- Nós não deveriamos estar fazendo isso. - Mike diz desligando os faróis do carro.
- É para o bem dele. - Melanie diz do banco de trás.
- Vamos ver o que ele anda aprontando. - Lexy coloca sua cabeça entre o banco do motorista e do passageiro.
- Se for uma coisa muito preocupante vocês vão fazer o quê? - Carlos Eduardo pergunta.
- Não sei. - Apoio minhas mãos no painel do carro, - também tem a possibilidade de ele estar indo para um lugar tranquilo hoje, mas quem garante que é sempre?
- Então vamos seguir o seu irmão todo dia? - Melanie faz uma careta.
Parece uma ideia ruim, mas se queremos ajudá-lo devemos saber solucionar o problema.
- Abaixem! O carro dele, quer dizer, o nosso carro está saindo. - Todos nós nos abaixamos.
Vejo o carro passando pela frente do nosso, quando ele está quase virando a rua, Mike começa a segui-lo de longe.
- Se ele descobrir vai ficar puto. - Lexy esfrega as mãos, tentando se aquecer do frio que está fazendo nesse início de madrugada.
Puxo as mangas da minha blusa - do Mike, na verdade - cobrindo as minhas mãos. O bom de usar blusas do namorado é que além de cheirosas, elas são confortáveis e grandes.
- Nós também deveríamos estar putos com as merdas que ele fez pela mãe biológica dele. - Carlos diz sem se conter, recendo olhares tortos. - O quê? É a verdade, então nós temos o direito de fazer isso. Que, na real, é porque nos preocupamos com ele.
Carlos e eu não estamos na nossa melhor fase devido o meu namoro com o Mike, ele ficou meio chateado pelos meus amigos saberem e ele não, considerando que também é meu melhor amigo. Fora que até poucas semanas atrás Cadu tinha sentimentos por mim, essas coisas não passam rápido assim. Por isso decido me controlar ao invés de respondê-lo.
Mike segue o Johnny por longos minutos, até estarmos entrando em uma das partes mais humildes da cidade.
O que ele está fazendo por esses lados? Mamãe e papai colocaram como regra da casa nos mantermos longe daqui em horário noturno, devido as coisas ilícitas que rolam no lugar. Johnny não é de descumprir regras, eu faço isso, não ele.
- Que diabos o Johnjohn está fazendo por aqui?
Passamos em frente a escola pública mais comentada da região, no sentido negativo, as pessoas dizem que os alunos aqui são um terror.
- Bom, já sabemos que pelo menos ele não está indo para a casa da falecida mamãe maligna dele. - Carlos volta a falar quando passamos em frente a viela onde costumava ser a moradia da Sthefanny.
- Carlos, fica quieto! Está quebrando a tensão da coisa. - Lexy parece irritada.
- Como você é chata e mandona.
- Eduardo! Já deu, né?
Os dois seguem discutindo, eu paro de prestar atenção quando o carro do Johnny adentra o estacionamento de uma espécie de galpão abandonado.
- Parem os dois, olhem, ele está estacionando. - Me abaixo no banco, Mike consegue estacionar em uma vaga distante mas que dê para nós vermos o carro do John.
Alguns segundos depois que meu irmão desliga o nosso automóvel ele sai para fora, arrumando o boné preto em sua cabeça.
- Vamos, vamos. Sem barulho. - Abro a porta do carro.
Nós cinco corremos abaixados por entre os carros, uma música animada e extremamente alta vem de dentro do lugar. Sorte que não tem nenhuma casa aqui por perto, coitado de quem teria.
Johnny sai da nossa vista quando entra no lugar, fechando as portas duplas atrás de si.
- Bora! - Arrumo a postura e corro na frente do grupo.
Quando chego a porta tento ver pelo buraco da fechadura, a única coisa que vejo são muitas pessoas em um aglomerado barulhento.
- Entramos? - Melanie pergunta.
- Acho que sim. - Coloco minha mão na fechadura, Mike me impede. - Relaxa, Mimi, parece algo como uma festa ou algo assim.
- Proibida, já passou do toque de recolher e música extremamente alta a essa hora é proibido.
Seguro sua mão, entrelaçando nossos dedos para ver se ele relaxa um pouco. Entro de uma vez antes que ele me impeça.
Caramba.
Eu precisaria de uns cinco minutos para ver cada coisa que está acontecendo aqui. É um espaço absurdamente grande, de fato, um galpão. Em cada canto parece estar rolando uma atração: no canto próximo a porta um grupo de skatistas estão em uma espécie de disputa; no outro lado parece ser uma competição de street dance; em outra ponta um treino de boxing acontece; são como oficinas para o pessoal da comunidade. O ambiente tem muitas informações, por isso deixo minha análise de lado quando vejo um grupo de grafiteiros finalizando um incrível desenho em uma das paredes do lugar. É quando reconheço o meu irmão no grupo, ao lado de dois rapazes e uma garota.
- Esse lugar é incrível! - Carlos comenta, admirado.
- São oficinas.
É como um clube para as pessoas que não tem condições de bancar uma mensalidade extremamente cara. Parece que alguém teve a incrível ideia de criar isto, é maravilhoso ver todos esses jovens tão entretidos com atividades tranquilas.
- Boa noite, sejam bem-vindos! - Aperto a mão do Mike com o susto ao ser tocada no ombro.
Um rapaz baixinho e tatuado com uma prancheta nas mãos é o responsável por me assustar.
- Boa noite, valeu, cara. Que lugar foda! - Cadu aperta a mão do cara com animação.
- Vocês querem se inscrever em alguma das oficinas? - Meus amigos se entreolham, sem saber o que responder. - Ou vocês podem experimentar algo antes de decidirem entrar mesmo.
Se o Johnny nos ver aqui, agora, tem altas chances dele ficar chateado.
- Eu tenho a sensação que te conheço de algum lugar... - O rapaz tatuado comenta, percebo que ele está se dirigindo a mim.
Droga de fama.
- Deve ser apenas impressão... - Penso em algo para me livrar do cara. - Nós vamos dar uma olhada na disputa de dança.
- Certeza? Hoje é o dia oficial dos duelos de dança, só entra na roda quem for competir.
- Improvisio? - Mike puxa um pouco minha mão para baixo, tentando me fazer ficar calada. - Estou dentro, e vocês, vem?
Tento passar um olhar significativo para meus amigos, Carlos não dança, por isso é o primeiro a se manifestar:
- Eu vou dar uma olhada nos skatistas. Tudo bem?
- Ótimo, você pode falar com o Robert. - Indica um garoto cabeludo. - E o restante?
Meus olhos seguem o Carlos, tendo a certeza de que ele não vai aprontar nada.
- Vamos para o duelo de dança. - Mike trinca o maxilar. - Tudo bem, meninas?
- Tranquilaço, prof. - Melanie levanta o polegar, Lexy concorda.
- Muito bem, vocês só precisam entrar na roda, provavelmente serão empurrados para um duelo.
Forço um sorriso para o rapaz simpático, aonde é que eu fui me meter?
- Você ficou maluca? - Mike cochicha no meu ouvido.
- É meu apelido.
- Você sabe que vamos ter que dançar, né?
- Dããr, é claro. Não fica emburrado, escolhi dança porque é a única coisa que mandamos bem.
Melanie aponta com sua unha pinta de vermelho para o fundo do galpão, onde vejo um grupo de garotos treinando futebol. Tem apenas uma garota entre eles, daria uns doze anos para ela.
Mike abre caminho para chegarmos a roda de dança, assim que nos aproximamos recebemos certa atenção intimidadora.
Por ser mais alta que a maioria das garotas ao meu redor, consigo ver o que está acontecendo no centro. Quatro garotas estão dançando, duas de cada lado. Elas estão arrasando no negócio, todas fazem passos avançados de street que costumamos aprender até hoje.
As duas do lado esquerdo vencem, uma negra e uma loira, comemoram. As duas que foram derrotadas saem do circulo.
- Nossa...
- Quem são os próximos? - Uma mulher grita no centro, abrindo mais espaço na roda.
- Tem carne fresca hoje! - Um menino que está ao meu lado grita, atraindo a atenção para nós quatro.
- Que maravilha... - Mike resmunga.
Uso meu sorriso de eventos, abrindo caminho para o circulo da roda.
- É assim que se faz! - A mesma mulher bate no meu ombro. - Alguém para duelar com a bailarina aqui?
Uma baixinha negra com dreds coloridos entra na roda, parando na minha frente. O estilo dela é maravilhoso, enquanto eu estou aqui de jeans e um moletom do Mimi. Gritos eufóricos quase me ensurdecem, ela deve ser muito conhecida aqui.
- Vamos lá, patricinha. - Ela bate palmas, acenando para as pessoas abrirem mais a roda.
Uma música só com batida começa a tocar, tem um instrumental rápido. A baixinha começa, com uma habilidade incrível, caralho, a técnica dela é muito boa. Não é perfeita, mas é boa.
Na minha vez eu faço passos mais básicos, não quero chamar atenção por isso é melhor perder. Ao invés de ficar chateada com as vaias, dou risada.
- É só isso o que a boneca consegue fazer? - Ela fica cara a cara comigo, para apenas eu escutar. - Eu sei quem você é, parece que os privilégios e a fama que você tem é só por causa da mamãe. Conseguindo as coisas por causa dos pais? Que feio...
Suas palavras parecem um tapa na minha cara, quem me conhece sabe que esse é o ponto fraco da minha raiva. Viro minha cabeça para o lado, focando no meu namorado e nas minhas amigas, eles sabem que ela falou o que não devia.
- Você se acha boa? - Sorrio, empurro os ombros da garota para ela me dar espaço, atraindo mais gritos por verem a coisa esquentando. - Você quem pediu.
A dos dreds apenas sorri, debochando e me desafiando. Como se tudo estivesse conspirando ao meu favor, a música chega na sua melhor parte quando começo a dançar, dessa vez pra valer. Uso meus melhores passos, fazendo a plateia gritar em elogios. Finalizo com um mortal duplo e uma rotação, ao invés de parar com os pés no chão caio direto em um espacate lateral.
Não existe mais um sorriso nos lábios da garota, porque agora está nos meus.
- Humilhou você, Cande! - Alguém grita enquanto eu me levanto.
A garota volta a dançar, tentando bater os meus passos, mas é em vão. Admito que ela é muito boa, se ela tivesse aulas na B.D.A. seria bem melhor do que eu.
Me pegando de surpresa, a tal Cande puxa três garotas - muito parecidas - para dançarem com ela. Pode isso?
Lanço um olhar para Lexy e Melanie, não preciso dizer nada para as duas entenderem. Logo cada uma está do meu lado. As quatro meninas dançam muito juntas, são excelentes e tem conexão. Elas conseguiriam uma vaga fácil, fácil na B.D.A.
- Elas são boas. - Lexy comenta vendo a coreografia improvisada das meninas.
- Relaxa, gata, não são melhores que a gente. - Melanie joga seus cabelos para trás.
- Tem certeza? - Faço uma careta quando uma pula por cima da outra consecutivamente.
- Cala a boca, Malu. Vamos, é nossa vez.
Melanie toma a frente do grupo, desafiando todas elas de uma só vez. Melissa segura seu pé acima da cabeça, o puxando para trás e girando no ar, abrindo espaço para eu e Lexy.
Mel atrevida do jeito que é, pega o boné de um dos garotos na plateia e o empurra com a bunda, fazemos uma sequência de passos antes dela jogar o adereço na direção das garotas.
Coloco minhas mãos no chão e deixo os pés para cima, abrindo as pernas em uma abertura exagerada graças a minha flexibilidade de genética e técnica. Alexsandra e Melanie seguram cada um dos meus pés, em um movimento rápido jogo meu tronco para cima e elas soltam minhas pernas, a tempo de eu cair de pé e seguir em outra sequência avançada de passos.
Mais gritos dessa vez.
As quatro retornam para o centro e tentam fazer melhor. Arregalo os olhos quando a tal Cande faz um gesto e as outras três dão mortais totalmente sincronizados e perfeitos.
- Poorra.
- Lexy, fica calada! - Melanie bate os pés no chão. - Nunca viu filmes de dança? Devemos ficar com expressões de vadias.
- Isso você tem naturalmente.
Avanço na direção do quarteto, ficando cara a cara com a lider do bando. Em sinal de provocação imito os passos dela mostrando que estão fáceis, fazendo mais berros virem do público que deve adorar uma confusão.
Lexy e Mel se aproximam, dou a volta nas duas e abro caminho entre as pessoas, alcanço a mão do Mike e o puxo para dançar comigo. Nós dois entramos juntos, já dançando uma de nossas sequências avançadas.
- Nosso passo, vamos? - Digo alto para ele escutar, meu corpo está dolorido, ainda não me recuperei totalmente.
- Certeza?
- Sim.
Mike assente, flexionando os joelhos e estendendo as mãos na frente para eu pisar. Pego impulso e subo, ele estica os braços para o alto, deixo as costas eretas e dobro os joelhos para dar o mortal, parando novamente em cima de suas mãos com habilidade.
Meu namorado me joga para cima e me pega em seus braços, colocando a mão atrás do meu joelho direito, o puxando na direção do seu corpo. Finalizamos a coreografia.
Grito junto com o pessoal quando somos declarados vencedores, me inclino e apoio minha testa na baixinha.
- Pensa melhor antes de falar merda, Cande.
A roda se fecha, a galera nos parabeniza. Parece que ninguém nunca eliminou Cande e sua turma.
- É a Malu Bullworty! - Alguém grita alto o suficiente para a notícia se espalhar.
- Merda. - Mike passa o braço em volta do meu corpo e me tira da roda.
Meu nome parece estar vindo de todos os lados, Johnny já deve saber mas não é uma certeza se sairmos antes que ele nos veja.
- Eu sabia que te conhecia de algum lugar. - O rapaz tatuado me para perto da porta. - Você e sua mãe são duas lendas para os dançarinos daqui.
- Obrigada. - Olho para as pessoas se aproximando. - Mas acho melhor eu ir agora.
- Corre.
Mike segura minha mão, enquanto eu puxo a Lexy. Mel está vindo correndo após ter ido chamar o Carlos Eduardo.
Corremos o mais rápido que podemos, entramos no carro e Mike logo acelera, fazendo os pneus cantarem.
- Isso foi foda! - Melanie bate as mãos no teto do carro. - Eu não sabia que os rolês com vocês eram tão divertidos! Agora sei porque o grupo é grande.
Foi loucura fazermos isso. Ainda vou ter que encarar o Johnny.