Em Tempo de Plágio - Uma Tram...

By DionatasLealMartins

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"Sempre há um relâmpago no fim do túnel." _Na pacata cidadezinha norte-americana de HunderCave, uma jovem ga... More

Apresentação/Avisos
Sneak Peaks
Prólogo - A Tempestade se Aproxima
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo Final
Epílogo

Capítulo 9

64 10 0
By DionatasLealMartins

***
22:05

O grito do trovão adentrou desesperadamente os ouvidos de Anna que, em um movimento brusco, ergueu a cabeça do travesseiro, a visão embaçada não lhe permitido enxergar direito.

Por um gemido arrastado, piscou várias vezes tentando focar o quarto cavernoso. Estava deitada de lado, com os braços jogados de qualquer maneira nos cobertores. O cômodo parecia estar completamente escuro, não fosse os relâmpagos luminosos que explodiam do outro lado da janela piscando enraivecidamente como um um show de luzes alucinatórias.

- Mãe...? - Anna conseguiu dizer, ainda atordoada. - Pai? Tommy?

Olhou em volta, com os músculos ainda a protestar de dor. O travesseiro sob sua cabeça estava totalmente úmido. Uma mistura de suor e lágrimas que se transformaram em um odor nada agradável.
Tentou erguer o corpo e sentar-se na cama, mas todos os seus ossos ainda queriam dormir, reclamando em dores por todo o corpo que a fizeram voltar a se ajeitar na cama, aos ganidos. De barriga para cima, a garota fechou os olhos à medida que as memórias daquela tarde retornavam à sua mente, tão estridentes quanto os trovões ruidosos que rugiam ao redor da casa.

- Me diz que foi tudo um sonho... - Anna clamou, abrindo lentamente as pálpebras inchadas. Suspirou fundo e tentou mais uma vez se levantar. - Droga...

Um peso insuportável descia pelas suas costas quando conseguira se sentar. Havia dormido demais, isso era fato. Remexeu o pescoço para os lados, sentindo uma dor incômoda. Ganhara um belo torcicolo.
Seus olhos logo detectaram outra fonte de luz brilhante. A tela do computador ainda exibia um fundo branco, brigando contra os lampejos dos relâmpagos para ver quem reluzia mais.

Seu estômago embrulhou amargamente quando convenceu-se que o pesadelo era real. Um semblante de desgosto se formou aos poucos, seus olhos fundos ameaçaram se inundar novamente quando abaixou a cabeça dolorida. Mas logo decidiu-se que se derramar em prantos não mudaria nada. Infelizmente, nada.

Soltando o ar pela boca, juntou os joelhos para perto de si e os envolveu vagarosamente com os braços lavados de suor. Um vento forte soprava ruidosamente, acompanhado de grossas gotas de chuva que fustigavam a janela do quarto, ora aparecendo, ora sumindo.
A nova tempestade que se aproximaria de HunderCave e de toda a região, com certeza havia chegado, carregando ainda mais força que a da noite anterior.

Gradativamente, a algazarra tempestuosa que a natureza fazia era engolida aos poucos pelo silêncio incrivelmente ensurdecedor da garota. Suas pupilas fixaram um ponto imaginário no ar, paralizando-se por um longo tempo nas próprias córneas. A respiração calma fora amansando até chegar a um nível quase imperceptível, como se seus pulmões adormecessem levemente, deixando suas atividades comuns em modo automático.

"Você não vai voltar a dormir tão cedo, vai?"

Soltando-se de seus devaneios, Anna jogou os cobertores para o lado e pôs os pés quentes no assoalho. O frio que habitava o assoalho adentrou sua pele, arrepiando-a imediatamente com o choque térmico.
Pelo menos, a tempestade aliviou aquele calor infernal, conforme era previsto.

Ficando de pé, esfregou as mãos no rosto, fixando o olhar cansado na tela do computador. O mundo lá fora parecia estar envolto em um véu negro e impiedoso, prestes engolir tudo pelo caminho, fantasmagoricamente.
Como uma verdadeira zumbi desleixada, seguiu o feixe de luz em passos desajeitados e atordoados. As letras do capítulo do prólogo se materializavam aos poucos conforme se aproximava do computador provocativo, as pálpebras sensíveis, se encolhendo com a intensidade.

Puxou a cadeira de rodinhas para si, e sentou-se vagarosamente. Sem dar tanta atenção como já fora antes, acomodou uma mecha rebelde de seu cabelo emaranhado atrás da orelha sem rodeios. Girou o olhar pelos comentários extensos, reagindo com total desdém no nariz torcido e careta frustrada.

- Okay, garota, okay! - clicou para voltar à página inicial e levou o ponteiro até a caixa de pesquisas. A voz seca parecia mais uma lufada espinhosa a brotar da garganta, rasgando todo a cartilagem da laringe pelo caminho. - Vamos ler outro livro para esquecer essa vida injusta, nem que para isso eu desista logo no primeiro capítulo! Você ganhou. - despontou um suspiro fraco, em lábios retos. - Você ganhou.

Sem pensar em algum livro específico, digitou a primeira letra que lhe surgiu em mente, mas um estrondo súbito fez a madeira sob os seus pés balançar explosivamente. O trovão fora tão alto que o grito esganiçado da garota só não fora mais abrupto que a tela do computador a se tornar totalmente negra diante de seus olhos esbugalhados.

Em um misto de medo e incredulidade, Anna continuou a mirar olhos firmes e arregalados na tela sem luz.

- Não! - reagiu com um grito intensamente grave. - Não, não, não, não, NÃO! - tateando o dedo na escuridão, encontrou o mouse pequeno, e começou a clicar histericamente. - Tá de brincadeira com a minha cara, só pode. Inferno de computador!

Um novo trovão fez Anna virar o pescoço abruptamente para a janela, engolindo o ar de súbito. Os relâmpagos piscavam descontroladamente e o vento rugia cada vez mais alto, formando uma orquestra atordoante. Bufando indignada, a garota levantou-se rapidamente da cadeira e rumou aos tropeços até o interruptor das lâmpadas do outro lado da porta.

- Vamos, vamos... - abaixou e ergueu as alavancas do interruptor, mas não houve resposta das lâmpadas, tão pouco de seu computador. - Tinha que acabar justamente agora? Drogaaaa! - disparou um suspiro carregado de ódio, ao passo que estreitava a voz. - Ah, quer saber? - iniciou novos passos pesados até a cama, o rosto inflado. - Apenas volte a dormir. Era melhor nunca ter acordado.

Jogando-se na cama, puxou os cobertores para sí e cobriu metade de seu peito em cara fechada. Bufando frustrada, pousou a cabeça no travesseiro, o forte odor de suor impregnando suas narinas de imediato. Careta indigesta.

Antes de fechar os olhos e tentar voltar a dormir, mirou um último olhar na janela. As grossas gotas de chuva pareciam pequenas pedras a se chocar contra o vidro. Os relâmpagos explodiam como fogos de artifício frenéticos, furiosos à cada brado.

Era um verdadeiro reflexo da noite anter...

Anna levantou a cabeça de súbito e apurou os ouvidos rapidamente, os cílios, estreitando-se desconfiados. O estranho ruído de algo estalando bruscamente sobressaltou a tempestade, fazendo a ficar imediatamente alerta.

- Mas o que... - interrompendo as próprias palavras, Anna ajeitou-se na cama e apoiou as costas na cabeceira da mesma, sentando-se incerta. Seus olhos trêmulos seguiram cautelosos o barulho de madeiras... rangindo?

Começou pela parede do computador.

Madeira por madeira rangiam em sincronia lenta como se um enorme peso estivesse pressionando os telhados da casa, descendo sobre suas colunas, amassando-as contra o chão.
O vento lá fora não podia estar tão forte, podia?

A lembrança do aviso do jornal que vira ontem pela manhã ergueu em sua mente feito um agouro sombrio, pondo-a em um estático alerta.
Mais madeiras estalavam nos cantos das paredes e no teto, a cabeça de Anna, acompanhando cada eco em uma expressão que já ultrapassava a apreensão, estacionando no limite do desespero.

Sentiu seus pelos eriçarem de uma só vez, parecendo erguer as mãos para o céu raivoso ao detectarem uma onda de pavor que se alastrou como fogo pela sua espinha.

"Calma, não é nada demais!"

Anna engoliu o ar de súbito quando a parede atrás da cabeceira bradou feito um aviso eloquente para os seus ouvidos alertas. A garota virou a cabeça para trás de sí numa única torção abrupta, encarando as madeiras gritantes por entre um olhar saltando de perplexidade.

- Mas o que diabos está acontecendo na minha vida? - o cenho franzido, voltou seu olhar para a janela explosiva. As rajadas de vento atingiam o vidro carregadas de força, enquanto a chuva desmoronava intensamente, brilhando sobre os relâmpagos que não tinham um longo intervalo de tempo até reluzirem de volta. Como se as madeiras do quarto se curvassem para olhá-la melhor, todas as paredes rangiram de uma só vez, parecendo estarem prestes a estourar. O coral desafinado só continha uma só espectadora, e com o peito a pulsar feito bulbo descompassado, seus olhos amedrontados arregalaram-se tensos, ao passo que seu corpo inteiro tremia involuntariamente.

- Meu deus... - o murmúrio apagado saiu arrastado de sua garganta tensa. Anna mirava a cabeça para todos os lados sem saber ao certo o que medir. Poucos segundos de confusão foram necessários para congelar a expressão estática do outro lado do quarto. Ao redor da boca inquieta, seus lábios trêmulos formaram um perfeito 'O' gradativo enquanto sua face pálida banhava-se de um intenso azul-turquesa a engolir o cômodo bambo em questão de segundos como um véu brilhante ofuscando imponentemente todos os raios luminosos que brotavam além da janela. A garota estremeceu inteira, arregalando os olhos perplexos ao limite.

E então ela viu.

Os dois filetes brilhantes haviam se materializados acima da mesinha do computador, parecendo flutuar calmamente até o aparelho imóvel. Os fios azulados pousaram acima do monitor frágil, penetrando a tela apagada com uma maior mansidão assustadora.
Erguendo a cabeça de forma mecânica para o ponto onde os filetes azuis brotavam, fitou as madeiras do teto se contorcerem de um lado ao outro, tão vagarosas quanto serpentes se remexendo ágeis no ninho.

Só notara que os fios luminosos se remexiam velozes quando faíscas começaram romper apressadamente de suas extremidades, revelando que uma subia e outra descia, ritmicamente, feito uma colônia de insetos enfurecidos atropelando caminho.

Um forte trovão sobressaltou os seus demais companheiros, acompanhado por um relâmpago estridente em sua luz. O mundo lá fora parecia estar estar perto do fim, tão frágil como uma lâmpada prestes a pifar.

Um filhote acuado preparava-se para esconder-se no ninho; A garota se enfiou às pressas no meio das cobertas, fora de si, as pálpebras apertadas com força, os braços trêmulos cobrindo a cabeça latejante. 

A onda de medo incontrolável já inebriava seu corpo trêmulo. Apenas queria que tudo aquilo terminasse logo. Algo estava terrivelmente errado. Ela sentia.

As madeiras da cama abaixo de si tremeram em uma batida violenta, e a garota não encontrara saída que não fosse se encolher com ainda mais força no próprio corpo, os dentes cerrados, já não se aguentando de dor, músculos suados se unindo, a formar um objeto arredondado e inflado de medo.

Os segundos pareceram horas massantes.

À qualquer instante, sentia que estava prestes a enlouquecer. O vento bradava em assobios brutais, lampejos de luz anunciavam que o verdadeiro apocalipse estava chegando, e as paredes frágeis ainda rangiam desesperadamente, como se à qualquer momento fossem desistir de manter-se firmes.

- Que acabe logo. Por favor, que tudo cabe logo. QUE TUDO ACABE LOGO! - Anna disparou um grito desesperado e agudo, quase inaudível no meio dos edredons pesados. - Faça isso parar, Jordan! Faça isso parar!

Tapando as orelhas com as mãos bambas, a garota levou o pensamento à qualquer lugar que não fosse aquele cataclísmico quarto fantasmagórico. Seus tímpanos saltavam a passadas eloquentes, e a garota temia que eles estivessem prestes à se romperem. Tanto pavor e nervosismo a arrastaram para um transe hipnótico que a consumiu aos poucos, arrastando-a para o sono pesado.

A barulhenta tempestade acalmou-se gradativamente, descendo seus acordes graves à um nível cada vez mais manso.

O vento pareceu ter ouvido as últimas preces da garota indefesa antes de adormecer, e assobiava como uma brisa fraca do lado de fora. A chuva perdera sua intensidade jogando-se sobre a cidade em uma garoa fina enevoada, e um último trovão soou ao longe do horizonte, redundando em meio às nuvens furiosas e densas.

A tela do computador voltou a se acender entusiasmadamente, chamando em ondas magnéticas uma Anna adormecida profundamente, babando em cima do travesseiro encharcado.

***

15 de Maio de 2015

08:32

O alarme do rádio relógio soou um apito abrupto e esganiçado ao ar parado e fresco do quarto. Os raios do sol daquela manhã de sábado adentravam os vidros da janela de maneira branda, esparramando-se pelo assoalho ligeiramente úmido feito tinta amarelo-fluorescente.
Gemendo baixo, a garota levantou a cabeça pesada do travesseiro, as pálpebras remelentas e a visão desfocada não a permitindo enxergar direito.
Estreitando os cílios, mirou o rádio relógio berrante com uma expressão confusa.

- Sério que já é segunda? - resmungou Anna, pela voz embargada quase beirando à um sussurro fúnebre. Seus cabelos soltos estavam totalmente desgrenhados e bagunçados, como se não fossem penteados à uma semana inteira, cobrindo boa parte do seu campo de visão. Fios tão desarrumados quanto o das bonecas Barbie após saírem de uma rodada de centrifugação violenta.

Afundando a cabeça de volta no travesseiro, ecoou um gemido arrastado de sua garganta seca. Seus pensamentos acordavam aos tropeços, preenchendo a lacuna vazia de sua memória preguiçosa.
Uma bigorna gigante instalou-se em suas costas debruçadas fazendo a garota afastar-se da realidade que aquele novo dia trazia consigo, e mergulhando-a de volta na escuridão de seus olhos apertados. O sono retornava sorrateiramente... Arrastando-a...

- Merda, hoje não é segunda - disse em voz abafada ao pescar uma última lembrança persistente. - É...

Anna jogou a cabeça rapidamente para o alto em olhos arregalados e virou o pescoço para a janela brilhante, tão de súbito, que ignorara despropositadamente um estalo oco de seus ossos.

- Droga - seu semblante murchou de imediato com os músculos faciais azedos. Percebera que mais um dia seria obrigada a conviver com o maldito nome "Dream Girl 2.0" vagando em sua cabeça como uma mosca barulhenta. Viveria mais um dia tendo que encarar a dura realidade.

Sem procrastinar mais, virou-se de barriga para cima na cama. Sentiu várias pontadas de dor incômodas percorrerem seu corpo quando ajeitou-se na cama e recostou-se na cabeceira.
Soltou um ganido esganiçado, massageando as têmporas quentes. Seu crânio parecia gemer por dentro, e por um minuto, sentiu-se levemente zonza. Era como se seus neurônios estivessem de férias há muito tempo de e a jogar tênis euforicamente uns com os outros ao invés de enviarem sinapses normais.

Anna jogou o ar pesado de seus pulmões para fora ao deitar a nuca na cabeceira. Não havia nenhuma vontade sequer de sair daquela cama, mas diferente de tantas outras vezes, naquela manhã ela só queria sentir-se parte da cômoda para sempre. E seu corpo também não parecia estar animado para ajudá-la, tão frágil quanto uma boneca de porcelana.

"Você não pode fugir para sempre disso. Você sabe, não é?"

- Já tentei, você sabe - desabafou em um tom baixo quase imperceptível aos seus próprios ouvidos. As pálpebras amarelas se espremiam com força, celadas. - mas, não... é, não. Não agora.

As madeiras da cama rangeram quando a garota sentou-se na beirada e encarou o assoalho. O repulsivo gosto amargo que impregnava sua boca seca aumentou mais ainda os motivos pelo qual ela precisava descer e viver.

Levantando-se com um gemido cansado, esfregou os olhos zonzos enquanto caminhava rumo à janela. Parou em frente à mesma, analisando a Rua Darfenkley lá fora. A luz radiante atingiu seu rosto branco a fazendo estreitar os olhos bruscamente, que logo protestaram serem expostos. Cruzou os braços em frente ao peito, soltando o ar pelo nariz.

O céu era de um belo azul estonteante, sem a presença de nuvens brancas sobre aquela flanela límpida. Alguns pontinhos pretos flutuavam acima dos telhados das casas do bairro, cantarolando satisfeitos a chegada de um novo dia. 

A mente de Anna a fez recordar do acontecimento do dia anterior. Um ponto de interrogação imaginário se formava aos poucos sobre sua cabeça ao passo que suas sobrancelhas arqueavam de leve. Para seu alívio, nenhuma ave se chocara contra a janela. Tudo parecia normal e de volta à monotoniedade.

Talvez devesse ligar para a amiga e continuar a conversa interrompida, ainda que em apenas cinco segundos se enjoaria da voz melosa e nauseante da garota eufórica. No fundo de seu peito, uma ponta de saudade já se hospedava. Apesar de tudo, ela ainda era a sua amiga.

Abaixando o olhar, os olhos de Anna admiraram o outro lado da rua. As casas ali continham quase um mesmo padrão de construção, madeiras frescas, um estilo moderno e requintado, mas simples. Raramente se via uma residência que não possuísse dois andares. A cidade inteira ainda parecia dormir, espalhando um silêncio preguiçoso no ar. Nenhum carro ia ou vinha rompendo seus motores, mas latidos de cachorros ecoavam aqui e ali na rua, formando um coral esperto.

Um sorriso curto instalou-se no rosto de Anna, tão vago quanto seus pensamentos ainda a se recompor, e não encontrava motivo para tal. Talvez fosse o dia tão lindo e belo, o qual nunca vira antes.

Colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, jogando do peito um suspiro arrastado. Virou o corpo ainda atordoado para o seu computador. A tela ligada exibia o papel de parede do fundo em cores azul-vivo, amarelo-dourado, branco e negro.
A noite estrelada, Van Gogh. A caixa de digitação para colocar a senha do usuário em seu centro.

Anna bufou completamente desanimada, o olhar de desprezo penetrando a tela brilhante como um raio lazer indignado. Mas não trazia consigo um ponta de ódio. Era mais como um nauseante... desapontamento.
A garota balançou a cabeça em olhos fechados como se quisesse se desprender teias de aranha invisíveis. Seu estômago protestou antes de lembrar que não ingerira se quer algum alimento desde que desmoronara na tarde anterior e convicta de que não adiantaria mais reclamar da vida feito uma criança birrenta, iniciou passos largos até a porta, cheia de desdém.
Colocou a mão na chave da fechadura e girou o mais rápido que pode.

"Ana...?"

Seus dedos pareceram congelar num único segundo, e seu corpo tornou-se inérce, rígido. Uma estranha calmaria repousava em sua respiração, enquanto seus olhos espiavam de esguelha para o lado esquerdo, atentos. Virando a cabeça de modo lento, encarou atônita a mesinha do computador próxima de si.

- Não vale à pena... Droga, não vale...

Acenando para sí mesma com a cabeça em sinal de negação, apertou as pálpebras, ecoando um som rasgado de incredulidade. Era só atravessar a porta... Era só esquecer daquele problema como todos os outros do seu dia-dia cansativo, que estaria tudo bem.
Tirando a mão da chave, caminhou hesitantemente até a mesinha e jogou-se exasperada na cadeira de rodinhas.

- Cansada de toda essa merda! - seu olhar mortífero era tão superficial quanto sua costumeira postura resistente. Internamente, a garota ainda continuava desmoronando aos pedaços. Em cenho franzido e semblante sério, puxou o teclado e o mouse para si. Clicou impacientemente na caixa de digitação e colocou a senha padrão.

"ETs me tirem desse planeta" digitando, preencheu a frase na caixa. Ao apertar a tecla Enter, a mensagem de Seja bem-vindo surgiu acima do círculo branco a carre...

"Urgh!"

A tela inicial apareceu, a grande quantidade de ícones se materializando aos poucos salpicando o papel de parede formal com a imagem das majestosas quedas das Cataratas do Niágara. Anna moveu o ponteiro até o navegador que abriu mais rápido que de costume a fazendo erguer bruscamente as sobrancelhas, surpresa.
Digitou o endereço do site da plataforma Wattpad e em minutos a típica página amarelada surgiu.

Um nó amargo desceu como borracha pela sua garganta. Não houve tempo de repreender a sí mesma; sua pulsação acelerou descontroladamente, como se já pressentisse outra crise de ansiedade. Suas mãos iniciavam uma produção furtiva de suor, e seus dedos trêmulos dançavam à um ritmo tenso.
Sabia que encontraria novamente seu livro plagiado, mas a vontade de se auto torturar-se era maior. Mas... ela ainda tinha esperanças, não tinha? Só ainda procurava motivos para tais.

[A Estranha Jornada de Jordan Keesne]

Apertou a tecla ENTER totalmente relutante, mas não antes de encará-la em um peso no olhar como se a mesma fosse a culpada de tudo aquilo. O círculo azul girou sem pressa, e novamente, os segundos pareceram horas exaustivas para a garota.

- Calma coração, calma coração... - sua perna direita já iniciava movimentos nervosos. A pele fina de seus lábios protestou com uma leve pontada ao se dar conta de que dentes pontiagudos a perfuravam novamente, aos poucos.
Uma mensagem se materializou rapidamente ao centro da tela.

[Nenhuma história corresponde à sua busca]

Seus ouvidos preguiçosos pareceram dormir de súbito e não captaram mais nada. O ar fresco que a rodeava tornou-se tão pesado e espesso quanto concreto seco a impregnar violentamente seus pulmões. Em cenho franzido e olhos arregalados prestes a saltar de órbita, Anna tentou expressar qualquer palavra que fosse, mas suas cordas vocais estavam totalmente congeladas. Duras.

- O... O que? - o murmúrio falho conseguiu escapar. - não há nenhum livro com esse nome?
A onda de incredulidade fez sua pulsação saltar. Aquilo não podia estar acontecendo. Ou melhor... aquilo devia estar. Não era?
Clicou para pesquisar o livro, os olhos arregalados desejando um piscar urgente da garota.

O círculo azul girou energicamente.
O sangue corria rápido pelas veias de Anna enquanto uma nova tempestade se formava furiosamente em sua cabeça jogando seus pensamentos para todas as direções possíveis de seu crânio.

[Nenhuma história corresponde à sua busca]

Disparando um riso falho e nervoso, esfregou as mãos suaves nos olhos cansados, os lábios úmidos paralisados em um sorriso bobo. Jogou o ar pela boca com um suspiro de alívio e piscou várias vezes para retomar a visão desfocada.

- Calma, Anna, calma! - um ponta de alegria espalhou-se rapidamente pelo seu peito como uma chama impetuosa. - vamos tentar... - remexeu a cabeça para todos os lados tentando se recompor e pigarreou abruptamente com uma garganta vazia. - vamos tentar só mais uma vez.

Clicou para buscar Jordan Keesne e o círculo azul iniciou outra jornada preguiçosa.
A mesma frase surgira poucos segundos depois.

"Não era a última vez...?"

Keesne Jordan. Buscar. Círculo girando.

[Nenhuma história...]

Jornada estranha de Jordan Keesne. Buscar novamente. Girando...

[Nenhuma...]

Dream Girl 2.0. Pesquisar. Perfis.

[Nenhum perfil corresponde à sua busca]

Um silêncio repentino se instalou no cômodo espaçoso. A respiração acelerada da garota entusiasmada roçava de maneira excitada a tela do computador.

Uma... duas... aos poucos, lágrimas e mais lágrimas quentes encharcaram seus olhos inchados fazendo sua visão embaçar subitamente junto à fortes soluços que já se desprendiam de sua garganta apertada. Tapando os olhos com as mãos trêmulas, apoiou os cotovelos na mesinha do computador e permitiu que as lágrimas deslizassem pelo seu rosto, acariciando levemente sua pele, a trazerem um consolo sublime.

Estava tudo bem.

- Sua boba! - ecoando uma gostosa risada de alívio, repousou as costas na cadeira, elevando os olhos brilhantes para o teto, cheia de dentes. - Era tudo um... Droga, calma, calma - jogou o ar eufórico que circulava seus pulmões em um suspiro rápido, permitindo-se exibir ainda mais o enorme sorriso.
Ajeitando novamente a espinha na cadeira, limpou o nariz com as costas das mãos, deslizando-as para as bochechas molhadas.
Respirou fundo, colocando as mãos úmidas nas coxas. Por um minuto, mirou a tela do seu computador absorta em pensamentos, o sorriso aberto diminuindo gradativamente. Aos poucos, adentrava em sua própria mente, parecendo flutuar dentro de si própria.

Três batidas abruptas soaram da porta de madeira, trazendo a garota sonhadora de volta à realidade.

- Anna...? - a voz suave como veludo de Tommy Locksmitt chegou aos ouvidos da garota trazendo consigo um tom cauteloso.

- Eu? - respondeu ela virando a cabeça teatralmente para a porta.

- Tá acordada? - perguntou o menino com certa relutância.

- Não, idiota, eu tô te respondendo enquanto tô dormindo, não tá vendo? - ecoando uma espontânea risada sarcástica, levantou em um salto da cadeira de rodinhas com uma enorme satisfação impregnando suas veias. Suas pernas ligeiramente fracas tremiam em sincronia com o restante de seu corpo, emanando ondas vivas de energia. Vida. Sentiu-se mas viva que nunca.

- Ah... Quer descer e assistir televisão comigo? - indagou Tommy em uma última tentativa.

A passos rápidos e pesados, Anna rumou em um sorriso aberto até a porta fechada e destrancou-a apressadamente. O garoto engoliu o ar de súbito com olhos arregalados, quando observou, atônito, a porta à sua frente abrir-se de imediato.

- Vem aqui seu garoto chato! - abrindo os braços compridos, abraçou com força o menino franzino que exibiu um semblante confuso ao ver a reação da irmã. - é claro que eu vou assistir televisão com você! - Anna o balançou para todos os lados enquanto um sorriso de divertimento se instalava no rosto redondo do garoto.

A tela do computador continuava branca como a neve, exceto pela milagrosa frase de uma vida exibindo-se em seu centro.
Anna fechou a porta do quarto de modo manso, mas não pôde segurar os passos incertos para as escadas, trocando palavras cheias de vida junto ao irmão. De alguma forma, as palavras que se seguiram para o primeiro andar até se abafarem nunca contiveram tanta esperança.

De algum lugar, Jordan Keesne enviava-lhe um sorriso repleto de orgulho. A garota havia vencido.

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