viu Yoongi parado ao lado da porta de braços cruzados, apenas esperando para ser notado. Na mesma hora, Jimin decidiu que poderia deixar qualquer trabalho que faltasse para o dia seguinte, guardando tudo em tempo recorde e pegando sua mochila para ir de encontro a Yoongi, que se virou em direção aos elevadores assim que Jimin estava próximo o suficiente dele.

— Me esperando, senhor Min? — Jimin perguntou, o tom brincalhão saindo fácil de sua boca.

— Claro que sim, senhor Park. — Yoongi murmurou e apertou o botão do elevador, assistindo aos números mudando gradativamente enquanto colocava as mãos no bolso da calça, em sua usual pose descontraída. — Eu te esperei a semana toda.

Algo na fala de Yoongi fez Jimin perceber uma enorme tampa, como se fosse de um ralo, e que com certeza mostrava que, a qualquer instante, bastava puxar aquela tampa para finalmente parar de flutuar em sua inundação. O sorriso em seu rosto desapareceu, as portas do elevador se abriram e Yoongi deu espaço para ele entrar. Com o olhar baixo, preso ao chão, o ex-soldado entrou e arranjou um espaço entre as outras pessoas que também desciam em direção ao andar térreo.

O silêncio entre eles durou até o momento em que entraram no vagão do metrô, lado a lado, segurando-se em uma barra de ferro vertical. Assim como tinha feito apenas uma semana antes, quando Jimin sentia-se nas nuvens e não conseguia parar de sorrir, Yoongi ajeitava a franja do ex-soldado com cuidado, querendo deixá-la o mais próximo do que estava quando o dia estava apenas começando. Jimin o observava com atenção, e assim que soltou um longo suspiro, o advogado parou o que estava fazendo para observá-lo também.

— Me desculpa por ter te deixado esperando. — Jimin murmurou, ignorando todo o barulho ao redor deles. Todo o falatório, o barulho do trem correndo sobre os trilhos, o barulho da voz feminina e simpática anunciando a próxima estação. Ele sabia que podia ignorar tudo aquilo, porque Yoongi o ouviria de qualquer maneira. — Foi uma semana difícil. Os últimos dias nem pareceram reais.

— Não tem problema. — Yoongi abriu um pequeno sorriso e voltou a mexer na franja de Jimin, que fechou os olhos por alguns instantes, aproveitando o contato que o deixava mais e mais sonolento. — Mas eu adoraria jantar com você hoje. Aplicativos de entrega, um vinho... o que me diz?

A noite não era tão fria como a de uma semana antes, mas Jimin usou a desculpa do vento para se aproximar mais de Yoongi, e o advogado não pareceu ligar para aquilo. Eles conversavam em tons de voz baixos, como se dividissem um segredo e não quisessem que o mundo os ouvisse, apesar do assunto ser banal. Yoongi contava com o riso em sua fala sobre a idosa que reclamou da risada de Seokjin no restaurante na sexta-feira passada, e Jimin ria junto dele porque conseguia imaginar a cena perfeitamente. Suas bochechas doíam e ele mal enxergava o caminho adiante porque seus olhos se fechavam quando suas risadas eram intensas demais.

Assim que eles passaram pela porta da frente do apartamento de Jimin, o ex-soldado conseguiu visualizar a inundação novamente, com seus corpos flutuando sem parar, apesar da tampa parecer o encarar com intensidade. Yoongi, que não contava com caixas localizadas tão perto da porta, tropeçou com a pilha e quase perdeu o equilíbrio, olhando para o lado para entender o que tinha acontecido.

— Livros do Jimin? — Yoongi leu em um tom de questionamento, desviando sua atenção para o dono das caixas logo em seguida. Um sorriso confuso estava em seu rosto, e Jimin sentiu todo o ar ser socado para fora de seus pulmões. — Desde quando isso está aqui?

Em sua imaginação, Yoongi colocou a mão sobre a tampa, encarando Jimin com as sobrancelhas arqueadas, como se perguntasse se podia fazer aquilo.

— Isso...

E, sem perceber o quão desesperado ele estava para se livrar de toda aquela água, toda aquela tempestade que não o abandonou mesmo depois de ter acabado, Jimin colocou sua mão sobre a de Yoongi e puxou a tampa, sentindo a pressão sugando tudo ao seu redor e levando a maldita inundação embora.

Primeiro, Jimin sentiu seus olhos arderem. Depois seu nariz, até que seu rosto parecia estar em chamas, e lágrimas se formaram na mesma velocidade em que começaram a escorrer, grossas e pesadas, pelas bochechas do ex-soldado. O sorriso desapareceu do rosto de Yoongi no mesmo instante, e com o desespero explícito em cada traço de sua feição, ele começou a caminhar em direção a Jimin, suas mãos chegando antes mesmo de seu corpo.

— Jimin. — Yoongi chamou, a voz tão suave, mas tão, tão dolorida. O ex-soldado respirou fundo e sentiu soluços cortando o ar que entrava em seus pulmões, a dor que ficou guardada por uma longa semana saindo de uma vez só. Ele sentiu mãos tentando alcançá-lo, mas não queria que o tocassem quando ele mal conseguia respirar. — Jimin, ei, calma. Jimin.

O ex-soldado sentia as lágrimas embaçando sua visão, da mesma forma que sentia sua respiração entrando e saindo cortada por diversos soluços. Jimin chorava como uma criança, com o rosto vermelho, tossindo, querendo se livrar e se afastar das mãos que tentavam o tocar a todo custo. Ele estava atordoado, frustrado, triste, e tudo ao mesmo tempo, sem lhe dar uma chance de digerir o que estava acontecendo. A memória da conversa com Yunbok, a memória da voz aflita e culpada de Eunju ao telefone, tudo voltou para atormentá-lo de uma vez só. Ele não conseguia entender que as mãos que tentavam tocá-lo estavam ali apenas para ajudar, para garantir que ele ficaria bem. Em sua mente, xingamentos iam e vinham com extrema facilidade, não importava a quem fosse direcionado. Foda-se a Eunju, foda-se Yunbok, foda-se o próprio Jimin por ser tão estúpido de não ter percebido que tinha algo de muito errado durante seus últimos meses no exército. Em que mundo a própria esposa iria evitar vê-lo a todo custo?

— Jimin, por favor, você está me assustando. — uma voz conhecida proferiu, e ela soava chorosa, claramente preocupada. Então, o ex-soldado permitiu que sua visão clareasse por dois segundos, e viu Yoongi o encarando, sua expressão um misto de surpresa e medo. — Eu não quero te machucar, só quero te ajudar.

Yoongi. Yoongi. Ele estava ali, bem ali.

— Hyung. — Jimin disse entre soluços, permitindo que mãos frias o tocassem de uma vez por todas, tocando seu rosto, seus ombros, seu cabelo. Ele engoliu o ar com dificuldade, aproximando-se mais do corpo diante do seu, querendo o calor de alguém importante mais do que tudo. — Hyung, hyung.

Jimin não ouviu uma resposta, sentindo sua cabeça sendo empurrada contra um pescoço em um abraço desesperado. Seus próprios braços trilharam um caminho involuntário em direção ao corpo diante do seu, grudando-os de tal maneira que ele não acreditava que algo um dia seria capaz de separá-los. Jimin agarrava a camisa de Yoongi com força, como se precisasse daquele apoio para que suas pernas não o traíssem e ele caísse no chão. Seus soluços atravessavam seus pulmões com violência, fazendo-o tremer nos braços do advogado, e tudo que ele conseguia ouvir eram pedidos para que ele se acalmasse. Ele sentia as próprias lágrimas molhando o tecido da camisa de Yoongi, mas não conseguia se importar, não quando estava derramando toda a dor que ficou tanto tempo trancada em seu coração, castigando-o diariamente e o impedindo de ser quem ele realmente era.

— Shhhh... — Yoongi pediu, passando as pontas de seus dedos pelo couro cabeludo de Jimin, procurando alguma forma de acalmá-lo. Soluços ainda escapavam dos pulmões do ex-soldado, apesar de suas lágrimas terem diminuído a velocidade com que escorriam. — Se acalma... Eu quero te ver bem, Jimin. Se acalma, por favor.

— Eu só queria saber o que eu fiz para merecer isso. — Jimin disse com a voz saindo cortada, fraca, uma tosse rasgando sua garganta logo em seguida. Yoongi o segurou com mais força contra seu corpo, ainda fazendo pedidos para que ele se acalmasse. — Por que ela fez isso comigo, o que eu fiz de errado?

— Você não fez nada, Jimin, nada.

Yoongi murmurou contra a orelha de Jimin, e mais soluços ecoaram pela sala mal iluminada, a pilha de caixas que causaram aquilo tudo vendo a cena em seu canto. O ex-soldado sentia o suor escorrendo de sua testa, sentia a camisa que usava começar a grudar em suas costas, mas as lágrimas não paravam, e a dor demorava demais para reduzir.

— Nada, você não fez nada.

Jimin sentiu seu corpo cansar, sentiu os soluços ficarem mais fracos. Suas pernas fraquejaram e ele se agarrou a Yoongi com mais força.

— Nada disso é culpa sua.

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