Nesta triste masmorra,
de um semi-vivo corpo [sepultura
inda, Marilia, adordo
a tua formosura.
Amor na minha idéia te [retrata;
busca, extremoso, que eu [assim resista
à dor imensa, que me cerca e [mata.
Quando em meu mal [pondero,
então mais vivamente te [diviso:
vejo o teu rosto e escuto
a tua voz e riso.
Movo ligeiro para o vulto os [passos;
eu beijo a tíbia luz em vez de [face,
e aperto sobre o peito em [vão os braços
Conheço a ilusão minha;
a violência da mágoa não [suporto;
foge-me a vista e caio,
não sei se vivo ou morto.
Enternece-se Amor de [estrago tanto;
reclina-me no peito, e com [mão terna
me limpa os olhos do salgado [pranto.
Depois que represento
por largo espaço a imagem [de um defunto,
movo os membros, suspiro,
e onde estou pergunto.
Conheço então que Amor me [tem consigo;
ergo a cabeça, que inda mal [sustento
e com doente voz assim lhe [digo:
- Se queres ser piedoso,
procura o sítio em que [Marilia mora,
pinta-lhe o meu estrago,
e vê, Amor, se chora,
se, as lágrimas verter, a dor [a arrasta.
Uma delas me traze sobre as [penas,
e para alívio meu só isto [basta.
TOMÁS ANTONIO GONZAGA
(1744-1810)
Imagem: Johann Heinrich Füssli - Loneliness in the Morning Twilight