Eu estava evitando ir para casa durante a tarde porque tinha uma possibilidade remota de eu encontrar a Megan. Mas não estava mais aguentando ficar com aquelas roupas e resolvo arriscar. Solto um palavrão bem alto quando vejo o carro dela parado na garagem. Aperto os dentes e decido que já sou bem grandinho e posso encarar um encontro com ela, mesmo que vê-la me cause uma dor terrível.
Abri a porta de casa e quase caí duro no chão. A Megan deve ter acabado de voltar da corrida, porque está usando aquelas calças pretas justas que fazem as pernas dela parecerem algo saído de um sonho erótico, um top esportivo e mais nada. Era pele demais e uma ruiva demais para eu lidar no meu atual estado de espírito. Resolvo passar direto e fingir que nem a vi gostosa desse jeito. Mas, pelo jeito, ela não concorda comigo. Põe a garrafinha de água na mesa, se encosta no sofá e olha bem nos meus olhos.
- Como foi lá no tribunal?
Me seguro para não perguntar como é que ela sabia onde eu estava, mas aí lembro que estou usando uma roupa toda chique e que a Sofia é a maior fofoqueira de todos os tempos. Tiro a jaqueta de couro, jogo no sofá, do lado dela, e conto até dez de trás para frente até sentir que estou em condições de falar. Queria conseguir interagir com a Megan sem vomitar nem engasgar em toda a minha amargura.
- Deu tudo certo. - respondo. Ela vira para o outro lado. Óbvio que está tão pouco à vontade quanto eu.
- Que bom. Fico feliz por você. - solto uma risada amarga e enfio a mão no cabelo, morrendo de raiva.
- Pode crer. O sonho de toda criança é mandar o próprio tio para cadeia porque ele tentou foder com uma oportunidade daquelas que só aparecem uma vez na vida.
Meu sarcasmo é uma lâmina que corta o incômodo que fica entre a gente. A Megan limpa a garganta e levanta do sofá, cruzando os braços em cima daqueles peitos com os quais eu vou sonhar para o resto da minha vida.
- Você merece ser feliz, Jason. Merece cuidar de você mesmo pelo menos uma vez na vida.
- É, acho que sim.
Prefiro que a Megan cuide de mim, prefiro cuidar dela. Mas, como não tenho mais essa opção, acho que só posso cuidar de mim mesmo. Começo a desabotoar a camisa e ir para o meu quarto. Os olhos dela ficam aguçados e acompanham todos os meus movimentos. Aí, o celular da Megan toca lá na mesa da cozinha e vou buscar para ela. Fico completamente congelado quando vejo o nome no identificador de chamadas. É o Coletinho do meu irmão.
Sou capaz de incendiar o planeta inteiro só com a força do meu pensamento. Entrego o aparelho sem dizer uma palavra e passo por ela correndo. Paro porque Megan põe a mão no meu ombro. Aqueles olhos verdes brilham para mim com uma expressão que não consigo decifrar, mas estou cansado de ela ficar brincando comigo e depois me mandar embora. Não posso mais perder o controle. Ficar tonto de tesão só é divertido até umas horas.
- Não é o que você está pensando, Jason. Nada disso é o que você está pensando.
A voz dela fica um pouco trêmula. Juro que queria me importar. Queria beijá-la e levar ela para cama. Queria cantar para ela, implorar para ela vir comigo na turnê, pôr uma aliança no seu dedo e pedir para ela ser minha para sempre. Infelizmente, só posso me livrar da mão dela e espremer os olhos.
- Tô tentando não pensar nisso, Megan.
Ela solta um suspiro de surpresa, mas vou para o meu quarto. Como não estou afim de ouvir o que ela tinha a dizer para o imbecil do James, bato a porta e arranco aquelas roupas que tão me sufocando. Bem que podia ser fácil assim me livrar desse emaranhado de sentimentos. Ponho o rock mais pesado que eu tenho para tocar no volume máximo. Se a Megan está pensando em vir atrás de mim para conversar, vai mudar de ideia.
A música está tão alta que dá dor de cabeça. Mas pelo menos me distrai, e consigo resolver uns lances de última hora da turnê e os retoques finais do álbum de heavy metal. Sério. Nesse momento, ajudar bandas que estão começando, levar o som de bandas novas até as pessoas me deixa mais feliz do que qualquer coisa.
Quando saio para ir para o estúdio de tatuagem, não vejo nem sinal da Megan. Passo na casa de Gael pra ele ir comigo e conto os detalhes do tribunal para ele. Não sei se me faz sentir melhor ou pior. Decido não pensar muito no assunto e vou para o centro. Leva alguns minutos para eu ir até o estúdio. Chego um pouco atrasado, mas o Julian ainda está tatuando uma menina que parece ter menos de dezoito anos.
Falo que vou esperar, mas aí o Gael vem lá dos fundos falando no celular, fazendo careta, e me pergunta se tenho um minutinho. Não estou afim de ouvir ele me enchendo o saco, mas o estúdio não é tão grande assim, e fico sem escolha. Cumprimento o Nash com a cabeça, que também faz careta quando vê a gente saindo pela porta. Mas, como está fazendo uma tattoo bem complicada na panturrilha de um cara, não fala nada. O Gael resmunga alguma coisa para tela do celular e põe o aparelho no bolso do casaco de moletom.
- O meu irmão vai vir morar aqui também daqui a uns meses.
Por essa eu não esperava, e fico sem saber o que dizer. O irmão mais velho do Gael é legal, valentão, do tipo que não leva desaforo para casa. Gosto dele para caramba.
- Que legal.
- Seria legal, se ele parasse de ser tão cuzão.
- Se ele for morar com você, para onde você e a Sofia vai? Estou sabendo que ela passa mais tempo no seu apartamento do que na casa dela. E que os pais delas já querem você como genro. - ele ri.
- Vou comprar uma casa para ela. - fico meio sem reação, porque conheço o Gael há um tempão. Já é um choque ele ficar com uma mulher só. Mas morar para sempre com ela é simplesmente impensável.
- Uau. Isso sim é um passo grande. - meu amigo encolhe os ombros, se encosta na vitrine da loja.
- Não acho. A Sofia é a mulher perfeita para mim. - levanto a sobrancelha e imito a pose dele, encostando no vidro gelado.
- Você está falando de casar e ter filhos, Gael? - Tô passado. O Gael sempre foi o lobo solitário. A lista de mulheres que já pegou é uma lenda, tão comprida que dá medo. Mas, assim que resolveu se comprometer com a Sofia, fez isso com a mesma intensidade que faz tudo o mais na sua vida.
- Para ser sincero, meu amigo, vou fazer o que ela quiser. Se ela quiser um anel de noivado, vou comprar um do tamanho dela. Se quiser um filho, a levo para cama todas as noites até ela engravidar e não vou reclamar de nada. Se quiser que as coisas continuem como estão, até o fim dos tempos, também estou de boa. Só quero ficar com ela. É disso que queria conversar com você. - aqueles olhos estavam com uma expressão tão séria que me grudaram, no vidro. É difícil deixar de encarar aquela tempestade de inverno quando ela vem para cima de você com toda a força - Quando a mulher certa aparece, Jason, você dá um jeito. Move montanhas, muda a sua vida e faz de tudo para ficar com ela. Ela me torna uma pessoa melhor, me deixa feliz. Dá para ver que a Megan faz a mesma coisa com você.
Eu ia interromper, dizer que não fui eu que caí fora, que tinha encarado os segredos e os perdidos dessa garota e, mesmo assim, me apaixonei por ela. Mas meu amigo levanta a mão e não me deixa falar.
- Sei que as coisas entre vocês tão complicadas. Sei que ela não é fácil de amar, mas é nessas horas que é mais importante ainda amá-la sem medida. Acredita em mim, já tive na mesma situação. A Sofia me explicou por cima o que a Megan está passando, e a coisa é bem feia. Não é bolinho, com certeza. Mas sei que você dá conta se insistir.
Faço uma careta e tento evitar que as palavras do meu amigo fiquem martelando na minha cabeça. Entendo o que ele está falando, admiro o fato de ele pensar que o amor sempre supera tudo. É bonito de ouvir, vindo de alguém como ele. Mas não é o Gael que tem que lidar com a fortaleza que a Megan construiu para se proteger, e não é ele que estava lá em casa hoje à tarde, quando aquela droga de celular tocou.
Dou um suspiro e olho de canto. Não vou mentir sobre o que sinto pela Megan, mas também não vou fingir que tenho esperança de que role algo além do que já rolou, para falar a verdade eu acho que não vai rolar mais nada entre a gente, somos como água e eletricidade.
- Valeu, Gael. Sério, entendo o que está falando e queria, queria muito mesmo, que rolasse com a Megan o mesmo lance que rola entre você e a Sofia. Mas as coisas não são assim. Sei o que acontece quando se tenta forçar alguém a fazer alguma coisa. Olha só para os meus tios.
A gente fica se encarando um tempão. Aqueles olhos do meu amigo brilham como diamantes enquanto ele analisa o que acabei de dizer. Por fim, solta um suspiro, desencosta do vidro e fala:
- O que eu sei é que, quando você acha que a pessoa vale a pena, que o resultado vai valer a pena, não deve desistir. - desencosto da vitrine também. Um grupinho de meninas passa pela gente e fica olhando, mas nem eu nem meu amigo prestamos atenção nos sorrisos sedutores que elas dão para gente. Me dá vontade de chutar alguma coisa.
- Acho que, agora, a felicidade é uma coisa relativa para mim. - respondo. A gente volta para dentro do estúdio, e o Julian está acompanhando a menina que estava tatuando até a recepção. Meu amigo me cumprimenta com um soquinho e faz sinal com a cabeça em direção à sala dos fundos, onde tem mesas de desenho e uma salinha para relaxar.
- Chega mais e dá uma olhada no que eu rabisquei. Se você não gostar, dá tempo de mudar. - O Nash me dá um tapinha no ombro e diz:
- Ele passou o dia inteiro fazendo isso. Está legal pra caralho. - faço uma expressão de curiosidade e vou para os fundos do estúdio com o Julian.
- Valeu por ter feito tão rápido.
- Não é sempre que um cliente me dá liberdade para fazer o que eu quiser. Me diverti muito.
O desenho é gigante. Dá para cobrir as costas inteira, começando na bunda e terminando na clavícula. O fogo é o que mais aparece. Tem chamas retorcidas e arrasadoras lambendo um microfone antigo despedaçado. O leão de boca aberta, nem se fala, está cheio de raiva e poderoso em todos os quesitos com mais chamas saindo dele. É pesado, irado, colorido e cheio de vida.
Me sinto exatamente assim. As cores que o Julian escolheu, o desenho, está mais para uma aquarela do que para as linhas duras características de uma tattoo. Fico olhando, abismado, por um tempão, até que o Julian limpa a garganta e me dou conta de que ele está meio nervoso.
- Era isso que você queria? - eu dou risada, com vontade. Rio tanto que meus olhos se enchem de lágrimas.
- Se eu não achasse que você ia me dar um soco na cara, eu te beijava. Está perfeito. É exatamente isso que eu queria.
- É bem grande. Acho que hoje a gente só consegue fazer o contorno e, mesmo assim, vai levar umas quatro ou cinco horas. - concordo e começo tirar a camiseta.
O Nash falou que, assim que ele terminar o garoto que ele está tatuando, vai buscar uma pizza. O Gael disse que ia pegar uma caixa de cerveja e já voltava.
- Mas você vai ter de esperar terminar a tatuagem para beber, se não, teu corpo vai expelir a tinta. - concordo na hora e relaxo enquanto meu amigo vai arrumar as coisas.
A situação com a minha família está resolvida, na medida do possível, minhas letras das músicas está fazendo mais sucesso do que nunca, e tenho os amigos mais legais do mundo. Pena que nada disso preenche o vazio deixado por uma mulher alta de cabelo laranja. Nada torna o fato de ela continuar falando com o James mais fácil de engolir. É uma bosta eu simplesmente não conseguir dar um jeito de ficar com ela, e nada disso ajuda. Ter o Julian me castigando com um monte de agulhas por algumas horas é um bom jeito de fazer a adrenalina fluir. E um bom jeito de pôr para fora um pouco daquelas emoções ardentes e dolorosas que a Megan me faz sentir.
Capítulo bônus.
Até o próximo capítulo amores e amoras. 🌹💙