Sem Nome

By FabiZambelli

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(Capítulos ainda não corrigidos, desculpe pelos erros!) Uma garotinha de apenas doze anos vê a família ser as... More

1º Capítulo: A corrupção da Alma
2º Capítulo: Os Mercadores de Corpos
3º Capítulo: O fim da pureza
4º Capítulo : A morte de Flora
5º Capítulo: O Nascimento de uma Assassina
6º Capítulo: A profissão da família e a maldição da garota

7º Capítulo : A Arte da Sedução

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By FabiZambelli


Alguns anos se passaram...

Alicia mudara tantas vezes de cidade quem nem conseguia mais se lembrar em quantas casas morara com sua família...

É claro que havia lugares que marcaram sua vida, como a cidade em que tivera que dar adeus a sua paixão de infância e se obrigar a ver Rudy como mais uma pessoa do Círculo das Sombras.

Pois é... Agora ela fazia parte oficialmente do seleto e exclusivo grupo formado pelos melhores assassinos, ladinos e espiões. Ali havia apenas os melhores profissionais que atuavam nas sombras e não deixavam rastro algum, verdadeiros fantasmas trabalhando para seus contratantes.

Aos 15 anos ela participara de sua primeira missão formal, com contrato assinado e marcado com sangue. Sua primeira morte fora para satisfazer um cliente menor do grupo, porém, não fora o suficiente para validar sua entrada.

Depois de tanto tempo treinando com afinco e se tornando uma assassina fria e meticulosa, fora impossível não ser reconhecida pelos membros. Mesmo que o círculo fosse composto por seus pais, irmã, conhecidos e amigos da família, havia vários anciãos que faziam questão de avaliar cada membro e julgar se eram dignos. Depois que se passava da análise dos mais antigos, seu nome e suas habilidades eram anunciadas para os demais, para que todos pudessem julgar e votar. Ou seja, além de provar seu valor como integrante, era preciso ser observado, testado e avaliado...

Muitos não conseguiam entrar e acabavam se unindo para criar grupos menores e informais. Costumavam trabalhar para os clientes recusados pelo Círculo das Sombras e por isso se sujeitavam a qualquer coisa por dinheiro, tornando seus nomes ainda mais depreciados. Alguns praticamente abraçavam o mundo torpe em que se inseriram e se transformavam em especialistas inescrupulosos

Alicia se sentia a vontade dentro do círculo, pois mesmo sendo uma assassina e tirando vidas como profissão, ela tinha uma falsa sensação de que ao menos estava trabalhando para pessoas com motivações um pouco mais nobres ou para um bem maior, como se ela sujasse as mãos para que outros pudessem ter vidas melhores... Era como se, ao ficar maculada, ela pudesse dar a alguns a chance que ela e sua família de sangue nunca tiveram...

A única coisa que a incomodava era uma das regras do clã. Os membros não eram contra vinganças particulares, porém, ninguém podia se vingar sem o aval de todos do Círculo das Sombras e para que sua motivação pudesse ser julgada e aprovada, era necessário expor todos os detalhes e porquês... Era necessário contar tudo a todos!

E para que ninguém omitisse nada e nem mentisse, o membro era sujeito a uma sessão inquisitória, formada por homens e mulheres impiedosos que além de questionarem absolutamente cada detalhe, ainda obrigavam a pessoa a ingerir um composto produzido por um botânico de confiança do clã. E tal composto possuía propriedades tão fortes que obrigavam quem o ingerisse a falar somente a verdade.

Alicia não queria que soubessem sobre Phy'rel e nem como se tornara uma órfã prestes a ser vendida por comerciantes de escravos. Não queria que descobrissem quem era Flora e quem era Alicia de fato. Não queria expor Rudy. Não queria exibir o pouco que restara de sua alma para uma ordem de assassinos, espiões e ladinos... já bastava toda a sombra que circundava sua existência.

Portanto, para evitar a inquisição do Círculo das Sombras, quando a hora chegasse, talvez ela precisasse trair a confiança de todos e quebrar essa regra, atuando por conta própria e se vingando sem a autorização de ninguém. Muito provavelmente ela seria expulsa do clã e desonraria sua família atual... Isso a entristecia, pois ela sentia o amor que lhe davam e já havia se apegado a muitos membros do grupo.

Respirou fundo e se concentrou no novo treinamento que sua mãe havia lhe passado. Agora ela era uma mulher de 18 anos e precisava aprender a usar seus dotes femininos para ludibriar alvos ou, até mesmo, ajuda-la em um momento de dificuldade durante uma missão.

Ela já havia flertado com alguns garotos em alguns trabalhos e, apesar de infante, tinha os preciosos momentos com seu amor de infância. Eram flertes sinceros, ingênuos e pueris que guardava com carinho na memória, mesmo que por fora negasse a existência de qualquer tipo de relacionamento amoroso entre eles.

Mas, de qualquer forma, Alicia precisava treinar esse seu lado sedutor. Segundo Layla, ela poderia passar anos praticando e treinando, contudo, sempre haveria alguma situação que lhe ensinaria algo novo, pois lidar diretamente com os sentimentos e com a sexualidade das pessoas era algo delicado e mudava de alvo para alvo. Ninguém era igual a ninguém. Portanto, era importante se tornar uma mestre no básico da arte da sedução e uma expert em avaliar e identificar sinais nas posturas e reações das pessoas, para poder ter a melhor abordagem em cada caso.

Estralou o pescoço tenso e olhou ao redor. Estava encostada na parede fria de um beco sujo e escuro, um ótimo lugar para permanecer incógnita para todos que estavam ocupados com a movimentação do mercado.

Ela analisou os homens do lugar... Comerciantes, trombadinhas, senhores de posse, pais de família, maridos negligentes, maridos atenciosos, garotos na puberdade, bêbados, pervertidos, cavalheiros, viajantes... Qualquer um era um alvo em potencial para o seu treinamento.

Olhou para o céu azul e claro. O dia estava tão lindo e gostoso que não sentia vontade alguma de destruir um lar ou atrapalhar relacionamentos. Cruzou os braços e suspirou, era uma manhã tão agradável que também não lhe dava desejo de brincar com um homem desprezível.

E se baseando na sua própria disposição, eliminou vários alvos potenciais, diminuindo bastante a sua lista. Analisou um grupo de garotos que conversavam animadamente próximo a uma fonte. Pareciam acadêmicos e isso a divertiu, pois nunca tentara seduzir um estudioso. Será que suas mentes esclarecidas e personalidades inteligentes seriam um desafio para ela?

Decidiu ir até eles e escolher o alvo mediante as reações que obtivesse durante suas investidas. Com certeza aquilo seria interessante!

Jogou o capuz de seu manto para trás e ajeitou as madeixas negras. Pegou um pequeno frasco de mel e passou um pouco pelos lábios já pintados de vermelho, deixando-os ainda mais chamativos, brilhantes, aromatizados e com um sabor doce. O guardou e deu leves beliscadas no rosto, deixando suas maçãs mais rubras, dando-lhe um ar mais inocente e romântico.

Vasculhou nos bolsos e encontrou o perfume que Smerald lhe dera para usar durante os treinamentos. Abriu-o e sorriu quando sentiu o aroma de Dama-da-Noite, doce e floral ao mesmo tempo. Passou nos pulsos, atrás das orelhas e um pouco acima dos seios.

Guardou e ajeitou as roupas, apertando as amarras atrás do vestido emprestado de Layla, acentuando a cintura e, por consequência, o quadril farto. Puxou o decote favorecendo o busto. Olhou para o seu reflexo em uma de suas adagas e ficou satisfeita com o que viu.

Se nenhum deles se impressionasse com sua aparência, teria que recorrer a sua lábia e com um grupo como aquele, iria precisar usar todo o seu repertorio de estudos. Simon sempre se importara com os estudos dos filhos e era severo com os resultados, por isso, ela e os irmãos eram mais inteligentes do que aparentavam.

Caminhou até os garotos e reparou que alguns deles a observavam. Tentavam disfarçar o interesse, mas chegava a ser quase cômico como eram óbvios. Parou por alguns segundos e puxou um pergaminho de dentro da capa, fingindo ler alguma coisa ali enquanto voltava a andar. E bancando a típica garota distraída e atrapalhada, esbarrou em um deles e fingiu cair com o impacto.

- Ai... – imediatamente, todos pararam de conversar e se aglomeraram ao seu redor, estendendo sua ajuda a ela.

- A senhorita está bem? – perguntou um de cabelos loiros e olhos escuros, provavelmente fora nele que esbarrara.

- Mil perdões, senhores. – levou as mãos ao rosto, como se estivesse escondendo algum rubror de vergonha. – Não queria atrapalhá-los! – suspirou. – Sou realmente uma desajeitada.

- Não há pelo o que se desculpar! – um moreno de olhos amendoados pegou sua mão e a ajudou a se erguer. – Notamos como estava distraída, devíamos ter previsto que algo assim fosse acontecer e liberado seu caminho.

- Ás vezes nossas discussões acabam nos tornando socialmente lapsos. – outro moreno a observava atentamente enquanto espanava a sujeira das vestes e guardava o pergaminho. – Não se machucou, não é mesmo?

- Estou bem, obrigada por perguntar. – sorriu delicadamente e notou que os cinco amigos demonstravam interesse nela. Pelo visto teria que escolher algum ao acaso. – Os senhores são acadêmicos de Nouga? – era uma espécie de universidade famosa comandada por políticos poderosos, senhores feudais, escolásticos do mundo todo e alguns clérigos.

- Exatamente, senhorita. – um garoto ruivo respondeu com um sorriso orgulhoso. – Inclusive somos os melhores de nossa turma.

- Incrível! – continuou a sorrir.

- Não sei se é tão incrível, mas nos esforçamos para levar mais prestígio aos nossos mentores. – outro loiro surgiu na conversa, parecia ansioso por receber atenção dela também.

- E eu aqui, atrapalhando a conversa de vocês. – prendeu uma madeixa atrás da orelha e mordeu levemente o lábio, simulando uma atitude inocente e de vergonha. Ela pôde ouvir alguns suspiros no grupo e segurou para não rir da situação.

- De forma alguma! – o mesmo loiro pegou sua mão e a beijou com delicadeza. – É uma honra para nós ter a nossa tarde agraciada por um ser tão belo e angelical como a senhorita. – BINGO! Alicia acabara de escolher o seu alvo. – Somos nós que nos desculpamos se a estivermos atrapalhando ou entediando com nossa presença.

- Claro que não. – voltou a sorrir. – Eu realmente acho a vida de vocês, acadêmicos, fascinante. – passou os olhos por todos, pronta para dar o seu "golpe de misericórdia" e conquistar definitivamente o interesse de seu alvo e seus colegas. – Na minha humilde opinião, a nossa ciência apenas vem se desenvolvendo neste período áureo da filosofia escolástica, graças aos senhores. – os viu arregalar os olhos. - Acredito que nosso mundo evoluiria muito mais rápido se todos entendessem a importância de se dar ênfase à lógica e advogar o empirismo. Precisamos urgentemente entender a natureza como um sistema coerente de leis que podem ser explicadas pela razão. – pousou as mãos pelo rosto, fingindo um sussurro. – Eu tenho fortes convecções de que a monarquia é importante para manter a falsa felicidade tradicional, porém, um estado laico seria o ideal para uma evolução mais palpável em nossa política e economia.

Todos permaneceram em silêncio, encarando-a de boca aberta, totalmente pasmos com suas palavras. Afinal, era extremamente difícil uma mulher ter acesso a tal tipo de informação e estudo, bem como, era ainda mais raro encontrar uma que demonstrasse interesse em assuntos tão densos e complicados como aqueles. Portanto, Alicia havia acabado de se tornar uma verdadeira joia rara aos olhos daqueles acadêmicos, que a viam como um prêmio a ser definitivamente conquistado.

- Oh, não! Acho que falei demais. – levou a mão ao peito e se mostrou encabulada. – Com certeza falei alguma besteira diante de senhores tão inteligentes... Devia ter permanecido calada.

- Não... Não...! De forma alguma... – balbuciou o ruivo. – Apenas estamos surpresos... Não esperávamos ouvir tanta sabedoria pela boca de alguém que não se dedica à vida acadêmica como nós.

- Bom... Peço desculpas por invadir a tarde dos senhores. – fez uma breve reverência. – Se me dão licença, preciso comprar algumas coisas para meus pais.

- Espere! – um dos morenos implorou e ela se virou, controlando o sorriso. – Não seria cavalheiresco de nossa parte deixar que parta e não oferecer nossa ajuda com suas compras.

- Oh... – brincou com uma madeixa. – Se é assim, um de vocês poderia me acompanhar... – encarou o seu alvo, o loiro de olhos verdes. – O senhor poderia fazer a bondade de me ajudar a carregar as compras? – passou a mão por um dos pulsos. – Acho que dei um pequeno mal jeito quando caí e temo não conseguir segurar nada sem me machucar.

- Com prazer, minha dama! – o garoto adiantou-se a frente dos outros e curvou-se lentamente. – Sanjen ao seu dispor.

Alicia limitou-se a sorrir e aceitou a mão que o acadêmico lhe ofereceu depois de retomar a postura. Passou os olhos pelos demais colegas e pôde sentir a inveja, aparentemente todos queriam estar no lugar do jovem Sanjen. Talvez, se esbarrasse com eles novamente, pudesse voltar a treinar e usar um alvo novo dentro daquele grupo. Seria interessante...

- Vamos? – voltou a encará-lo e segurou um suspiro. Toda vez que começava esse tipo de treinamento, ela se divertia, porém, em certo ponto do treino, começava a sentir o tédio aparecer e se cansava facilmente de suas vítimas. Afinal, ali não havia envolvimento de sentimentos por parte dela, eram apenas "negócios".

- Claro... – sorriu para os que ficavam. – Foi uma honra esbarrar com os senhores. – fez uma breve reverência mostrando respeito e alargou o sorriso. – Espero poder encontra-los novamente em circunstancias menos desastrosas.

- A honra é nossa, senhorita! – o ruivo respondeu e todos retribuíram sua reverência. – Esperamos ansiosamente pelo dia em que nos reencontraremos.

- E se ele não ajuda-la como se deve, por favor, não hesite em nos procurar para substituí-lo. – o outro loiro piscou para ela e fingiu não ver a careta que o colega fizera com o comentário. – Estamos hospedados em Nouga, basta pedir ao porteiro que procure pelos alunos do dormitório 42, somos nós.

- Obrigada. – controlou-se para não rir. Homens eram realmente tolos territorialistas e possessivos quando se tratava de um a mulher que lhes agradava, como se pudessem possuir alguém. Mulher nenhuma deveria se submeter a ninguém, principalmente a homens com instintos tão primitivos.

- Vamos! – Alicia apenas concordou com um aceno de cabeça e acompanhou depois de acenar para os demais. – Onde precisa passar primeiro?

- Na verdade, preciso apenas de maçãs, um pouco de especiarias, mel e trigo.

- Pretendem assar uma torta em sua casa? – Sanjen sorriu animado.

- Como o senhor é esperto... – comentou e o viu sorrir ainda mais, orgulhoso com sua óbvia dedução. A garota se controlou ao extremo para não revirar os olhos com a atitude.


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Educadamente, o jovem a conduziu até as barracas certas e se prontificou a pagar pela maioria dos produtos comprados. A única coisa que Alicia fez questão de pagar com o próprio dinheiro foram as maçãs, pois os gêmeos amavam a fruta e pretendia dar algumas de presente para eles.

Enquanto ela comprava as frutas, a assassina viu o acadêmico de afastar por alguns minutos e conversar com um senhor. Ele parecia vender algumas joias, provavelmente a maioria era produto do escambo de ladrões de segunda categoria e de famílias em crise, as quais precisavam vender seus bens mais valiosos para ter dinheiro para colocar comida na mesa, independente se esses bens eram objetos de valor sentimental... Quando a necessidade aumentava, o mais importante eram aqueles ao seu lado do que um apego material, mas mesmo assim, a situação era triste de se ver.

Respirou fundo e optou por ignorar. O fato de ele querer agradá-la com um presente supostamente caro era um ponto positivo para o seu treino, ela só desejava que uma de suas vítimas fosse esperta o bastante para não consumir os produtos de contrabandistas, principalmente dentro de seu campo de visão. Não lhe agradava saber que ganharia algo tão sujo...

- Senhorita, terminou suas compras? – Sanjen voltou apressado, provavelmente preocupado com o fato de tê-lo visto comprar-lhe uma "surpresa".

- Terminei... – ela agradeceu o vendedor e pegou o pequeno cesto com maçãs.

- Por favor, permita-me. – e sem esperar por uma resposta, ele estendeu as mãos e pegou a cesta dos braços de Alicia, a qual, pelo bem do treinamento, permitiu que ele a pegasse, contudo, numa situação normal, ela jamais permitiria que alguém retirasse algo dela sem antes que expressasse claramente o seu consentimento, mesmo sendo uma atitude cavalheiresca ou apenas bondosa.

- Como o senhor é impressionante... – disse tentando disfarçar a falta de entusiasmo com um sorriso singelo.

- Imagina. – respondeu encabulado com o suposto elogio. – Ah é! – colocou o saquinho com as especiarias, o frasco de mel e o saco de farinha de trigo sobre as maçãs e com a mão livre pegou um pequeno embrulho de dentro do bolso. – Isto é um humilde mimo para a dama.

- Oh... – dissimulou surpresa e aceitou o presente. – Não precisava gastar ainda mais comigo, senhor Sanjen.

- Deixe disso. Permita-me mimá-la enquanto posso. – sorriu e a conduziu até um canto mais tranquilo da praça enquanto conversavam. – Afinal, não sei quando irei revê-la e quero causar uma boa impressão. – piscou de forma brincalhona. – Talvez a senhorita se encante comigo e decida me procurar.

- Hum... – Alicia não sabia o que responder. Ela simplesmente estava morrendo de vontade de larga-lo ali e voltar para casa.

- Vamos! Abra! – incentivou-a. – Quero ver sua reação. – pelo visto, ele continuava animado coma situação e provavelmente interpretara a falta de palavras da garota como uma reação se surpresa, como se realmente o achasse surpreendente.

- Ah, claro... – voltou a sorrir de forma modesta e abriu o embrulho. De fato, o colar era impressionante. Parecia ser feito de ouro com alguns detalhes em prata e bronze. Alguns dos adornos possuíam pedras de brilho avermelhado e roxo. Ela desconfiava que tudo ali era falso, contudo, para olhos destreinados, aquele poderia se passar por um original. De qualquer forma, mesmo sendo uma replica, deveria ser caro. – Oh! – demonstrou surpresa e permitiu que seus olhos se arregalassem diante do presente. – Isto é generoso demais de sua parte, senhor Sanjen. Não sei se poderei retribuir por um gesto assim...

- Não há necessidade de retribuir nada, apenas aceite o meu presente. – colocou as compras no chão. – Para mim já é o bastante vê-la usar algo que lhe dei. – sem pedir permissão, pegou o colar de suas mãos e o colocou em seu pescoço. – Se puder ostentá-lo, já é retribuição o bastante. – controlando a irritação, Alicia apenas manteve o sorriso falso no rosto.

Ela conseguia interpretá-lo muito bem. Naquele momento ele estava se sentindo como um macho alfa, como um vencedor que conquistara o prêmio que seus colegas não puderam. Ele desejava ostentá-la como um troféu e mostrar para os demais homens a sua marca nela através daquele colar.

Inclusive, ele poderia ter lhe comprado um anel, brincos, uma pulseira, um adorno para os cabelos ou até mesmo um colar com uma corrente longa, contudo, o acadêmico escolhera não somente o de aparência mais opulenta e cara, mas como o que ficaria estrategicamente sobre seus peitos, chamando a atenção para o decote e demonstrando, mais uma vez, que aquele era território dele. Instantaneamente, Alicia sentiu vontade de arrancar o presente de seu pescoço. Ela não era uma cadela para usar coleira!

- Obrigada. – suspirou. – O senhor deve ser alguém de grande prestígio... – passou a mão pelo colar e o encarou, observando suas vestes abastadas. – Afinal, estuda em um lugar de grande prestigio, se veste muito bem, pagou pela maioria de minhas compras e agora foi capaz de me presentear com algo tão exuberante... Tudo como se não lhe custasse nada.

- De fato, venho de família nobre. – sorriu orgulhoso, com certeza esperançoso de que tal informação a atraísse ainda mais. Pobre coitado!

- E posso me atrever a perguntar de qual família vem? – brincou com as madeixas e ajeitou a postura, fazendo com que ele passasse os olhos por seu busto e se perdesse um pouco nela.

Já que ele parecia ter uma origem de poder, talvez fosse interessante que ela aguentasse um pouco mais e tentasse extrair algumas informações. Aquilo poderia ser extremamente satisfatório para os resultados de seu treino.

- Sou filho de lorde Rumia. – Alicia arregalou os olhos, surpresa de verdade desta vez. Ela conhecia aquele sobrenome e isso atraíra ainda mais sua atenção. – Meu pai é um dos conselheiros do rei. – respondeu altivo.

- Oh, nossa... – controlou a ansiedade. Pelo visto ela acertara em cheio ao escolhê-lo como alvo. Agora poderia tentar obter informações realmente valiosas para ela, poderia ter algo para ajuda-la em sua verdadeira missão, sua vingança! – E como permitem que um jovem tão poderoso quanto o senhor ande desprotegido por aí?

- Meu pai paga um segurança particular para mim. – Alicia realmente havia reparado em um homem corpulento perambulando pela feira. Notara como ele observava os dois, mas também, pôde perceber o quão destreinado ele era. Provavelmente, o segurança confiava demais em seu tamanho e nunca treinara em sua vida. Portanto, aquele não representava risco algum para ela.

- Apenas um? – passou os olhos pelo local, procurando por mais que talvez houvesse deixado passar em uma de suas inspeções.

- Infelizmente sim... – suspirou.

- O que aconteceu? O senhor parece insatisfeito... – segurou-lhe uma das mãos e o motivou a continuar falando. – Se eu puder ajuda-lo sendo uma ouvinte, ficarei mais do que honrada em ouvi-lo desabafar seus problemas. – ergueu a mão entre as suas e a deixou sugestivamente próxima aos seios.

- Bom... – caindo totalmente em sua armadilha e sendo ludibriado, o rapaz começou a falar sem parar. – Meu pai temia chamar atenção demais e preferiu pagar por apenas um guarda-costas. Pelo visto, a corte real não pretende usar seu dinheiro em nossa segurança. – suspirou chateado. – Aparentemente há coisas mais importantes com que usar suas riquezas. E para não me prejudicar, já que não podemos contar com o apoio real, meu pai preferiu que eu não atraísse olhares demais, já que quanto mais homens ao meu redor, mais eu passaria a imagem de alguém importante, tornando-me um alvo para potenciais sequestradores...

- Que horror! – fingiu preocupação. – Mas o que seria mais importante do que os filhos dos homens que gastam suas vidas orientando nosso rei?

- Ao que tudo indica seria a Guarda Real. – deu de ombros.

- A guarda? – tensa, Alicia apertou a mão do garoto entre as suas e quase parou de respirar.

- Sim... – ele tomou a atitude da garota como espanto e empatia por sua situação e portanto, continuou a falar sem desconfiar de nada. – O general da Guarda Real recebeu a bênção do rei para agir com total autonomia. Ao que parece, ele mostrou ser digno da confiança real e provou que suas ideias apenas beneficiariam e protegeriam a corte. – deu mais um suspiro. – Inclusive, da ultima vez em que falei com meu pai, há quinze dias, ele me informou que Samhal Stanskull vem visitando cidades atrás de hereges e conspiradores. Ou seja, ele está caçando pessoas que potencialmente se tornariam um perigo para a família real e poderiam atacar a corte.

- Caçando...? – inevitavelmente, seu passado surgiu numa explosão de recordações assustadoras, intensas e dolorosas. Ela tentou ao máximo não deixar sua fisionomia expor o que estava sentindo e se obrigou a manter a concentração no acadêmico. – Ele realmente tem a autorização real para caçar PESSOAS?

- Parece que sim... Aliás, ele aparenta estar fazendo um trabalho tão bom que daqui três semanas irá receber mais uma honra militar e se tornar marechal, com a bênção do rei, é claro.

- Então, ele deixará o seu posto na Guarda Real e irá cuidar de nossos exércitos? – se aquele monstro ia mudar de posto, então, Alicia precisaria se manter atualizada de seu paradeiro e mudar suas estratégias de vingança.

- Não. – deu de ombros novamente, como se realmente não se importasse com tudo aquilo e apenas estivesse informando fatos corriqueiros. – Apesar do posto elevado, o rei não permitiu que ele deixasse o seu posto e parasse de cuidar pessoalmente da corte. Portanto, mantiveram o responsável pelo exercito, porém, agora todos precisam responder primeiro à Samahl. Não iram mais se reportar ao rei e sim ao marechal.

- Entendi... – mordeu o lábio, pensativa. – Então, ele continuara onde está, ao lado da família real, porém terá mais poder bélico e autonomia mavórtica...

- Exato... – encarou-a com olhos de "cão sem dono". – E nós, as mentes por trás do bom desenvolvimento de nosso reino, somos ignorados... Triste, não?

- Hum...? – desviou-se de seus pensamentos e retomou sua atenção ao garoto. – Ah sim! Realmente triste... – deu leves tapinhas no braço do rapaz, numa tentativa fútil de consolá-lo.

- Se a senhorita puder me ouvir um pouco mais, adoraria continuar a desabafar... – e de novo aquele garoto suspirava, se vitimando. – Minha família tem tantos problemas... Poderíamos passar o dia tomando um vinho e conversando, o que acha? – sorriu, crente que poderia "físgá-la" com sua lábia.

Alicia retribuiu o sorriso e soltou a mão do jovem acadêmico para, logo em seguida, pegar as compras do chão e mantê-las firmes em seus braços. Tal atitude surpreendeu Sanjen, que automaticamente tentou pegar a cesta da assassina e foi impedido quando a mesma deu um obstinado passo para trás.

- Seria maravilhoso, porém, preciso levar as compras para casa e ajudar minha mãe com a torta. – indicou os produtos que carregava.

- Posso acompanha-la até seu lar. – tentou mais uma vez pegar a cesta e ficou frustrado ao vê-la desviar com agilidade.

- Agradeço, mas o senhor já fez demais por mim. – sorriu novamente. – Acho que o afastei por tempo demais de seus amigos e estudos. – fez uma leve reverência. – Agradeço por tudo o que fez por mim hoje.

- Mas não me importo de passar mais tempo com a senhorita. Eu posso muito bem acompan...

- Meu pai não gostaria disso. – interrompeu-o. – Com certeza ele iria rechaçá-lo de casa, sendo o senhor um nobre ou não. – tal informação fez o jovem estagnar no lugar. A cartada do pai de família rígido sempre funcionava. – Ele realmente fica furioso quando outros homens aparecem em casa sem terem sido formalmente convidados por ele. Chega a ser assustador... – controlou a risada ao ver o rapaz ficar alarmado diante da imagem de um pai imponente e supostamente amedrontador. Covarde! – Ele é um pai de família rígido que apenas quer o melhor para seus filhos e esposa... É realmente dedicado conosco e, portanto, preciso respeitá-lo. – nesta parte ela não estava contando nenhuma mentira, o que tornava sua expressão ainda mais verdadeira e alarmante para o moço.

- De fato! Respeito é importante! – apertou as próprias mãos, ansioso. – Muito importante... Realmente... Devemos respeitar a vontade de seu pai. – sorriu sem graça. – Dessa vez não vou acompanha-la até em casa e aguardarei ansioso pelo nosso próximo encontro.

- Que gentil... – sorriu para não rir. – Então, vou indo. – desvencilhou-se de um provável beijo no rosto e manteve as duas mãos sob a cesta, evitando que também tentasse beijar uma delas. Estava cansada de contato físico e beijos, definitivamente, estavam fora de questão. – Mais uma vez, obrigada por tudo. – e sem perder tempo, afastou-se, acenando de longe para Sanjen, o qual, claramente, estava decepcionado com a despedida fria.

Assim que saiu do meio urbano e alcançou o bosque mais próximo, Alicia escondeu-se atrás de uma árvore e respirou fundo. Colocou as compras no chão e vasculhou pelas vestes atrás de um cordão, encontrando um fio fino, mas resistente, o qual usava para escalar paredes, descer por balcões e enforcar alvos grandes.

Amarrou a cesta com os produtos numa ponta e uma pedra na outra. Arremessou o lado com a pedra por sobre um tronco relativamente alto e a agarrou antes que atingisse o chão. Desamarrou-a e puxou o cordão, fazendo suas compras subirem no ar. Quando se deu por satisfeita com a altura e notou que tudo estava suficientemente escondido pela copa da árvore, amarrou o fio no tronco, mantendo tudo firme e longe do alcance e da vista de qualquer um.

Ela precisava voltar para a feira, ainda tinha algumas coisas a fazer e por isso preferia deixar suas compras escondidas por ali do que ter que carrega-las, limitando-a e tornando-a mais visível.

Jogou o capuz sobre a cabeça e ajeitou a roupa, afinal, não precisava mais chamar a atenção de ninguém. Na verdade, ela precisava passar despercebida pela maioria, pois seus afazeres não deveriam ser atração.


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Já fazia alguns minutos que caminhava pela feira sem obter sucesso em sua busca. Ela procurava por uma pessoa em específico e quando notara que não estava mais no lugar em que a havia visto pela última vez, tentou rastreá-la pelo mercado a céu aberto.

Entretanto, o lugar continuava tão cheio que sua tarefa estava se tornando hercúlea, sem mencionar o fato de que os jovens acadêmicos ainda perambulavam pelo local e isso a cansava mais, já que precisava tomar cuidado para não ser vista por eles. Seria inconveniente demais.

Enquanto andava pelo local, passou na frente da vendinha onde comprara suas maçãs. Viu um pequeno garoto implorar por uma fruta, pois estava com fome e o comerciante, que fora tão atencioso com ela, empurrava a criança, aclamando que ele não passava de um ladrãozinho sujo e que iria prejudicar suas vendas.

Pelo visto, quando o cliente aparentava ter dinheiro ou status, o homem se tornava cortês, solícito e até generoso, já que colocara duas maçãs a mais em sua cesta como cortesia. No entanto, quando a pessoa parada na frente de suas mercadorias demonstrava ser alguém humilde e até necessitado, ele retomava sua verdadeira personalidade e agia de forma mesquinha e egoísta.

Irritada, Alicia passou furtivamente pela vendinha e, com a adaga em mãos, cortou as cordas que prendiam a cobertura de lona sobre as frutas, protegendo-as do sol. Assim que o vendedor se distraiu com a lona esvoaçante, a assassina surrupiou duas maçãs e chutou uma das sustentações da banca, fazendo com que pendesse e quase todas as maçãs fosse mal chão.

Várias pessoas se aglomeraram ao redor das frutas caídas, algumas prontas para roubar e outras poucas para prestar auxilio ao vendedor, o qual, desesperado, gritava para se afastarem de suas maçãs e bradava, ameaçando espancar quem se atrevesse a roubá-lo. Contudo, suas ameaças não surtiam o efeito desejado e as pessoas continuavam a pegar as frutas.

Satisfeita com a confusão, Alicia foi atrás do menininho e lhe entregou as maçãs que surrupiara.

- Tome... – pegou algumas moedas e colocou no bolso do pequeno. – Coma as maçãs e leve este dinheiro para casa. Não é muito, mas pode ajudar a comprar um pouco de leite e pão.

- Muito obrigado! – ele abraçou sua perna, emocionado e feliz. – A senhorita é um anjo que caiu do céu!

- Anjo... – sussurrou rindo. – Infelizmente estou muito longe de ser um anjo... – afastou-o de sua perna e se abaixou para encará-lo nos olhos. – Tente não roubar mais, pois se um dia te pegarem, serão cruéis com você. – acariciou os cabelos castanhos e sujos do pequeno. – Ainda é jovem demais para trabalhar, mas se puder, ofereça algum tipo de serviço em troca de comida ou de um pouco dinheiro. – passou os dedos pelo rostinho. – Ofereça-se para olhar alguma criação em alguma fazenda por aqui, para lavar louça, varrer algum comércio, entregar recados, vigiar uma vendinha... Coisas simples, mas que podem ajudar pessoas atarefadas. – segurou-lhe o ombrinho. – E não permita que lhe façam mal algum! Grite, chute, esperneie e até atire coisas se precisar, mas não deixe que abusem de sua boa vontade, está bem? – disse séria.

- Sim, senhorita! – acenou a cabeça com veemência.

- Ótimo... – voltou a sorrir. – E se um dia precisar de ajuda, pode me procurar. Posso acabar com qualquer pessoas que se atreva a machuca-lo, certo? – piscou para ele.

- Obrigado, mas vou me cuidar direitinho, como a senhorita me orientou! Vai ver que vou! – sorriu orgulhoso.

- Muito bem! – bagunçou seus cabelos. – Você é um rapazinho forte, gostei de ver. – abraçou-o com força. – Se cuide, pequenino. – e com uma ultima carícia, partiu, se misturando à multidão.

Alicia adoraria poder levar o pequeno consigo e fazer mais por ele, entretanto, seu colar já tinha destino certo e não seria justo envolve-lo em sua vida tão sombria. E tentando distrair-se da situação da criança, a garota retomou suas buscas até escutar o som de moedas sendo chacoalhadas dentro de um recipiente de madeira. Esperançosa, virou-se apressada, seguindo o som que estava escutando.

Simplesmente não pôde deixar de sorrir quando finalmente a encontro! Ali estava a senhora que sempre via vagar pelo mercado, implorando por esmolas ou comida para sua neta.

A jovem conhecia muito bem a história daquela idosa. Ela perdera a filha e o genro para um grupo de lordes bêbados. Eram filhos esnobes de homens poderosos que, ao saírem da taverna, tentaram arrastar a linda atendente do local. E ao ver a esposa sendo vítima de assedio e agressão, o fiel marido correu ao seu auxilio e enfrentou o grupo.

Contudo, a luta fora injusta, pois eram punhos contra adagas e espadas. Portanto, os jovens amantes se tornaram vítimas de lâminas inconsequentes, deixando para trás uma linda filhinha de dois anos e uma mãe de idade avançada.

Com o tempo, devido à anemia e a exposição constante ao tempo, a senhora foi ficando cada vez mais debilitada até contrair uma tosse forte que estava propensa a se tornar tuberculose se não fosse tratada com a medicação adequada.

Aquela mulher já havia sofrido perdas demais na vida e estava disposta a fazer de tudo para não perder a neta que tanto amava. Logo, praticamente tudo o que conseguia no mercado, era destinado à pequenina que vivia agarrada ás suas vestes, sempre assustada com o mundo e acanhada demais com as raras demonstrações de afeto por estranhos.

Alicia se aproximou da senhora e retirou o colar de seu pescoço. Agachou-se devagar e pousou uma das mãos sobre o pulso tremulo da mulher.

- Senhora Adália, sou eu, Alicia... – identificou-se com um tom carinhoso.

- Alicia, meu bem! – sorriu animada. – Não a reconheci sob esse capuz. Seu rosto está escuro demais para meus olhos cansados.

- Desculpe por isso, mas hoje eu preciso ficar assim. – acariciou-a.

- Não tem pelo o que se desculpar, minha jovem! – agitou a mão livre enquanto falava. – Você não me deve explicação nenhuma!

- E como você está, pequena Nanda? – sorriu para a menininha que a observava de seu esconderijo no meio da saia da avó.

- Bem... – murmurou acanhada.

- Que bom! – sorriu mais um pouco e voltou a encarar a senhora. – Eu trouxe um presente para a senhora. – e colocou seu colar dentro da cumbuquinha de madeira.

- Pelos deuses! – exclamou ao ver a joia brilhar. – Não posso aceitar algo assim! Deve ser importante para você.

- Não representa nada para mim. Ganhei de um moço galanteador e não tenho interesse algum em manter esse colar. – respondeu sincera e a viu se acalmar um pouco. – Gostaria que a senhora vendesse isso e usasse o dinheiro para comprar um bom remédio com o boticário, comida e roupas novas para vocês duas.

- Tem certeza? – observou-a, procurando por sinais de arrependimento pela entrega da joia ou alguma incerteza com o gesto.

- Absoluta! – disse com fervor. – E quero que a senhora o venda para aquele homem. – apontou, indicando um senhor de meia idade, encostado na parede de um beco, observando as bolsas de dinheiro dos vendedores. – Ele está atrás de escambo e sei que não teve muita sorte esse mês. Se a senhora mencionar o meu nome, acredito que a tratará bem.

- E como ele a conhece? – olhou-a desconfiada, afinal, como uma moça tão boa poderia estar envolvida com um homem tão sujo?

- Ele me deve alguns favores... – a viu erguer a sobrancelha e encará-la seriamente. – Eu não preciso dar-lhe explicações, lembra? – sussurrou. – Foi a senhora mesma quem acabou de me dizer isso...

- Tem razão... – tentou respirar fundo e acabou tossindo. – Estou sendo enxerida demais. – ergueu a cumbuca. – Eu deveria é ser agradecida por toda a sua ajuda e não me intrometer em sua vida.

- Obrigada por ser tão compreensiva. – suspirou aliviada. Alicia não queria ser grosseira com aquela pobre mulher. Queria apenas ajudar e ver as duas sorrirem um pouco.

- Apenas me prometa que irá se cuidar, está bem? – acariciou a mão que lhe tocava.

- Prometo... – sorriu e deu-lhe um breve beijo na testa. – A senhora também precisa se cuidar para poder continuar a olhar por esse anjinho. – olhou para a menininha que, pela primeira vez, sorrira para ela.

- Está certa... – concordou.

- Até o próximo reencontro, senhora Adália. – passou a mão por aquele rosto tão sofrido e judiado pela vida difícil.

- Até, minha querida. – beijou-lhe as mãos e deixou que a garota partisse.

Sentindo-se mais leve, Alicia voltou a se misturar pela multidão, partindo furtivamente e regressando ás suas compras literalmente suspensas. Assim que se aproximou da árvore, ergueu a adaga nas mãos e virou-se bruscamente para golpear alguma coisa, ou melhor, alguém!

Quando estava perto de seu objetivo, ela sentira que estava sendo seguida e a julgar pela falta de sons e por não conseguir rastrear quem era seu perseguidor, sabia que estava sendo importunada por um profissional.

E ao golpeá-lo, sentiu seu braço ser bloqueado por mãos fortes e firmes. Sem perder tempo tentando identificar quem era, Alicia soltou sua adaga e a agarrou com a outra mão, pronta para tentar golpeá-lo mais uma vez.

Na segunda tentativa, teve sua outra mão bloqueada e presa, agora não conseguia mover nenhuma das duas. Como pôde notar que seu adversário era um homem, agilmente ergueu o joelho e acertou-o entre as pernas.

- FILHA DUMA RAMEIRA! ARGH! – ouviu-o gritar antes de soltá-la e encolher-se o para longe dela. – SOU EU, ALICIA! QUE DOOOOR! AARGH! – ele agarrava a região dolorida e lágrimas escorriam por seu rosto transformado de dor.

- Rudy? – levou a mão á boca, impedindo-se de cair da gargalhada. – Bem feito! Quem mandou me seguir?

- Eu a vi no mercado e quis fazer uma surpresa... Não precisava me atingir assim! – tentou se endireitar e respirou fundo algumas vezes para se recompor um pouco. – Foi golpe baixo!

- Apenas me defendi. – ergueu as mãos, num gesto de paz. – Desculpe.

- Tudo bem... – moveu-se um pouco, testando a dor.

- E o que você queria? Além de me surpreender e falhar, é claro! – debochou.

- Alicia... – olhou-a de soslaio, ameaçando-a a não continuar a tirar sarro dele.

- Está bem... – bufou e cruzou os braços, indicando que não debocharia mais. – Precisa de algo?

- Na verdade, eu a vi roubar aquelas maçãs para o menino. – sorriu. – Achei que o ladino daqui fosse eu.

- Ele precisava comer... – deu de ombros.

- E era necessário destruir a barraca? – ergueu uma sobrancelha enquanto a encarava.

- Era. – respondeu sucinta.

- Tá... – continuou a observá-la. – Também a vi entregar o colar que ganhou para a senhora Adália... – praticamente todos das famílias Bane e Gray conheciam a história da pobre mulher e sua neta, inclusive, se compadeciam por ela e tentavam ajudar sempre que possível.

- Como sabe que ganhei e não roubei? – olhou-o desconfiada. – Desde quando está me observando, Rudy?

- Tá bom, eu confesso! – ergueu as mãos na defensiva. – Eu a fiquei vendo treinar.

- Não acredito! – resmungou irritada.

- Tenho que admitir... Não achei seus treinos de sedução lá grande coisa. – sorriu zombeteiro.

- Como é que é? – descruzou os braços e ergueu a adaga. – Se atreve a fazer troça das minhas técnicas, garoto?

- Veja bem... – afastou-se um passo, mas continuou a sorrir com escárnio. – Eles eram alvos fáceis demais, não precisava ter gasto tanto tempo e investidas com aquilo.

- Ah é? – estreitou os olhos, observando-o dos pés a cabeça. – E o senhor é um expert por acaso?

- Já sou especialista. – riu do olhar que ela lhe lançou. – Praticamente autoridade na técnica! – viu Alicia revirar os olhos e baixar a adega. – É verdade!

- Sei... – grunhiu ainda irritada.

- Se quiser, podemos treinar juntos e você verá que tenho razão! – aproximou-se dela.

- Você só quer flertar comigo... – virou-se e voltou a se aproximar da árvore em busca do cordão amarrado.

- Está com medo de falhar? – provocou. – Duvido que consiga me seduzir. – voltou a sorrir. – Não sou mais o mesmo garotinho tolamente apaixonado que você rechaçou. Já tenho a minha cota de amantes e reconheço ser impressionante. – vangloriou-se.

Alicia girou devagar e o encarou. Ele não podia estar falando sério! Além de fazer troça, provoca-la e duvidar de suas habilidades, aquele infeliz do Rudy estava tentando deixa-la enciumada e se enaltecer ás custas de mulheres? Ah... Ele realmente precisava de uma lição, mesmo que pequena!

- Você acha que não sou capaz... não é? – aproximou-se.

- Tenho certeza de que não é. – zombou.

- Como pode pensar tão pouco de mim, Rudy? – tocou-lhe o ombro e inclinou um pouco a cabeça, expondo ainda mais o seu rosto sob o capuz. Era uma boa coisa o fato de ainda não ter limpado os lábios e estar com as bochechas vermelhas pelo esforço recente em ataca-lo, pois o viu deixar os olhos vagarem por sua face, demorando-se sobre sua boca chamativa e tentadora. – Justo você que sempre me orientou e esteve ao meu lado, mesmo quando era cruel com sua nobre pessoa... – deixou um suspiro leve passar por entre seus lábios.

- Como você mesma disse, muitas vezes foi cruel comigo, mesmo quando eu tinha a mais nobre das intenções. – tirou o ombro sob a mão dela. – Portanto, tenho todo o direito do mundo de julgá-la dessa forma.

- Ai... – levou a mão ao peito e o viu encarar seu decote. Não estava mais tão proeminente, mas ainda chamava a atenção e destacava seu dote. – Essa realmente doeu...

- Era para doer. – notou um pouco de hesitação na voz dele e ficou feliz por perceber que suas técnicas estavam funcionando, fazendo o garoto amolecer.

- Acho que mereci, então. – mordeu o lábio e desviou o olhar para o lado, como se estivesse chateada. – Talvez seja melhor você ir embora, pelo visto, eu não valho o seu tempo. – abraçou o próprio corpo, afastando um pouco a capa e desviando o foco para a sua cintura acentuada, que destacava seus quadris bem valorizados por aquele vestido.

- O tempo é meu, portanto, posso escolher gastá-lo com você. – murmurou e Alicia escutou-o engolir em seco. O som fora muito baixo e discreto, contudo, demonstrava que ele já estava cedendo aos seus apelos.

- Tem certeza? – voltou a encará-lo e viu que o garoto voltara a se aproximar dela. – Vai mesmo treinar comigo e me deixar provar o quão boa posso ser?

- Vou treinar com você e mostrar o quão bom EU posso ser! – respondeu e a viu suspirar, já caindo por sua voz sedutora.

Mentalmente Alicia se repreendeu para não rir da atitude confiante de Rudy. Por mais que fosse difícil admitir o quão sedutor ele era e o quanto ela ainda era apaixonada por aquele ladino, era inevitável não ter o próprio ego afagado ao notar o quanto estava preso ao seu charme depois de tanto zombar de suas técnicas e treinos.

- Ah é? – voltou a tocá-lo e começou a sutilmente guia-lo até a árvore de antes. – Então, o grande Rudy vai me ensinar uma lição? – passou a língua pelo lábio inferior e sorriu. – Essa eu quero ver.

- Apenas ver? – retribuiu o sorriso de forma sugestiva e a puxou para mais perto, fazendo com que o corpo de Alicia tocasse o seu. Inevitavelmente, o coração de ambos acelerou.

- Acho que estou gostando a sua linha de raciocínio. – confessou, erguendo-se na ponta dos pés e aproximando seu rosto ao dele. – Por que não me mostra como seduz suas mulheres, Rudy? – sussurrou.

- Com prazer! – levou as mãos ao rosto e pescoço da assassina, puxando-a delicadamente para um tão desejado beijo.

Alicia deixou que uma das mãos permanecesse repousada sobre o peitoral firme do ladino e ergueu a outra na direção dos cabelos dele. Quando seus lábios estavam quase roçando, sua mão fez um leve movimento atrás da cabeça do garoto e antes que ele pudesse identificar o que ela estava fazendo, ambos escutaram estalos vindos da copa da árvore.

Rudy apenas teve tempo de encará-la confuso e a viu sorrir vitoriosa antes de sentir algo golpeá-lo na cabeça, derrubando-o atordoado.

- Sabe... – ela agachou-se e recolheu tudo o que se espalhara pelo chão, guardando de volta na cesta. – Antes de cair nos truques de sedução de alguém, devemos analisar muito bem os arredores atrás de emboscadas e armadilhas. – terminou de arrumar tudo e analisou a cabeça do amigo, notando que não estava machucada. – É uma falha muito grande subjugarmos a capacidade do outro e acharmos que nossos truques podem seduzir facilmente qualquer um... – suspirou e se levantou. – Foi realmente amador... – sorriu. – Mas você vai ficar bem, ao contrário do seu ego masculino. – piscou ao vê-lo encará-la com raiva. – Até mais Rudy. – lançou-lhe um beijo e embrenhou-se com destreza pelo bosque, largando o garoto para trás.

- Um dia, Alicia... – encostou-se na árvore e respirou fundo. – Um dia você vai precisar e virá atrás de mim, Alicia... – resmungou, apalpando a cabeça dolorida. – Um dia...  

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